CALMARIA NA TORMENTA

Ministra Rosa Weber assume presidência do STF em momento particularmente conturbado, mas perfil discretíssimo pode ajudar a baixar temperatura de possível conflito institucional

Rosa Weber || Crédito: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

Por Paulo Vieira

Numa Suprema Corte marcada pela divergência e pela eloquência – eufemismo para desdém ao preceito de apenas falar nos autos –, a porto-alegrense Rosa Weber é um oásis. Uma esfinge. Ou nem isso, já que nem mesmo enigmas ela oferece ao interlocutor interessado em decifrá-la. Rosa não fala com a imprensa, evita pronunciamentos públicos, não antecipa seus votos, deve desconhecer as ferramentas mais básicas do Instagram e normalmente só se manifesta nos processos que julga, como, aliás, convém – ou deveria convir – ao decoro de qualquer juiz. A ministra assume a presidência rotativa da casa em setembro, no meio do furacão.

Não que tenha sido fácil para seu antecessor, Luiz Fux. A tensão institucional levada a cabo pelo bolsonarismo e seu criador, que teve no STF e em alguns de seus ministros inimigos preferenciais, gerou cenas como a de 7 de setembro de 2021, de procissão de caminhoneiros e outras categorias teleguiadas querendo invadir a sede do STF. Além disso, o próprio Bolsonaro falou explicitamente em descumprir ordem do ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “canalha” – outros colegas mereceram do presidente epítetos como “mentiroso”, “psicopata”, “sem caráter”, “petista”, “comunista” e, no caso de Luís Roberto Barroso, ainda houve associações à pedofilia.

Rosa, que talvez por seu perfil discretíssimo escapou da linha de tiro do chefe do Executivo e de seus acólitos, assume seu termo como presidente poucos dias depois de outro 7 de setembro, este o do bicentenário da Independência do Brasil, o que coloca mais simbolismo na fogueira, mas promete ser amendoim perto do que vem por aí: as eleições de outubro e o clima à invasão do Capitólio diligentemente preparado por Bolsonaro dia após dia de seu mandato. Estar à frente do STF nas próximas semanas só deve ser menos penoso do que sentar-se na cadeira de Moraes, que em agosto passa a chefiar o Tribunal Superior Eleitoral. Rosa já passou por essa prova de fogo: esteve à frente do TSE em 2018, justamente o ano das eleições de Bolsonaro – que ele, mesmo vencedor, insiste em dizer fraudadas. Ao menos ela pode se consolar com a perspectiva iminente de sua aposentadoria: em 2023 completa 75 anos e tem de se afastar compulsoriamente do serviço público, abreviando em um ano o mandato no Poder Judiciário.

 

“A ministra é muito rigorosa, técnica, não poderia ser mais adequada para este momento do país” Oscar Vilhena, FGV

 

Rosa Weber, que foi indicada ao STF por Dilma Rousseff em 2011, não deve se sentir muito à vontade em assumir a presidência da corte em momento tão apoteótico, mais digno de Joãosinho Trinta do que de, vá lá, Geraldo Alckmin, mas talvez ela não se sinta à vontade com estreias de modo geral. E é justamente por ter esse perfil baixo que alguns analistas privilegiados do trabalho do Supremo veem com expectativa a assunção da gaúcha.

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“A ministra Rosa é absolutamente discreta, muito rigorosa, seus votos são técnicos, e ela tem aderência incondicional ao pacto constitucional. Não poderia ser mais adequada para este momento do Brasil, de muita estridência. Ao não reverberar, ela já contribui, e sua presença [na presidência] pode ser muito despolitizadora, o que será positivo para o futuro governo”, disse a PODER Oscar Vilhena Vieira, professor de direito constitucional da FGV-SP. Vieira, contudo, faz questão de dizer que ser “muito silente” não significa “não tomar posições”. “Quando presidiu o TSE em 2018, Rosa nunca se omitiu.”

“Ela vai contribuir para diminuir a tensão institucional”, crê o advogado criminalista Juca Oliveira Lima, “justamente por seu perfil sereno, discreto.” “Sou de família de juiz, gosto desse perfil de discrição. E ela tem pulso firme, vejo-a também habilidosa nos bastidores, não me lembro dela entrando numa briga com seus pares.”

Se o bolsonarismo não anda se ocupando propriamente da ministra Rosa, a fortuna crítica, digamos, de sua década na Corte não deve agradar em nada à malta. Em 2021, anulou medida provisória de Bolsonaro que retirava o poder de moderação das redes sociais no caso de conteúdo falso e antidemocrático. Também suspendeu num primeiro momento o orçamento secreto, como é chamado o conjunto de emendas de parca ou nenhuma transparência que garante a aprovação de temas caros ao governo no Congresso. E mais para trás, viu constitucionalidade nas cotas raciais das universidades públicas e votou contra a condenação em segunda instância, cavalo de batalha da turminha da Lava Jato de Curitiba, mudando entendimento de quatro anos antes. Na época do impeachment de Dilma, rejeitou oito ações que contestavam a manutenção dos direitos políticos da ex-presidente; e, retroagindo ainda mais, votou contra o crime de formação de quadrilha associado ao núcleo político dos acusados no mensalão; também negou pedido de habeas corpus a alguém preso por roubar xampu de R$ 10. No campo do direito do trabalho, área em que fez carreira – ela foi presidente do Tribunal Superior do Trabalho antes de chegar ao STF –, 75% de suas decisões em 2021 favorecem os trabalhadores, segundo análise do Anuário da Justiça do ConJur.

 

“Ela vai contribuir para diminuir a tensão institucional. Tem pulso firme, vejo-a também habilidosa nos bastidores” Juca Oliveira Lima, criminalista

 

Na argumentação tortuosa dos detratores de redes sociais, toda essa atuação pode ser ainda menos digna de ataques do que dois fatos que não dizem respeito à magistratura. A filha de Rosa, a produtora cultural Mariana Weber, assinou ficha de filiação ao Psol em 2019. Por ter dado abrigo um dia a Adélio Bispo, responsável pela facada que mudou a história do país em 2018, o partido é, junto com o PT de Lula, o inimigo preferencial do reacionarismo alinhado a Bolsonaro. O outro filho de Rosa, o jornalista Demétrio Pires Weber, ironicamente, já foi vítima de ataques de petistas nas redes sociais por ter colaborado com jornais que eram tratados pelos simpatizantes do lulopetismo como integrantes da “mídia golpista”. Os bolsonaristas acham hoje que a tal “mídia golpista” trabalha contra seu líder.

A comparação é um tanto indevida, já que a sabatina para o STF no Senado depende de humores políticos, e, em sua vez, Rosa teve 14 votos contrários. Mas, no passado, ela “gabaritava”, tendo sido aprovada em 1967 em primeiro lugar no vestibular para a faculdade de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Rosa talvez já estivesse vacinada para o contraditório, tendo dito aos senadores na Comissão de Constituição e Justiça antes da sabatina que “há de manter o juiz a sua humildade e a consciência de que, embora limitado como ser humano em sua dimensão pessoal, ele deve ser grande na resposta, para acompanhar as mudanças trazidas pelo progresso científico, tecnológico e humano”. Para o advogado Walfrido Warde, autor do livro O Espetáculo da Corrupção, a ministra adquiriu respeito nos meios “jurídico, político e militar” – o que certamente engrandece sua figura. “Ela será capaz de manter a etiqueta democrática”, completa.