O estado de São Paulo responde por 1/3 do PIB brasileiro e há tempos o peso da economia paulista faz com que a “locomotiva” tenha protagonismo nas decisões do Distrito Federal. Mas com o paulista Bolsonaro, o estado vem sendo antagonizado nas disputas de poder que colocam do outro lado do tabuleiro o governador João Doria. São Paulo também já viveu momentos de tensão com o poder central. O grande conflito, que levou paulistas a pegar em armas foi a Revolução Constitucionalista de 1932. Durante as primeiras três décadas do século 20, os governadores de São Paulo e Minas Gerais se revezavam no comando do país, no sistema conhecido como “República do Café com Leite”. Mas em 1929, o presidente e ex-governador paulista Washington Luís lançou à sua sucessão outro paulista, Júlio Prestes, implodindo o acordo. Então Minas reagiu, acabou se juntando a líderes de outros estados, e Getúlio Vargas tomou o poder. São Paulo passou a ter de engolir interventores e a perda de controle político sobre o café.O slogan “Por São Paulo com o Brasil, se for possível; por São Paulo contra o Brasil, se for preciso” acabou se materializando numa luta contra Vargas, cujo governo provisório se perpetuava. São Paulo exigiu a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e, por via das dúvidas, mobilizou 20 mil soldados para aumentar seu poder de argumentação. Batalhões de civis também se voluntariaram e, durante as escaramuças, até dez aviões de combate foram comprados no Chile. A revolução começou em 9 de Julho, data que viraria feriado estadual, quando foram mortos por ação de tropas federais os quatro estudantes cujas iniciais MMDC viraram o acrônimo síntese do sentimento separatista paulista. A coisa toda parece surreal e desmedida, mas durou pouco: a rendição foi assinada em menos de três meses.(Crédito: Divulgação)
Em São Paulo, o lema “Governar é abrir estradas”, de Washington Luís, foi se atualizando – e se vulgarizando – à medida que governadores não viam problemas em chafurdar no pântano do submundo das licitações pouco republicanas, dos estranhos favorecimentos, das comissões ilegais e coisas do tipo desde que uma das resultantes dessa relação fosse as obras vistosas e dispendiosas. Não à toa foi em São Paulo que surgiu o lema “rouba, mas faz”, com que o governador Ademar de Barros passou para a posteridade. Sua gestão como governador em 1947 foi marcada por obras de abastecimento de água em todo o estado, a conclusão do Hospital das Clínicas e das rodovias Anchieta e Anhanguera. Depois Ademar seria eleito prefeito de São Paulo e outra vez governador, quando deu apoio ao golpe de 1964. Acabou divergindo do presidente Castello Branco e foi cassado em 1966. Com tudo isso, é famoso o assalto pela organização guerrilheira VAR-Palmares, chefiada pelo capitão Carlos Lamarca, ao cofre mantido por Ana Capriglione, tida como amante de Ademar, que morava no Rio de Janeiro. Esse seria apenas um dos cofres do político, e dele Lamarca e companheiros subtraíram em 1969 US$ 2,5 milhões, dinheiro auferido em escândalos que virariam uma marca incômoda do modus operandi da política paulista.(Crédito: Divulgação)
O populismo bastante suspeito de Ademar de Barros teve depois outro protagonista à altura: o engenheiro Paulo Maluf, que iniciou sua vida pública na chefia da seção paulista da Caixa Econômica Federal e tornou-se prefeito biônico da cidade de São Paulo em 1969. Ali começava sua tara, pode-se dizer, pelas obras viárias. Naquela administração legou o polêmico Minhocão, cuja desativação se tornou agora imperativo na cidade — é possível, embora pouco provável, que venha a ser demolido. Dez anos depois, ainda de maneira biônica, Maluf se tornou governador de São Paulo. Entre ações polêmicas como o governo itinerante e a fundação da Paulipreto (companhia de exploração de petróleo, que jamais conseguiu cumprir seu objetivo), seguiu fazendo obras de vulto, especialmente rodovias, usinas hidrelétricas e mesmo o fundamental sistema Cantareira, de abastecimento de água. Se houvesse memes nessa época, a charge com a placa “Oceano Atlântico: obra de Maluf” talvez circulasse infinitamente. Maluf, que aparentemente controlava seu partido, o PDS (sucedâneo da Arena, a sigla de apoio ao regime militar durante o bipartidarismo), tentou se viabilizar candidato a presidente nas eleições indiretas de 1984 contra Tancredo Neves. Mas o ex-governador mineiro soube tirar proveito da insatisfação popular contra a carestia e contra o moribundo ciclo militar, regime com o qual Maluf era identificado. Tudo isso pouco poderia significar já que quem escolhia o presidente da República era o Congresso, mas Maluf ficou isolado, com apoio de poucos governadores e parlamentares e bombardeado por acusações de tentativa de compra de votos e condenações por mau uso de verbas oficiais.Ter como inimigo o então governador da Bahia, ACM (o avô atual presidente do DEM), tampouco foi bom negócio. A carreira política de Maluf ainda seria longa, com mais uma passagem pela prefeitura de São Paulo, e o homem chegaria ao século 21 ainda com relativa influência. Hoje cumpre prisão domiciliar, por desvio de alguns muitos cofres do Ademar nessa segunda gestão da prefeitura, além de outros crimes. Em 2014, quando ainda não existia a já finada Operação Lava Jato, Maluf foi escolhido pela ONG Transparência Internacional como um grande exemplo de corrupção a ser combatido. (Crédito: wikicommons)
Em 2016, eleito à prefeitura de São Paulo logo em primeiro turno, impulsionado pelo sentimento antipetista que dominava o país — seu principal adversário era o então prefeito Fernando Haddad, do PT -, João Doria renunciou ao cargo com apenas 15 meses como “gestor” da cidade, como ele se autodefinia. Em 2018, concorreu ao Bandeirantes e venceu, com margem apertada, a eleição, tornando-se governador. Para vencer no segundo turno, escudou-se na popularidade do candidato presidencial, Jair Bolsonaro, e lançou o que chamou de movimento “Bolsodoria”. Mesmo assim, foi fragorosamente derrotado na capital, cujos eleitores não engoliram sua saída precoce. A ligação com o vitorioso Bolsonaro não duraria um ano, e o conflito escalaria em 2020, com a errática gestão do Governo Federal da pandemia da Covid-19. Dentre os vários governadores descontentes com a anomia brasiliense, Doria logo se destacaria. Ao assinar acordos para a produção da vacina CoronaVac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, o governador virou inimigo. Bolsonaro obrigou seu terceiro ministro da Saúde a desfazer acordo de compra da “vachina chinesa do Doria” no fim do ano passado, mas em janeiro de 2021 voltou atrás na decisão. Pressionado pela cerimônia da primeira vacinação de um brasileiro, que teve Doria como patrono e MC em 17 de janeiro, o presidente capitulou e passou a chamar a “vachina” de “vacina” do Brasil. Nestas últimas semanas, mesmo ao viajar oficialmente a São Paulo, Bolsonaro não se furtou a achincalhar o governador, a quem chama de “calcinha apertada”. Parece pouco provável que as relações entre os dois se normalizem.(Crédito: Governo do estado de São Paulo)