Pornô é pop

Sucesso do OnlyFans, vitaminado pela Covid-19 e pelo trabalho remoto, recicla feito de uma indústria que tem história centenária

Por Anderson Antunes

Ouso da nudez como forma de expressão e de protesto vem desde tempos imemoriais, ou quase isso. Mas é possível marcar o século 16, na transição das trevas da Idade Média para a Idade Moderna, como o período do surgimento do que mais tarde seria conhecido por pornografia. Em 1524, o italiano Marcantonio Raimondi foi preso por expor em público uma série de desenhos com conotação explicitamente sexual. Durou pouca a pena. Ele foi tirado da cadeia depois que Pietro Aretino, artista e intelectual conservador influente da época, negociou com sucesso sua liberdade. Em seus escritos e caricaturas, Aretino, hoje em dia considerado um “nicodemita”, como são conhecidos os protestantes que fingiam ser católicos para escapar da fogueira da Inquisição, analisava o comportamento humano e, de quebra, ganhava uns trocados extras chantageando poderosos com a ameaça de “denunciá-los” por meio de sua arte caso não recebesse o que exigia. O crime? Se envolver em aventuras sexuais que fariam corar até mesmo Eros, o mais fogoso dos filhos alados de Afrodite, deusa do amor e do sexo na mitologia grega (para os romanos, Vênus). A pornografia e a hipocrisia sempre fizeram sombra uma à outra, como se vê.

O que certamente deixaria Aretino e Raimondi tão corados quanto Eros – mas de surpresa, e não de pudor – é a realidade atual daquilo que ambos enxergavam como uma arte, e que se destacava por ser proibida: liberada e consumida em massa, ainda que malvista por muitos pudicos de araques, a pornografia hoje é uma grande indústria – e das que mais crescem. Uma pesquisa feita pela consultoria Absolute Markets Insights apontou que, apenas em 2019 e somente na internet, o negócio global do pornô movimentou US$ 35,2 bilhões. Para o ano seguinte, o crescimento anteriormente previsto era de pouco mais de 15%, mas essa estimativa foi superada com folga em consequência de um “imprevisto” que forçou quase toda a população mundial a ficar em casa, a pandemia de Covid-19, que teve entre suas várias consequências um impacto jamais visto no meio em que sexo é commodity. Em resumo, o novo coronavírus mudou drasticamente a forma como conteúdos pornográficos são consumidos e, acima de tudo, produzidos. Mais pessoas em casa gerou um aumento do consumo desses produtos.

Pessoas estressadas, isoladas e entediadas em razão de uma doença que as obrigou a mudar de rotina, por sua vez, tendem a gastar mais. E como a demanda atrai dinheiro, o resultado disso foi o surgimento de um Vale do Silício virtual que tem nos prazeres carnais, aliados à tecnologia, sua fonte de receita. Apenas em 2020, o primeiro ano da Covid, o tráfego de sites proibidos para menores aumentou mais de 20%. E entre esses, um dos maiores destaques foi o britânico OnlyFans, espécie de Tik Tok para adultos em que profissionais e amadores produzem vídeos e imagens em troca da cobrança de valores que podem variar entre US$ 5 e US$ 50 mensais pela assinatura do serviço. Há casos de produtores de conteúdo do OnlyFans que embolsam dezenas de milhões de dólares por ano, e virou moda entre as celebridades criar suas páginas oficiais na plataforma – como a da cantora Anitta – na qual oferecem uma versão mais quente de si mesmas, porém não exatamente pornográficas. Fundado em 2016 por Tim Stokely, executivo britânico com vasta experiência no ramo do voyeurismo, o OnlyFans conta atualmente com 2 milhões desses usuários que postam material caliente para mais de 130 milhões que pessoas que os consomem.

