“O juiz é a presença do Estado”, diz presidente do TST

Maria Cristina Peduzzi || Crédito: Giovanna Bembom/TST

Maria Cristina Peduzzi, uma das duas únicas mulheres a presidir tribunais superiores ora no Brasil, vê ganhos no trabalho remoto, mas acha que o juiz precisa decidir fisicamente, “conhecer a realidade” das comunidades em que atua

São apenas cinco as mulheres dentre os 27 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Mas uma delas, a ministra Maria Cristina Peduzzi, é justamente a presidente rotativa da Corte. Ela gostaria de mudar esse cenário, o que ela já vê acontecer no Judiciário brasileiro de modo geral e na Justiça do Trabalho em particular, já que, no 1º grau, por exemplo, como ela comenta nesta entrevista exclusiva a PODER Online, há mais juízas que juízes.

Mas antes de trazer a questão para o Tribunal que preside, ela precisou cuidar de algo mais básico – a defesa da Justiça do Trabalho. Apontado como cara, ineficiente e detestada pelo patronato que tenta seguir dando as cartas no Brasil, a Justiça do Trabalho, segundo Peduzzi, vem exuberando na pandemia, com eficiência e velocidade inéditas.

PODER Online Existe hoje uma discussão sobre a participação mais ampla de mulheres na política, esse tema deveria se estender para o Judiciário? A senhora e a ministra Ana Arraes, do TCU são as duas únicas presidentes de tribunais superiores

Maria Cristina Peduzzi – Acredito que estamos avançando no tema, também no Judiciário. Em 2018, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) instituiu a política nacional de participação feminina no Poder Judiciário, iniciativa da ministra Carmen Lúcia, do STF. A Justiça do Trabalho é o ramo que melhor atende ao critério democrático da composição paritária de gênero. Dados de 2020 indicam que 50,4% dos cargos de juízes de primeiro grau são ocupados por mulheres. E a proporção entre servidores também é equilibrada: 49,9% dos cargos são ocupados por mulheres. Nos tribunais regionais, as desembargadoras ocupam 41,3% dos cargos. No TST, as servidoras ocupam 50,4% dos cargos. Em relação à composição de ministros, somos 27 e temos, hoje, cinco mulheres. Já tivemos mais. A caminhada é longa, temos de estar sempre vigilantes.

PODER Online – A ex-ministra Eliana Calmon disse algumas vezes que a Justiça do Trabalho é uma das mais caras e ineficientes do país. Como a senhora recebe esse pensamento?

MCP – É uma afirmação sem qualquer base concreta. Eu poderia discorrer por horas sobre efetividade, celeridade, modernização e importância da Justiça de Trabalho para o nosso país. O TST recebeu em 2020 o selo Diamante no Prêmio CNJ de Qualidade, foi o único tribunal superior que recebeu essa premiação. Foi o segmento que mais promoveu conciliações: 23% dos casos foram solucionados por meio de acordo. Fomos destaque como segmento com maior índice de virtualização dos processos, com 100% dos casos novos eletrônicos no TST e 99% nos demais tribunais do Trabalho. Com relação aos custos, eles são compatíveis com sua abrangência, pois atendemos regiões de difícil acesso, como as ribeirinhas e as fronteiras. A Justiça do Trabalho não julga apenas ações de relações de emprego, mas ações de danos morais e administrativas, por exemplo. São muitos os conflitos levados à Justiça do Trabalho e, mais importante, solucionados por ela.

PODER Online – Houve alguma economia com o trabalho remoto? Alguns órgãos, como o TJDFT, pretendem continuar com o teletrabalho parcial.

MCP – Em 2020, apesar da pandemia, o TST teve um ganho de produtividade em relação a 2019, julgamos 6,3% a mais; o tempo de tramitação, passou de 541 para 522 dias. O TST concluiu o primeiro semestre de 2021 com aumento de 4% na carga de trabalho com relação ao mesmo período de 2020. De 16 de março de 2020, quando começou o trabalho remoto, a 25 de julho de 2021, o TST julgou 457 131 processos. [Foram] Mais de 100 mil decisões interlocutórias, quase 100 mil despachos, atos de secretaria, reflexo de que nós estivemos a contento do que se esperava.

PODER Online – A senhora se declarou contra o trabalho remoto dos juízes, mas na Justiça Comum conciliações e até audiências de custódia têm sido recomendadas pelos presidentes dos seus tribunais.

MCP – As audiências remotas foram feitas com muita eficiência e resultaram em muitos acordos. E não há dúvida de que essa possibilidade não só atendeu ao necessário cuidado com a saúde como foi a alternativa possível. Mas era uma medida sanitária, emergencial. Depois que a vacinação avançou, temos os controles em dia e a sociedade caminha com mais tranquilidade para a retomada. Então, não teremos mais essa necessidade das audiências telepresenciais. Meu posicionamento é que nem cabe ao CNJ regulamentar o trabalho remoto de forma ordinária para magistrados uma vez que a pandemia for superada. Audiência telepresencial surgiu para atender a uma demanda emergencial, foi um valioso instrumento, a tecnologia atuou em favor da Justiça. Mas temos que ter a compreensão de que é uma situação provisória. A presença física é fundamental, é uma norma da Constituição. O juiz é a presença do Estado. Ele precisa vivenciar e conhecer a realidade das comunidades. A formação de seu conhecimento depende disso. Essa mudança não interessa e não convém.

PODER Online – A senhora concorda com a possibilidade de corte na remuneração do serviço público para tentar conter os gastos da máquina pública?

MCP – Orçamento e disponibilidade de recursos têm conotação política, estão fora da minha jurisdição. Mas posso dizer que um dos pilares da nossa gestão no TST e no Conselho-Geral da Justiça do Trabalho, que compreende as questões orçamentárias, que nosso foco é a responsabilidade fiscal e o compromisso com a melhor alocação dos recursos públicos.

PODER Online – Existe um calendário que promete a facilitação da prova de vida para beneficiários do INSS em 2022. O que muda?

MCP – Fizemos recentemente uma parceria com o ministério da Economia que permite a magistrados e servidores aposentados, além de pensionistas, realizarem a prova de vida pelo aplicativo gov.br, um serviço que melhora o atendimento aos beneficiários, é viável e célere. Nova modalidade de cadastramento que surge como forma de preservar aqueles que são vulneráveis. Está integrada ao sistema do governo. É um avanço.

PODER Online – A terceirização de mão de obra, normalmente considerada ilegal pela Justiça do Trabalho, tem ajudado algumas famílias a sobreviver nos últimos dois anos. Haverá alguma mudança, caso haja aumento no número de conflitos entre empregado e empregador, neste sentido, ajuizados na Justiça do Trabalho daqui pra frente?

MCP – Penso que a questão da licitude ou não da terceirização está superada. Tanto pela reforma trabalhista de 2017, que afirma a descentralização produtiva, como superada por decisão do STF que envolveu processos ajuizados e situações anteriores à própria reforma. A lei também é expressa no sentido de informar a licitude da terceirização, independentemente de se operar em atividade fim ou atividade-meio. Basta preservar a idoneidade do contratado. A Justiça do Trabalho tem aplicado essa tese e não há mais espaço para dúvida.