Rainha do Açaí

Fernanda Stefani: exportacão sustentável de produtos da floresta

Com o propósito de criar cadeias produtivas sustentáveis dentro de uma prática de troca de saberes e preservação da floresta, Fernanda Stefani, da 100% Amazonia, tornou-se expert na produção do fruto mais conhecido da região

Por Nina Rahe

Foi assim por acaso, em uma viagem de avião em 2006, que o caminho de Fernanda Stefani encontrou efetivamente a Amazônia. Formada em economia pela USP, com mestrado em Viena, e à época gerente comercial, Fernanda voltava para São Paulo após participar de uma feira em Belém – a pedido de uma empresa canadense para a qual prestava serviço, e que queria comprar suco de açaí já embalado. Com um livro da Embrapa nas mãos, estudando sobre o cultivo de açaí, no voo ela foi abordada por dois estrangeiros que eram ninguém menos que o vice-presidente e o COO da MonaVie, empresa americana que trabalhava com marketing multinível – atualmente Jeunesse.

“Eles tinham acabado de criar uma bebida à base de açaí, compravam de um trade em Nova York, mas queriam fechar negócio direto com o Brasil. Eu estava começando a aprender sobre a cadeia, jamais teria imaginado que estaria na Amazônia fazendo o que faço hoje”, lembra Fernanda, que, mesmo no início, foi capaz de realizar uma simulação de que eles economizariam cerca de US$ 300 mil se comprassem o produto do Brasil. “Foi basicamente uma entrevista de trabalho em cinco horas de voo”, explica. A partir de então, ela se mudou para Belém e se tornou o braço de compras da MonaVie no país, chegando a ser conhecida pela população da região, inclusive, como “rainha do açaí”, uma vez que passou a requisitar de produtores locais uma quantidade que começou em 400 toneladas e chegou a 6 mil, no terceiro ano de atividade. “Os fornecedores cresceram muito, a MonaVie economizou uma fortuna e eu saí percorrendo os quatro cantos da Amazônia para entender como tudo funcionava.”

Mas o que Fernanda faz hoje vai além do seu trabalho na MonaVie e a mudança na carreira, que aconteceu em 2009, foi movida por um certo imprevisto: a crise de 2008 e sua saída da multinacional. Com a certeza de que valeria continuar atuando na área, no entanto, ela se juntou à atual sócia, Joziane Alves, e as duas resolveram transformar o conhecimento que tinham da região e da cadeia produtiva na 100% Amazonia, que surge da percepção de que o crescimento do mercado transformou o açaí em monocultura, deixando um impacto negativo na floresta. “Estamos tirando um produto tradicional da alimentação amazônica e o que deixamos?”, questiona Fernanda.

 

“Estamos retirando um produto tradicional da alimentação amazônica e o que deixamos? Você vê municípios-chaves nessa produção e não percebe o desenvolvimento chegando na cidade”

 

“Tem áreas de açaí irrigados não só no Estado do Pará, mas na Bahia, Rio Grande do Norte e você vê municípios-chaves nessa produção, mas não percebe o desenvolvimento chegando na cidade”, completa.

A empresa, que começou com um investimento próprio de R$ 50 mil e hoje se divide entre representação e exportação, nasceu com o propósito de criar cadeias produtivas sustentáveis dentro de uma prática de troca de saberes e preservação da floresta, desenvolvendo um portfólio de mais de 50 produtos de espécies amazônicas. Uma conquista que não foi tão simples. “Minha expertise é na área de alimentos e, quando falamos dessa área, temos que entender o que o mercado externo está disposto a aceitar. O açaí se vendia por si mesmo, mas era preciso introduzir outros produtos”, explica Fernanda. Assim, se hoje a 100% Amazonia envia óleo de andiroba, manteiga de cupuaçu e cumaru para mais de 60 países, no princípio foi necessário trabalhar com a exportação de biojoias e cerâmicas. “A ideia foi investir em ingredientes amazônicos para empresas que entendessem o poder deles. O açaí é o mais conhecido, mas há produtos com bases farmacêuticas, como óleos com ativos para restauração da pele”, exemplifica Fernanda – hoje, inclusive, o açaí responde a apenas 35% da carteira da 100% Amazonia.

E a principal transformação aconteceu em 2016, com o desenvolvimento do Programa Aryiamuru (a palavra significa “o poder da mãe”), que fomenta o desenvolvimento de cadeias produtivas nas comunidades por meio de um diagnóstico participativo. Até o momento, cerca de 30 comunidades fazem parte do projeto, incluindo cooperativas, associações e grupos familiares.

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Agora, a empreitada é uma fábrica própria, com capacidade de absorção de 4 mil toneladas, uma linha robótica com 170 dispositivos de controle automatizado e a ideia de “promover uma revolução”. Mas, há algo na 100% Amazonia que continua inalterável: “Não trabalhamos com nada que seja proveniente da fauna. Tudo que for bicho, é para ficar em pé e continuar vivo. A gente só considera aquilo que é botânico e renovável”, diz Fernanda, que ainda se surpreende com a própria história, de uma menina que estudou economia em universidade pública e criou raízes do lado de uma sumaúma. “A gente não está só buscando trabalhar a região, mas entendendo que precisa devolver um pouco do que aprendeu. Temos o compromisso cívico de fazer alguma mudança.”