O GIACOMETTI DESIGNER

Diego Giacometti em seu estúdio, em foto de Cecil Beaton de 1962

O suíço Diego Giacometti ecoou a elegância frágil e leve do trabalho de seu irmão famoso, o artista plástico Alberto, e mostrou que a arte escultórica e a funcionalidade podem caminhar lado a lado

POR ANA ELISA MEYER

uando o nome Giacometti é mencionado, imediatamente vem à cabeça a lembrança de Alberto, o criador de marcantes esculturas de bronze nas quais as formas humanas ganham perfis muito alongados e, quase sempre, esboçam um movimento. Mas, a família Giacometti era talentosa. Além de Alberto, seu irmão Diego teve uma trajetória marcante e muito original. Tornou-se conhecido, e até mesmo célebre, pela sua produção de mobiliário doméstico, quase sempre executado em material nobre, o bronze. Um ano de diferença separava Alberto, nascido em 1901, e Diego, em 1902. Ambos tiveram intenso contato com o universo artístico dentro de casa: eram filhos do pintor impressionista suíço Giovanni Giacometti (1868-1933), primo de outro pintor conhecido, Augusto, e reconhecido desde a década de 1880. A obra de Giovanni começou a ganhar maior presença com as vanguardas que na virada do século 19 para o 20 revolucionaram completamente o vocabulário artístico. Apesar de também possuir certo ímpeto inovador, Giovanni acabou por não se destacar naquele tumultuado início do movimento moderno. Estranhamente, sua sensibilidade e experimentação foram consideradas radicais para a época. Apesar de sua própria dificuldade em buscar a carreira artística, Giovanni foi um pai bastante positivo e influente junto aos seus filhos artistas, sempre a encorajá-los a buscar realizações no campo estético.

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ESCOLHAS E FORMAÇÃO

Nascido em Borgonovo, pequena aldeia localiza – da na fronteira da Suíça com a Itália, Diego cresceu convivendo com a beleza e a simplicidade do campo, cercado por animais e florestas. Apesar da força e do estímulo familiar para que abraçasse a atividade artística, acabou cedendo a algo menos desafiador e, de certa forma, mais convencional, partindo para Basileia e mais tarde para St. Gallen, onde se pre – parou para atividades de perfil bem mais comercial. Acabada a formação, com poucas tentativas profis – sionais, Diego se mostrou insatisfeito com o mundo dos negócios. Foi quando ouviu um generoso conse – lho que partiu de dentro de sua própria casa, agora de sua mãe, Annetta. Ela o incentivou, quando ti – nha apenas 25 anos, a se juntar ao irmão Alberto, que já vivia em Paris. Annetta acreditou que ele deveria mergulhar na atividade artística, e nada melhor do que viajar a Paris, que nos anos 1920 era reconheci – damente o centro da profunda renovação artística. Enquanto Alberto acompanhava o curso do mestre escultor Antoine Bourdelle na Académie de la Gran – de Chaumière, já experimentando novas e excitantes formas de expressão, Diego foi arrebatado pelas no – vas possibilidades que vinham de outros desdobra – mentos da revolução artística modernista. Chamou sua atenção (e, mais tarde, a do mundo) a iconoclas – tia de Marcel Duchamp, que com seus originais re – ady-made, dessacralizava os cânones da arte ao co – locar objetos industrializados de função e condição cotidiana e utilitária em museus e exposições. Tal procedimento, cujo objetivo era o desejo de possi – bilitar um novo olhar sobre cada um desses objetos triviais, como um porta-garrafas ou o famoso urinol de louça branca, produzia um efeito de enorme es – tranheza, e, com certeza, de humor sarcástico. Eram características centrais do movimento vanguardista que eclodia no interior do próprio modernismo.

Durante 40 anos, Alberto e Diego trabalharam la – do a lado em um estúdio no bairro de Montparnasse, vivendo uma relação intensamente criativa. Todas as obras de Alberto passavam, num primeiro está – gio, pelas mãos de Diego, que esculpia a pedra, fa – zia os moldes, polia e aplicava a coloração no bron – ze. Diego foi também um modelo recorrente para as obras do irmão, que ao longo de sua carreira pintou e esculpiu a sua cabeça e acabou por se tornar uma marca da sua produção escultórica. Embora não possuísse a energia frenética e a imaginação febril, tampouco o rigor filosófico do irmão mais velho, Diego se encaminhava para exibir grande talento artístico.

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DESCOBERTA DAS ARTES DECORATIVAS

Em 1929, Diego teve o seu primeiro contato com as artes decorativas quando o artista americano Man Ray apresentou aos irmãos um decorador de interiores que convivia com os surrealistas, Jean-Michel Frank. Impressionado com a inventidade e habilidade dos irmãos Giacometti, Frank os contratou para criar objetos específicos visando atender demandas de seus clientes. Por sinal, clientes poderosos, tais como a estilista italiana Elsa Schiaparelli, o colecionador francês Aimé Maeght e a família de nobres franceses Noailles. A colaboração intensa com Frank refinou o senso artístico de Diego, que, resgatando a vivência bucólica de sua infância, partiu para uma experimentação original em que associou as formas naturais com as quais conviveu intensamente com propostas artísticas semiabstratas produzidas em diversos materiais, mas sobretudo em bronze e técnicas de cera perdida.

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O RECONHECIMENTO

Nos anos 1950, as explorações de Diego no campo do design de móveis ganharam maior intensidade e consistência. Longe da influência de Alberto, que nessa época já era um artista bastante conhecido, Diego estabeleceu sua própria clientela para a qual produzia um mobiliário utilitário, peculiar e inovador. Um de seus mais entusiastas patronos era o então consagrado estilista francês Hubert de Givenchy, para quem criou um grande número de peças ao longo de toda vida. Recebeu encomendas de móveis para o casal Aimé e Marguerite Maeght, e foi chamado a criar peças públicas para importantes museus, tais como o Museu Picasso, em Paris, e Museu Marc Chagall, em Nice.

Em 1966, ano que perdeu o irmão Alberto, Diego, era bastante reconhecido no universo das artes decorativas, dedicando-se exclusivamente ao desenho e produção de mobiliário, alcançando, então, o mais alto patamar de inventividade. O interesse pelas formas vindas da natureza permaneceu e acabou por se tornar a grande característica de suas obras. Com um vocabulário poético singular, retratava animais – como sapos, gatos e pássaros – frequentemente em bronze, utilizando uma linguagem que associava as artes decorativas aos temas do surrealismo. Dessa articulação resultou um conjunto de obras únicas, atemporais, de forte dimensão estética.

Após sua morte, em 1985, suas peças permaneceram muito ambicionadas no circuito das maiores galerias europeias. A partir da década de 1990, obras e coleções importantes foram leiloadas levando Diego Giacometti a ser um nome também muito valorizado no mercado de artes.