COP 26: COMO O BRASIL CHEGA À CÚPULA DO CLIMA DE GLASGOW

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Se o governo brasileiro chega à Cúpula do Clima de Glasgow sem nada relevante para mostrar, empresas do país avançam em suas políticas de mitigação de emissão de carbono e outras práticas sustentáveis

Por Paulo Vieira 

Em suas aparições diante de outros líderes mundiais, como na Assembleia-Geral da ONU, em setembro, Jair Bolsonaro sempre atualiza a Lei de Cazuza: a de que suas ideias não correspondem aos fatos. O Brasil da boa conduta, do exemplar comportamento ambiental, como insiste o presidente nesses encontros, é uma declaração indigna de crédito, conversa para Biden, Xi e todos os outros chefes de estado dormirem – uma falácia. Isso tudo fica claro no que o país deve oferecer na Conferência das Partes da Convenção do Clima, a COP 26, de Glasgow, na primeira quinzena de novembro. O Brasil não mexeu em suas metas de redução de emissão de carbono, atualizadas no fim de 2020. Pelo contrário: deixou-as menos rigorosas. Mesmo com o apocalipse climático tornando-se imperativo diplomático, mesmo com a China anunciando o fim do financiamento da indústria suja do carvão, o Brasil jogou parado. “A gente continua na defensiva”, disse a PODER o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas e ex-chefe do Serviço Florestal Brasileiro. Nem a defenestração de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, cuja atuação ficou marcada por claro desinteresse no combate ao desmatamento, principal vetor das emissões de carbono brasileiras, mudou o cenário. “Seu sucessor [Joaquim Leite] é mais educado, não responde desqualificando o interlocutor, mas a retórica segue sem bater com a prática. O que esperamos é que setores da sociedade pressionem o governo para que haja compromissos mais ambiciosos na pauta ambiental.”

A COP é um encontro em que governos são protagonistas, mas os avanços pelo lado da sociedade civil são consideráveis. Diante do aumento do desmatamento na Amazônia, os três maiores bancos privados brasileiros, por exemplo, fizeram uma carta de intenções e despacharam seus executivos para encontros com Hamilton Mourão, que, em 2020, ainda parecia ter alguma importância como presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Outros players também se mexeram. Os 70 maiores grupos empresariais do país, responsáveis por quase metade do PIB nacional, agora participam do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que ambiciona (ou diz ambicionar) que o Brasil alcance a neutralidade de emissão de carbono em 2050. No fim de setembro, a entidade organizou a décima edição de seu Congresso Sustentável, e a fala da presidente da Microsoft Brasil, Tânia Cosentino, talvez tenha sintetizado o que seus colegas tinham em mente. “A Microsoft destina R$ 1 bilhão para startups que trabalhem em soluções verdes”, disse, mencionando ainda a adesão ao programa Race to Zero, criado por gigantes como Amazon, Tesla e Apple, com o objetivo de zerar emissões de carbono de seus negócios até 2030. A ambição da Microsoft é, em mais 20 anos, até 2050, neutralizar todas as emissões produzidas desde que Bill Gates deu o “start” para o nascimento da companhia, em 1975.

FAB SIX
Das 70 empresas brasileiras que se submeteram à última avaliação do Carbon Disclosure Project (CDP), ONG mundial que baliza e fomenta a descarbonização da economia e produz o que é considerado o padrão ouro de escrutínio de sustentabilidade do mundo, menos de 10% atingiram algum nível “A”, o máximo possível em aspecto avaliado. São elas Cemig, Klabin, Braskem, Marfrig, Duratex e Vivo. Esta última pretende ser carbono zero até 2025 e ter seus prestadores de serviço – que triplica em número de colaboradores o tamanho da Vivo – nesse patamar 15 anos depois.

“O setor empresarial brasileiro vem progredindo em vários aspectos. Há mais empresas reportando [usando os critérios do CDP], principalmente aquelas listadas em bolsa” disse a PODER Rebeca Lima, diretora executiva LATAM do CDP. Ela revela que a média brasileira é de empresas nível C, que “fazem o bê-á-bá, medem a emissão de carbono, que é o mínimo esperado”, mas antecipa uma melhora de performance na avaliação das companhias em 2021, a ser revelada no relatório que a entidade está a finalizar. “Houve um salto de maturidade e engajamento. A gente tem visto muita busca por índices ESG e de sustentabilidade com o próprio uso de dados do CDP. O cenário está bem otimista.” Os parâmetros do CDP serão usados agora pela B3 em seu ISE, o índice de sustentabilidade das empresas listadas na bolsa de São Paulo, que sofreu grande revisão e será implantado na virada de 2021 para 2022. A ideia é dar bem mais peso na carteira do ISE da B3 às companhias de melhor desempenho ESG. 

   

Crise Climática: na Espanha a pré-COP26 antecipou aspectos políticos fundamentais das negociações; no Brasil, o fogo na Amazônia e seu rastro de destruição, e a temperatura de areia que atingiu o interior de SP.

Créditos: Alan Santos/Presidência da República; Reprodução Twitter