Por Anderson Antunes
O Vale do Silício poderia muito bem ser chamado de “O Reino Encantado da Inovação”, um lugar onde os sonhos são forjados em bits e bytes, e onde unicórnios não são apenas figuras míticas de contos de fadas, mas empresas avaliadas em bilhões de dólares. Porém enquanto os Estados Unidos têm o Vale do Silício, o que temos no Brasil?
Talvez um ‘Vale do Descaso’, um cenário desanimador para qualquer aspirante a empreendedor. Mas vale voltar um pouco no tempo e refletir: será que essa situação tem raízes mais profundas do que imaginamos? Será que as histórias que lemos quando crianças podem realmente afetar o rumo de uma nação?
Steve Jobs cresceu lendo “As Crônicas de Nárnia”, uma saga onde crianças comuns são transformadas em reis e rainhas, responsáveis por reinos inteiros. J.R.R. Tolkien com “O Senhor dos Anéis” ensinou a Larry Page e Sergey Brin que mesmo o menor dos seres pode alterar o curso do futuro. Essas narrativas alimentaram suas imaginações, mostrando mundos onde o impossível se tornava possível, onde a magia se entrelaçava com a realidade.
E no Brasil? Nossa literatura infantil icônica tem personagens como o Saci-pererê e a Cuca, seres do folclore brasileiro que habitam o universo do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, de Monteiro Lobato. Em vez de reinos mágicos e desafios heroicos, tínhamos uma bruxa que transformava pessoas em pedra e um menino com uma perna só que aprontava travessuras.
Certamente são histórias ricas em cultura e significado, mas onde estão os arcos supinos? Onde estão as grandes jornadas que nos ensinam que podemos ser mais do que aparentamos? Talvez o problema seja exatamente esse: nossos heróis culturais, embora repletos de encanto e magia, carecem da grandiosidade que inspire a próxima geração de inovadores.
Não estamos falando apenas de dinheiro ou de tecnologia, mas da imaginação necessária para sonhar grande. E se as histórias que crescemos lendo nos ensinaram apenas a ser pequenos e temer um jacaré bípede de cabelos loiros?
Agora imagine se tivéssemos nossa própria versão de “Harry Potter”, uma série literária que elevou a uma geração inteira de crianças britânicas. Ou até mesmo algo como o “Star Wars“, que é mais uma religião pop do que um mero filme para os americanos.
Talvez, com heróis como esses, nossas aspirações seriam direcionadas a algo mais grandioso que driblar a lei para conseguir vantagens pessoais. Talvez aspiraríamos a ser os magos da tecnologia, não os trapaceiros do mercado. Não é por acaso que países com histórias infantis mais épicas têm uma presença tão marcante na tecnologia mundial.
Afinal, como você vai criar o próximo Facebook se a maior aventura que você teve foi ajudar Emília a costurar um novo vestido? Enquanto o Vale do Silício sonha em colonizar Marte, talvez ainda estejamos presos na roça, discutindo se Saci-pererê é mais astuto que Pedrinho.
Enquanto isso, aqui no Brasil, Eike Batista talvez seja o nosso exemplo mais próximo de um Elon Musk, e sabemos bem como essa história terminou: não com um Tesla, mas com a promessa de transformar o Brasil na potência do pré-sal.
O que se desenrolou, porém, foi mais um enredo digno das telenovelas brasileiras, com uma queda vertiginosa recheada de escândalos. Batista não é um vilão, é apenas um produto do meio em que foi criado. Um meio que valoriza mais o jeitinho brasileiro de driblar as regras do que o poder transformador da inovação.
E se nossa literatura infantil, ao invés de nos ensinar a fugir de bruxas e lobisomens, nos incentivasse a explorar novos mundos e criar tecnologias revolucionárias? E se tivéssemos histórias que nos ensinassem sobre a importância da ética, da ciência e do trabalho duro?
Talvez então teríamos mais chances de criar a próxima SpaceX, em vez de mais um capítulo na novela da Lava Jato. Mas nunca é tarde para mudar. Talvez a solução esteja em começar pelas crianças de hoje. Que tal substituir algumas histórias do Saci-pererê por um pouco de Isaac Asimov ou Arthur C. Clarke?
Deixar que elas se inspirem em personagens que enfrentam desafios cósmicos e dilemas éticos de escala galáctica, em vez de se contentarem em achar que o cúmulo da aventura é escapar de uma bruxa numa floresta. A literatura tem o poder de moldar mentes e, consequentemente, o futuro.
Se quisermos que a próxima geração de brasileiros esteja à altura dos desafios do mundo moderno, talvez seja hora de revisitar os contos que contamos a nossos filhos. Quem sabe o futuro Musk brasileiro esteja agora mesmo em sua cama, esperando para descobrir um livro que o inspire a alcançar as estrelas, e não apenas a tirar proveito delas.
Em resumo, não é apenas uma questão de recursos ou educação, mas também de imaginação e aspirações. Como bem diria Einstein, “A imaginação é mais importante que o conhecimento”. Portanto, se quisermos evoluir de um país do futebol e samba para uma nação de inovadores e pensadores, talvez essa seja a hora de começar por onde tudo começa: na imaginação de uma criança.
E para isso, quem sabe seja hora de atualizar nossa biblioteca mental. Porque, no fim das contas, talvez Monteiro Lobato não tenha sido o problema, mas sim a falta de outros Monteiro Lobatos dispostos a enfrentarem perigos maiores na floresta encantada. || A.A.
“O aspecto mais triste da vida de hoje é que a ciência ganha em conhecimento mais rapidamente que a sociedade em sabedoria” ~ ISAAC ASIMOV