A VIDA PÓS BURNOUT

Quem já sofreu com a síndrome sabe que ela deixa cicatrizes, mas dá para seguir em frente com mais consciência – e evitar a recaída

Por Carolina Melo

Dores de cabeça e de estômago, insônia, cansaço físico e mental, sensação de impotência, dificuldade de concentração. Mesmo quem não viveu um burnout já está familiarizado com os principais sintomas da síndrome. As histórias se acumulam e é raro não conhecer alguém que tenha sofrido com a condição que ganhou, em janeiro deste ano, nova definição pela Organização Mundial da Saúde (OMS): “estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado’’. Embora seja fácil listar os males causados, falar sobre as estratégias de cura são outros quinhentos porque as alternativas variam de acordo com cada pessoa e com as diferentes experiências vividas. Mas há algo em comum compartilhado por todos aqueles que já superaram um burnout e seguiram adiante: mudar a relação com o trabalho e, consequentemente, o estilo de vida é imprescindível para não ter uma recaída. “Uma vez diagnosticado, é essencial identificar os fatores de risco que desencadearam o primeiro burnout para evitar que o episódio se repita no futuro’’, diz o psiquiatra Rodrigo Bressan, professor da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e presidente do Instituto Ame Sua Mente.

‘É essencial identificar os fatores de risco para evitar que o episódio se repita no futuro”

Rodrigo Bressan professor da EPM/Unifesp e presidente do Instituto Ame Sua Mente

 

A psicóloga Ilana Pinsky, consultora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e coautora do livro Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis, explica que a melhor estratégia para não reviver um burnout consiste em separar a vida pessoal da profissional. Para ela, a relação com o trabalho deve ser pensada como um casamento, em que se deve questionar o vínculo e entender o que há de positivo e de negativo nele, fazendo os ajustes necessários. ‘’Não há receita pronta, o que cura o burnout de uma pessoa não necessariamente vai resolver o problema de outra. Deve-se pensar em estratégias individuais. Há quem se sinta isolado com o home office, e entra em conflito com o trabalho porque o contato com pessoas é indispensável para seu desempenho. Em outros casos, é graças ao trabalho a distância que o indivíduo consegue investir na qualidade de vida, blindando-se contra o esgotamento profissional’’, diz.

‘‘Não há receita pronta. O que cura o burnout de uma pessoa não necessariamente vai resolver o problema de outra”

Ilana Pinsky consultora da Organização Pan-Americana da Saúde

 

LONGE DA TOXICIDADE

De acordo com o psiquiatra Roberto Aylmer, médico e consultor de liderança especializado em burnout, as pessoas que vivem um episódio de esgotamento costumam seguir em frente mais atentas à saúde mental e ao autocuidado. Aylmer crê que elas aprendem a não tolerar um ambiente de trabalho tóxico, onde haja qualquer tipo de opressão, aceitando com mais facilidade o risco de ficar desempregado. ‘’Não há como viver um burnout, afastar-se por um período e voltar para a mesma condição de antes. Alguma mudança precisa acontecer, seja com a chefia, equipe, cargo, empresa, área de atuação e até a cidade ou o país. O melhor antídoto para curar uma relação abusiva com o chefe, por exemplo, é ter um novo responsável e receber feedback positivo dele, compreendendo que o problema não estava em sua performance como profissional’’, explica Aylmer.

‘‘O melhor antídoto para curar relação abusiva com chefe é ter outro responsável e receber feedback positivo”

Roberto Aylmer médico e consultor em liderança

A administradora pernambucana Renata, de 33 anos (o nome foi trocado a pedido), viveu uma experiência desse tipo há dois meses, com a chegada de um novo chefe que foi-lhe afastando gradativamente de suas funções dentro da empresa. As críticas sobre  seu desempenho – muitas vezes em tom ofensivo – passaram a ser recorrentes. Prostrada e sem ânimo para levantar da cama, precisou de crises de choro para entender que sofria assédio moral – o simples fato de ver o nome do chefe na tela do celular já causava pânico. Renata buscou ajuda psiquiátrica e, com o diagnóstico de burnout estabelecido, tratou a fase aguda da síndrome com afastamento imediato do trabalho e administração de antidepressivos. Mas a cura definitiva veio de outras formas. Ela dialogou com ex-chefes para recuperar a autoestima perdida e ver reconhecido seu valor como profissional, reviveu um antigo desejo de realizar uma pós-graduação e mergulhou no desenvolvimento de uma marca de óleos essenciais destinados a mães e bebês – um sonho que já estava em andamento e ganhou força durante o burnout. Já convencida de que deveria procurar um novo emprego, Renata foi informada pelo RH da empresa que ela seria realocada para uma nova equipe. ‘’Me restabeleci como profissional, aprendi a ler os sinais e entendi que era importante nutrir minhas habilidades sem depositar todas as expectativas em uma empresa. Se a mudança de equipe não tivesse ocorrido, eu já estava com todas as ferramentas necessárias para me recolocar no mercado. E sigo na terapia porque a saúde mental vale ouro’’, concluia.

LA VIE EN ROSE

Para o engenheiro argentino Santiago Campos, 36 anos, a cura do burnout não estava dentro da empresa. Após quatro anos trabalhando como gerente de projeto em São Paulo, Santiago se viu atropelado por uma carga de trabalho excessiva, que lhe afastava cada vez mais dos momentos que deveriam ser dedicados ao descanso e lazer. O diálogo com a chefia sobre o problema não trouxe soluções para o esgotamento e ele buscou ajuda psicológica com uma equipe da própria empresa que, paradoxalmente, possuía uma espécie de programa de combate ao estresse no trabalho. ‘’Eles incentivaram o uso de ansiolíticos, mas eu não queria tomar remédio para continuar no mesmo cenário de exaustão. Foi ali que entendi que precisava mudar radicalmente’’, conta. O engenheiro se candidatou a uma vaga na companhia Airbus, na França, e pouco tempo depois já estava de malas prontas para embarcar para Toulouse, berço da empresa francesa. As lições do burnout, contudo, não foram esquecidas: “Aprendi a reconhecer meus limites e a dizer ‘não’ quando percebo que não posso dar conta de uma tarefa. O e-mail da empresa não está mais conectado ao meu celular. Faço pausas durante o dia para conversar com meus colegas sobre outros assuntos que não sejam relacionados ao mundo profissional. E quando o expediente acaba, todo mundo fecha o computador e vai embora, mesmo que o mundo esteja caindo. O trabalho não vai pra casa, é outra relação’’. As estratégias adotadas por Santiago estão alinhadas com a ciência. Um estudo publicado em 1995 no periódico científico Journal of Occupational Health Psychology já falava sobre a importância de utilizar o tempo ocioso para se desligar do trabalho e se recuperar do estresse causado – praticar exercícios físicos, encontrar amigos, assistir televisão e ficar deitado no sofá, sem fazer nada, foram exemplos de atividades propostas. Naquela época, o telefone celular já era considerado como possível vilão contra a reabilitação do esgotamento causado pelo trabalho. Mais recentemente, em 2016, uma pesquisa realizada pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, apontou a importância de realizar pequenas pausas, com duração de até dez minutos, durante o expediente, desconectando-se das funções profissionais. O estudo mostrou uma melhora nos níveis de concentração, motivação e humor dos funcionários, comprovando que longas horas de trabalho não tornam ninguém mais produtivo.