Em 2021, as receitas da plataforma ultrapassaram US$ 1,2 bi, e seu valor de mercado estimado é de US$ 1 bi. Stokely pretende lançá-lo na Bolsa de Valores de Londres em um futuro próximo, com seus papéis negociados junto com os de companhias centenárias e tradicionais como os bancos HSBC e Lloyds. Investidores dispostos a comprar suas ações não faltarão. E isso, sem sombra de dúvida, lhe dará um verniz de negócio sério, poucas vezes antes atrelado aos investimentos passados em tudo que fosse ligado ao universo da luxúria, por mais que, como os inúmeros filmes sobre Wall Street já indicaram, experiências sexuais façam parte das rotinas dos players de mercados de capitais. O que certamente deixaria Aretino e Raimondi tão corados quanto Eros – mas de surpresa, e não de pudor – é a realidade atual daquilo que ambos enxergavam como uma arte, e que se destacava por ser proibida: liberada e consumida em massa, ainda que malvista por muitos pudicos de araques, a pornografia hoje é uma grande indústria – e das que mais crescem. Uma pesquisa feita pela consultoria Absolute Markets Insights apontou que, apenas em 2019 e somente na internet, o negócio global do pornô movimentou US$ 35,2 bilhões. Para o ano seguinte, o crescimento anteriormente previsto era de pouco mais de 15%, mas essa estimativa foi superada com folga em consequência de um “imprevisto” que forçou quase toda a população mundial a ficar em casa, a pandemia de Covid-19, que teve entre suas várias consequências um impacto jamais visto no meio em que sexo é commodity. Em resumo, o novo coronavírus mudou drasticamente a forma como conteúdos porno gráficos são consumidos e, acima de tudo, produzidos.

Mais pessoas em casa gerou um aumento do con sumo desses produtos. Pessoas estressadas, isoladas e entediadas em razão de uma doença que as obrigou a mudar de rotina, por sua vez, tendem a gastar mais. E como a demanda atrai dinheiro, o resultado disso foi o surgimento de um Vale do Silício virtual que tem nos pra zeres carnais, aliados à tecnologia, sua fonte de receita. Ape nas em 2020, o primeiro ano da Covid, o tráfego de sites proibidos para menores aumentou mais de 20%. E entre esses, um dos maiores destaques foi o britânico OnlyFans, espécie de Tik Tok para adultos em que profissionais e amadores produzem vídeos e imagens em troca da cobrança de valores que podem variar entre US$ 5 e US$ 50 mensais pela assinatura do serviço. Há casos de produtores de conteúdo do OnlyFans que embolsam dezenas de milhões de dólares por ano, e virou moda entre as celebridades criar suas páginas oficiais na plataforma – como a da cantora Anitta – na qual oferecem uma versão mais quente de si mesmas, porém não exatamente pornográficas.

Fundado em 2016 por Tim Stokely, executivo britânico com vasta experiência no ramo do voyeurismo, o OnlyFans conta atualmente com 2 milhões desses usuários que postam material caliente para mais de 130 milhões que pessoas que os consomem. Em 2021, as receitas da plataforma ultrapassaram US$ 1,2 bi, e seu valor de mercado estimado é de US$ 1 bi. Stokely pretende lançá-lo na Bolsa de Valo res de Londres em um futuro próximo, com seus papéis negociados junto com os de companhias centenárias e tradicionais como os bancos HSBC e Lloyds. Investido res dispostos a comprar suas ações não faltarão. E isso, sem sombra de dúvida, lhe dará um verniz de negócio sério, poucas vezes antes atrelado aos investimentos passados em tudo que fosse ligado ao universo da luxúria, por mais que, como os inúmeros filmes sobre Wall Street já indicaram, experiências sexuais façam parte das rotinas dos players de mercados de capitais.

PORN ACEITÁVEL

Nesse sentido, a pandemia serviu – e muito – para tornar o “porn” mais aceitável, por mais que ainda seja visto com olhares tortos e hipócritas. Entre os que controlam o dinheiro, no entanto, o que se vê são as oportunidades que novidades como o OnlyFans carregam consigo, e seu inegável potencial de crescimento em uma nova fase global de pessoas cada vez mais enclausuradas em casa, seja para se proteger de doenças ou para trabalhar remotamente, outra tendência que a Covid-19 ajudou a potencializar. Ganham todos: os que usam e pagam sem remorso os serviços tais como aqueles oferecidos pela mina de ouro de Stokely, as empresas e os produtores desses serviços e, para citar dados mais recentes, até mesmo as populações em si, uma vez que o “fenômeno” OnlyFans contribuiu, também, para uma redução no aumento de doenças sexualmente transmissíveis em vários países. Falta analisar ainda o efeito psicológico que tudo isso possa vir a ter nos envolvidos nessa revolução “triple X”, e sua aceitação continuará escassa pelos demais humanos que negam o próprio desejo. Talvez esse balanço seja, no fim das contas, a receita do sucesso, a hipocrisia que sustenta toda uma estrutura que tem em seu charme a proibição. Ou seja: para todo Raimondi haverá sempre um Aretino, numa roda secular que gira sempre se adaptando às lombadas de seu caminho. Mas que a pornografia nunca foi tão pop, não há como negar.