A DISPUTA QUE IMPORTA

Partidos voltam a apostar em grandes puxadores de votos para formar bancadas expressivas na Câmara Federal, garantir poder com – ou sem – o Executivo e, principalmente, fazer jus a mais dinheiro dos fundos eleitoral e partidário

POR PAULO VIEIRA

OBrasil vem desqualificando a ideia, tão comum nas democracias mundiais, de governo de coalizão. Aqui, desde a redemocratização, o Executivo busca maioria parlamentar e capacidade de passar seus projetos com o conceito algo canalha de governo de cooptação, em que vale até pagar um jetom para faturar apoio de deputados e senadores. Mas a balança virou nos últimos anos, com presidentes fracos comendo na mão de parlamentares, e a capacidade destes de indicar destinação orçamentária dispensando até endosso do Executivo. Além disso, bancadas numerosas representam maior fatia dos fundos eleitoral e partidário, fundamental para o fortalecimento das siglas, e, em alguns casos, enriquecimento pessoal dos caciques. No caso dos partidos menores, para superar a nova cláusula de barreira e fazer jus aos fundos e também ao tempo de propaganda política é mister eleger deputados em ao menos nove estados. Em outubro, velhos nomes aparecerão nas urnas eletrônicas no espaço destinado a deputado federal na tentativa de puxar votos para suas siglas e federações. Como o dos ex-governadores Roseana Sarney e Germano Rigotto e dos ex-candidatos a presidente Marina Silva, José Serra, Heloísa Helena, Aécio Neves e Guilherme Boulos. A eles se juntam figuras que conquistaram grande popularidade entre seus pares, como Ricardo Galvão, ex-presidente do Inpe, demitido por Jair Bolsonaro por trazer os números do descalabro do desmatamento que o presidente preferia esconder; ou Augusto de Arruda Botelho, advogado criminalista com algumas centenas de milhares de seguidores nas redes sociais. PODER apresenta aqui uma seleção sucinta de alguns prováveis bons puxadores de votos da Câmara Federal. Os deputados que buscam a reeleição – que são 88,3%, recorde da redemocratização –, não foram incluídos aqui.

Augusto de Arruda Botelho, PSB – SP
O advogado criminalista, cofundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e ator relevante de projetos pró-direitos civis como o Human Rights Watch e o Cala-Boca Já Morreu, seguido por meio milhão de pessoas no Twitter, decidiu entrar na política partidária, algo que não cogitava fazer até meados de 2021, para ajudar a “reconstruir o país”, que ele vê atravessar sua pior crise desde a redemocratização. As manifestações golpistas de 7 de setembro de 2021 e o “medo” que sentiu então pelas ameaças à democracia o fizeram “sair da zona de conforto” e tentar as urnas. O criminalista quer levar suas pautas históricas – como o fim do encarceramento em massa e acesso menos desigual à Justiça – ao Congresso Nacional, caso se eleja. Em entrevista recente a Joyce Pascowitch, falou de alguns problemas que vê por reflexo do que chama de “pensamento do homem médio”, que não se importa com a condição da população carcerária. “As pessoas querem prisão por vingança, não por ressocialização (…) É um raciocínio burro. Depois que sair da cadeia, quem roubou celular pode cometer latrocínio.”

 

 

Emerson Kapaz, PSD-SP
O empresário teve vida política ligada ao PSDB e depois ao PPS, sigla pela qual tentou chegar à prefeitura de São Paulo em 2000 como vice de Luiza Erundina. Ex-secretário paulista de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico no governo Mário Covas (1995-1998) e deputado federal por um único mandato, no segundo governo FHC, Kapaz tenta voltar a Brasília fazendo uma campanha “carbono zero”. Primeiro coordenador do Pensamento Nacional das Bases Empresariais, entidade de empresários de visão mais contemporânea, calcula que seus 45 dias de campanha gerarão 8 toneladas de CO2 . O exemplo é simbólico, mas, uma vez deputado, pretende encampar o tema do impacto ambiental e sensibilizar a indústria – “que pode produzir mais e melhor sem poluir ou degradar o ar, a água e o solo” – e o agro: “É possível bater recordes de safras longe do desmate insano, com tecnologia de ponta, manejo sustentável do solo, áreas de conservação e até de recomposição de florestas”, escreveu.

