A PRIMEIRA RENÚNCIA Cotado para entrar na corrida presidencial de 2018, Luciano Huck deixou seu nome ser ventilado até novembro de 2017, quando utilizando-se de seu meio preferencial, a página 3 do jornal Folha de S.Paulo, e servindo-se estranhamente da saga de Ulisses na Odisseia, ele descartou a candidatura. “Quem se interessa pelo que sou e faço pode acreditar: vou atuar cada vez mais, sempre de acordo com minhas crenças, em especial com a fé enorme que tenho neste país. Contem comigo. Mas não como candidato a presidente”, escreveu. Nenhum político se importa muito com a sinceridade de suas palavras, e Huck não pode alegar que é apenas um apresentador de TV que se interessou pelos rumos do Brasil por diletantismo. Em torno de seu nome há um grupo estabelecido de políticos, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador capixaba Paulo Hartung e o economista Armínio Fraga entre eles. Assim, pode-se esperar certas coisas de Huck, mas não exatamente sinceridade. Estratagemas políticas normalmente prescindem disso. (Crédito: Reprodução)
A SEGUNDA RENÚNCIA Ao que parece os destinatários da frase em que Huck fechava seu texto de 2017 não levaram muito a sério a mensagem de renúncia à candidatura presidencial que nunca havia sido oficializada e seguiram a soprar nos ouvidos do apresentador (que, como os de Ulisses, talvez não estivessem inteiramente tapados para não ouvir os “chamados quase irresistíveis”). As especulações em torno do nome de Huck como opção de centro à polarização que já se desenhava entre a extrema-direita e o PT fizeram de Huck uma saída ao centro, espécie de Emmanuel Macron à brasileira, na visão do cientista político da FGV Fernando Abrucio. Huck se deixou envolver com gosto e depois de “centenas de conversas, cada uma delas um aprendizado”, como escreveu, rejeitou de novo a missão. Recorrendo novamente a seu pravda particular, a seção “Tendências e Debates” do jornal Folha de S.Paulo, declinou pela segunda vez da candidatura em três meses. “A recorrência desta hipótese em torno do meu nome fez ressurgir uma espiral positiva de tamanha força que foi humanamente impossível não me deixar tocar”, escreveu, para então tentar mostrar repugnância à pregação antipolítica de 2018 que elegeria Bolsonaro e se desvencilhar da própria pecha de um possível salvador da pátria. “Temos que nos aproximar, colocar a mão na massa. Só a política pode de fato tirar essas ideias e projetos do papel. Não devemos renegá-la, mas sim ocupá-la com uma nova agenda e uma nova forma de exercê-la, ética e altruísta.” (Crédito: Reprodução)
LAVANDO AS MÃOS Com o primeiro turno das eleições de 2018 definido, o apresentador tentou manter certa equidistância dos vencedores, Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Em novo artigo para a Folha, ele lastimou a opção do eleitorado, chamando a decisão de segundo turno de “escolha de Sofia”. Em relação ao PT, fez questão de dizer que “não compactuava com o modo de pensar e de operar”, e que a pauta de justiça social e combate à desigualdade econômica não poderia ser “monopólio de um único partido”. A crítica a Bolsonaro foi menos incisiva: “Tendo a não acreditar que se eleito, Bolsonaro invista no caminho do autoritarismo ditatorial, com atos extremos como fechamento do congresso, censura na mídia, perseguição política e outros radicalismos antidemocracia”. No mesmo texto, contudo, ele não fechava as portas para uma possível e satisfeita adesão. “Parece evidente que não temos o desenho claro de uma nova era para o Brasil. Mas, quem sabe, tenhamos a sorte e a competência para construir bases para que este novo projeto se materialize no futuro próximo. Comprometo-me mais uma vez a estar presente e ativo nessa batalha, e não estou só.”(Crédito: Reprodução)
UMA NOVA FACETA Em outubro de 2020, com a péssima gestão governamental da crise da Covid-19 muito eloquente nos noticiários e a guerra das vacinas ainda por despontar, Huck preferiu abraçar um novo personagem, agora entusiasmado com o reposicionamento do mundo desenvolvido em torno da pauta ambiental e as possibilidades que essa “nova bússola” poderia trazer para o Brasil. “A estimativa atual é a de que existe algo em torno de US$ 30 trilhões (cem vezes as reservas brasileiras) de investimentos privados que só podem ser aplicados em projetos que levem ao equilíbrio ambiental”, escreveu, de novo na Folha. “A matriz energética que a União Europeia, a China e, dependendo das eleições, os Estados Unidos querem para 2050 pode ser alcançada no Brasil em menos de uma década. O país tem a base real para ser a grande economia limpa do planeta.” Sem fazer uma crítica enfática muito menos explícita ao programa ambiental de Bolsonaro, disse que o Brasil “é o país mais distante da adoção das metas nacionais de transição para uma economia limpa”: “O governo federal planeja e –pior– executa na direção contrária”. E buscou socializar as culpas. “Governos estaduais hesitam em abraçar essa agenda. Os candidatos a prefeito deveriam ter em seus programas como efetivamente pretendem melhorar a situação ambiental de sua cidade —mas em geral não têm.” (Crédito: Itamar Aguiar / Palácio Piratini)