Por Fabio Alperowitch, sócio-fundador e portfolio manager da FAMA Investimentos
Salvo exceções, o mercado financeiro e o alto escalão do mundo corporativo estiveram bastante afastados das questões sociais e direitos humanos nas últimas décadas. É bem verdade que algumas empresas promoviam programas de inclusão de minorias sociais, mas, em grande medida, tratava-se de agendas específicas do departamento de recursos humanos e não do corpo diretivo das companhias.
Contudo, a “chegada” da temática ESG para esse público tem trazido rápidas e relevantes mudanças de comportamento. Não há nada de novo nessa temática – apesar de ser percebido como tal para os que lidam com o assunto pela primeira vez –, mas o fato é que, seja pela nova roupagem, seja pelo contexto atual, finalmente o tema ganha visibilidade para determinados atores.
A pauta social é, em tese, bastante extensa e profunda e deveria abarcar desde questões de acidentes no trabalho até proteção de dados privados. Porém, observa-se ainda um foco quase que absoluto na temática da diversidade e inclusão (D&I) – a qual tem muito mérito, mas não pode ser compreendida como única dentro dos direitos humanos em empresas. Da mesma forma, não é possível endereçar as questões de diversidade e inclusão sem contemplar os diferentes recortes sociais, privilegiando uns e rejeitando outros. Ou seja, se há uma preocupação legítima sobre a falta de espaço para determinadas minorias sociais, oferecer um olhar para algumas delas em detrimento de outras pode acentuar o problema daqueles que já eram excluídos.
Entretanto, tratar os recortes sociais de forma segregada, conforme comumente observamos, desconsidera a questão da interseccionalidade, que é a sobreposição das identidades sociais e políticas de uma pessoa que determina como ela é tratada pela sociedade. Esse conjunto de características resulta em vários privilégios, mas também gera preconceitos. Se o mercado corporativo e financeiro for endereçar, por exemplo, a equidade de gênero, a equidade racial e a inclusão LGBTQIA+ em separado, desconsiderará que uma mulher preta trans é muito mais vulnerável do que uma mulher, uma preta ou uma trans.
É bem verdade que o empoderamento feminino, embora ainda muito longe do ideal, tem tido alguma evolução recente nos cargos de alta gestão. Segundo levantamento da Spencer Stuart, em 2016 as mulheres ocupavam apenas 7,3% das posições em conselhos, número que evoluiu para 11,5% em 2020. Apesar da melhora, a velocidade de 1% ao ano é tímida, e ainda nos encontramos em posição muito inferior aos 23,8% da média mundial ou 43% na França. Há, contudo, uma série de iniciativas que têm ganhado corpo, tendo em vista que a temática está em evidência – como exemplo destaca-se a Fin4she, uma plataforma que conecta mulheres do ecossistema financeiro, ambiente tradicionalmente masculinizado.
No que tange à equidade racial, o mesmo efeito é percebido. A situação das empresas é ainda muito crítica neste aspecto, mas o recém-lançado Pacto de Promoção da Equidade Racial reúne todos os elementos para mudar em definitivo esse quadro. A partir dele, cria-se um protocolo ESG para a questão racial ao mesmo tempo em que viabiliza que companhias realizem investimento social para formação de mão de obra negra a médio e longo prazos.
É nítido perceber que a esmagadora maioria das empresas de capital aberto tem tratado publicamente da temática de diversidade e inclusão, sobretudo na questão de gênero, e bem mais perifericamente, na questão racial. Ao explicitar essas questões, as empresas acabam naturalmente sendo cobradas em relação ao assunto e pressionadas para serem mais transparentes e assumirem compromissos evolutivos, ainda que seja por constrangimento.
Contudo, estamos em uma situação paradoxal. Da mesma forma em que a afluência do assunto ESG nas lideranças corporativas tem trazido esperança de significativo avanço no aumento do espaço da mulher e de pessoas negras no mercado de trabalho, os demais recortes vulneráveis ficam ainda mais distantes de uma solução.
Muitos daqueles que eram enquadrados como minorias sociais – tais quais mulheres e pessoas negras – vão se tornando ainda mais invisíveis sob o olhar corporativo. Na medida em que empresas avancem na pauta racial e de gênero e passem a ser celebradas como inclusivas, menos pressão e disposição poderão ter de olhar para outros públicos. Pessoas com deficiência, idosos, indígenas, refugiados, quilombolas, pessoas trans e ex-detentos são alguns desses grupos já invisíveis ao mundo corporativo e que tendem a ficar mais ofuscados.
Todos os anos, dezenas de milhares de refugiados (muitos deles altamente qualificados) entram no Brasil fugindo de situações críticas em seus países de origem – mas a barreira linguística e, especialmente, a falta de documentação impedem que consigam emprego ou mesmo matriculem seus filhos em escolas, já que pouca é a atenção que o mundo corporativo dá a estes indivíduos.
A transfobia configura-se em uma grande barreira para inclusão das pessoas transgênero, que acaba por empurrar a maioria desse grupo para a informalidade. Iniciativas como a Transempregos ou a EducaTRANSforma têm sido fundamentais para a colocação de pessoas trans no mercado formal. São raras as empresas, como a Accenture, que lidam com essa questão há uma década.
Infelizmente, as pessoas com deficiência são vistas como incapazes, o idoso é tido como ultrapassado, indígenas andam nus e vivem em aldeias e ex-detentos são perigosos. Tais estereótipos contribuem para a marginalização e agravamento do problema.
O termo leapfrog (salto do sapo), bastante utilizado no mercado de tecnologia, simboliza as empresas que estão atrasadas e dão um grande salto para patamares muito além de seus concorrentes que avançaram previamente.
O Brasil conta, infelizmente, com uma desigualdade social profunda e vários recortes em vulnerabilidade. Mas, pela primeira vez, observamos o mercado financeiro e o topo do comando das corporações atentas às questões de diversidade. É hora de refletir sobre o salto do sapo e a oportunidade que existe em estabelecer uma inclusão realmente inclusiva, que não esqueça de abraçar a todas as pessoas.
É preciso destacar que na liderança do mundo corporativo predominam homens, brancos, héteros e pertencentes à elite econômica, grupo este no qual me incluo. A percepção acerca desse privilégio é o primeiro passo para uma mudança estrutural.
É fundamental nos entendermos como raiz do problema e, diante disso, responsáveis e promotores da solução.