 

Douglas Belchior, PT-SP
Um dos fundadores da Uneafro, rede de cursos prévestibulares de educação popular, Douglas concorreu em quatro eleições pelo Psol, não conseguindo se eleger em metade das vezes por coeficiente eleitoral. Filho de doméstica e de um operário, começou a trabalhar aos 8 anos de idade e foi o primeiro de sua família a formar-se em curso superior. É figura importante do movimento negro, tendo ajudado a construir a Coalizão Negra por Direitos, aliança integrada por 340 organizações, e crítico rigoroso da própria esquerda, por, entre outras razões, “ter uma visão que ignora historicamente as experiências de luta dos povos negros e indígenas”. Seus temas prioritários são a educação pública, os direitos humanos e as políticas de segurança pública responsáveis pelo “genocídio da população negra”.

 

 

Heloísa Helena, Rede-RJ
Eleita pelo PT em 1998 primeira senadora mulher de Alagoas, Heloísa foi uma das figuras mais célebres a ser expurgada da sigla, na aurora do primeiro governo Lula, por divergir da reforma da Previdência. Fundadora então do Psol, foi com essa sigla que candidatou-se a presidente em 2006, obtendo 6% dos votos e chegando à terceira colocação do pleito. Enfermeira e professora, Heloísa diverge da diretriz de seu partido e, em vez de Lula, apoia Ciro Gomes, embora suas prioridades sejam muito semelhantes as de muitas figuras do PT. Entre elas, defesa “intransigente” do SUS, da Amazônia e dos povos da floresta; combate à fome e à miséria; apoio “sistemático” aos trabalhadores da cidade e do campo e sociedade “menos desigual”. Heloísa vem de duas derrotas eleitorais em Alagoas e mudou seu domicílio eleitoral para o Rio a pedido da Rede – a mesma estratégia adotada pela ex-ministra de Lula Marina Silva.

 

José Fortunati, UB-RS
O ex-prefeito de Porto Alegre iniciou sua vida política claramente identificado com siglas de esquerda. Foi pelo PT que obteve seus primeiros mandatos parlamentares, além da vice-prefeitura de Porto Alegre; e, mais tarde, justamente por ter sido preterido pelo PT em candidatura majoritária, migrou para o PDT, legenda com a qual disputou e venceu as eleições de 2012 para prefeito da capital gaúcha. A saída do PDT para o PSB obedeceu à mesma lógica: busca de espaço para uma candidatura ao Senado. Nos últimos anos, após abandonar o mestrado de ciência política em Portugal, voltou a considerar as urnas e iniciou itinerário errático por uma geleia geral partidária que incluiu o PTB de Roberto Jefferson e o pequeno Pros. Este ano ingressou no União Brasil sentindo-se mais à vontade com o perfil “de centro” da sigla após diversos integrantes da legenda migrarem para o PL.

 

 

José Serra, PSDB-SP
Duas vezes candidato a presi – dente da República, ex-prefeito de São Paulo e ex-governador paulista, o senador cujo mandato expira no comecinho de 2023 desistiu de tentar a reeleição. Pesou a idade – 80 anos –, um Parkinson em estágio inicial e a possibilidade de fortalecer seu alquebrado PSDB. Ao sair para federal, Serra, caso tenha votação expressiva, pode cavar cadeiras para outros candidatos da sigla, que vive uma crise sem prece – dentes – a bancada, que já foi de 99 deputados federais em 1998, murchou para 29 nas eleições de 2018, e hoje é de apenas 22 parlamentares. Em artigo recente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o senador disse que só são dignos do voto candidatos que “respeitam a diversidade”, “garantem o debate”, “defendem as instituições”, “geram empregos e renda” e “promovem a liberdade real a partir do fortalecimento da democracia”. Serra se notabilizou neste ano por ter sido o único senador a votar contra a chamada PEC Kamikaze, que aumentou o Auxílio Brasil pago em 50% até dezembro, entre outros subsídios. Dez em cada dez parlamentares de oposição viram o projeto como manobra eleitoral, mas não conseguiriam sustentar, diante de seus eleitores, a ideia de votarem contra os desvalidos. Aparentemente com o superego político atrofiado, Serra implodiu com essa ação populista.

 

 

Maria Arraes, Solidariedade-PE
O Brasil é prenhe de dinas – tias parlamentares, famílias que se perpetuam nos legisla – tivos e executivos estaduais e municipais. Em Pernambuco, a família do ex-governador Miguel Arraes frutificou. Sua filha, Ana Arraes, foi deputa – da federal e depois ministra do TCU. Filho de Ana, Edu – ardo Campos foi governador por dois mandatos e morreu em acidente aéreo em plena campanha de 2014; João Campos, filho de Eduardo, é o atual prefeito de Recife, depois de derrotar sua prima Marília Arraes, agora favo – rita ao governo do estado. A irmã de Marília, Maria, é a nova figura política do clã. Ela faz sua campanha citando o avô Miguel para “resgatar a política que coloca o povo no centro e que olha para o homem do campo”.

 

 

Marina Silva, Rede-SP
Depois de ter sido cortejada pelo PT para ser vice do candidato da sigla ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente nos dois mandatos de Lula decidiu tentar uma vaga na Câmara Federal por São Paulo. A acreana que rompeu com o PT em 2009 já concorreu três vezes a presidente – teve 20 milhões de votos em 2010; 22 milhões de votos em 2014, quando substituiu na undécima hora o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em acidente aéreo; e apenas 1 milhão de votos em 2018, ficando atrás, inclusive, do folclórico Cabo Daciolo. Ela tem participado de agendas conjuntas com Haddad e feito corpo a corpo old school com eleitores paulistas. Apenas num domingo de agosto, sua agenda paulistana incluiu caminhada pela avenida Paulista – que nesse dia é exclusiva dos pedestres – e visita à tradicional festa de Nossa Senhora de Achiropita. Marina vê nas grandes cidades problemas atinentes à agenda socioambiental com a qual é organicamente associada, como o transporte coletivo deficiente, a moradia inadequada e a questão da destinação de resíduos sólidos.

 

Ricardo Galvão, Rede-SP
Sua demissão como presidente do Inpe em 2019 o catapultou para o reconhecimento, mesmo internacional. Exonerado por Jair Bolsonaro por, à frente do instituto, divulgar dados do desmatamento da Amazônia, informações coletadas pelo Inpe que inclusive geravam boletins de alerta diários – e que eram ignoradas pelo governo federal –, o cientista decidiu desistir da aposentadoria e abraçar a política porque a “ciência corre risco”. Considerado pela revista Nature como um dos dez mais importantes cientistas do mundo em 2019, Galvão chamou de “pusilânime” o ataque feito por Bolsonaro a ele e ao instituto que presidia, tentando desqualificar os dados de desmatamento. Preocupado com a sub-representação de sua categoria no Congresso, ele já disse que a o país não vai ter “desenvolvimento sustentável e socialmente justo sem políticas públicas fortemente embasadas na ciência e na tecnologia”. “Não podemos mais brincar de ciência e tecnologia (…) Temos, sim, que formar uma bancada no Congresso que dê esperança para o país, para recuperar a dignidade e civilidade republicana”, disse Galvão ao canal MyNews.

 

Roseana Sarney, MDB-MA
Quatro vezes governadora do Maranhão, a filha do ex-presidente José Sarney esteve próxima de tentar a eleição presidencial em 2002, mas sua candidatura foi implodida após cenas de uma mala de dinheiro de procedência não esclarecida ganharem os meios de comunicação. Roseana forma com o gaúcho Germano Rigotto e com o potiguar Garibaldi Alves Filho o time de exgovernadores que o MDB lançou na tentativa de aumentar sua bancada federal. Este ano, o clã Sarney voltou a estabelecer relações com Lula e com o ex-governador Flávio Dino, que disputa o Senado. Chamou atenção a doação que a candidata fez para a própria campanha: R$ 200 mil.

 

 

Tatiana Roque, PSB-RJ
Professora de matemática e filosofia da UFRJ e autora de um livro de matemática vencedor de Prêmio Jabuti, Tatiana decidiu testar as urnas na esteira da ascensão da ciência – e, paradoxalmente, do negacionismo científico – ao debate nacional. A política não lhe é desconhecida, tendo sido presidente do sindicato dos professores da UFRJ e responsável por diretrizes da candidatura Marcelo Freixo ao governo do Rio. Diferentemente de tantos pares, ela entende que o mundo do trabalho está em transformação, e defende uma proteção social para os que ficam pelo caminho. Por conta do aquecimento global, a pauta ambiental é claramente estratégica, e por isso reclama um “modelo de desenvolvimento verde”, com transição energética, reflorestamento e proteção dos biomas brasileiros.