NO PAIN, NO GAIN: SORAYA CORONA FALA DE DESAFIOS E EXPANSÃO DA MAIOR REDE DE ACADEMIAS DO BRASIL

Soraya Corona

Depois do bem-sucedido IPO que levantou R$ 2,3 bi para a expansão da maior rede de academias do Brasil, a Smart Fit, os desafios de sua chair, Soraya Corona, não são triviais. Mas, “tarefeira”, ela não parece se incomodar com o que vem pela frente, até mesmo se for um crescimento “sem limites” – e com as dores próprias do processo

Por Paulo Vieira
Fotos Adrian Ikematsu

É um pouco contraintuitiva a história empresarial da paulista de Campinas Soraya Corona, 57 anos, presidente do conselho de administração da Smart Fit, a rede de mais de mil academias de ginástica fundada por ela e seu marido, Edgard Corona, em 2009. Formada em jornalismo e tendo exercido a profissão na TV Campinas e em assessorias de imprensa, ela chefia, sem ter tido capacitação acadêmica tradicional, o board de uma das empresas-sensação entre aquelas que abriram capital na bolsa brasileira em 2021; Soraya também não foi a figura central do crescimento e da expansão da Smart Fit nem de sua antecessora, a Bio Ritmo, que, fundada 13 anos antes, não inovou dramaticamente em seu setor, como faria a Smart Fit, alinhando-se ao que de certa forma já era feito pela concorrência – a entrega para um público afluente de uma academia com equipamentos e serviços up to date. Esse protagonismo sempre foi exercido por Edgard. Mas se por essa perspectiva não dá exatamente para inverter o dito machista e afirmar que por trás de uma grande mulher há sempre um grande homem, é possível dizer que Soraya esteve full time na construção do sucesso empresarial da família, que foi consagrado com o IPO da Smart Fit na B3 em 12 de julho, quando arrecadou R$ 2,3 bi. “Sou tarefeira. Sempre atuei muito na operação inteira, da recepção à manutenção, éramos eu e ele [Edgard] na academia todos os dias o tempo todo, sábados e domingos também.”

A Bio Ritmo nasceu em 1996, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, ano em que a cultura das startups não aparecia nem em romances de ficção científica. Mas um dos lemas venerados pelos millennials que hoje fazem dinheiro, “erre muito, corrija rápido”, foi intuitivamente seguido por Soraya e Edgard. A Bio Ritmo original era, nas palavras do próprio site da empresa, “um projeto que tinha lá seus defeitos, faltava espaço para um bom estacionamento e o projeto arquitetônico beirava à catástrofe”. Foram dez anos de prejuízo, segundo a mesma fonte, mas a correção de rumos, se demorou eras geológicas ali, veio rápida na avenida Paulista, já em 1997, com a inauguração da arrojada unidade do Conjunto Nacional. Ali, com inovações em cenografia e iluminação, incorporando features próprios do mundo da hospitalidade, a Bio Ritmo começou a virar o jogo. 

Ao dizer que trabalhou quase sem descanso nas academias da rede, Soraya praticamente não se serve de uma figura de linguagem. Casada com Edgard em 2000, ela entrou já no “prenup” na rotina dos negócios do marido, a quem conheceu numa clínica de fisioterapia paulistana, após ambos sofrerem acidentes em estações de esqui diferentes. Suas filhas gêmeas Maria Clara e Maria Paula, hoje com 15 anos, cresceram vendo a mãe entre aparelhos de leg press e bicicletas de uma sala de spinning. Não exatamente vendo a mãe pingar suor sobre esses equipamentos, já que Soraya não se identifica tanto com a atividade física. Pratica-a cotidianamente, mas brinca com o repórter sugerindo que ele destine a pergunta aos demais da sala. Diz que “se esforça, mas é mais do ‘hard work’”. Por fim entrega que pratica um pouco de musculação e pilates, “para a postura” e também para minorar os efeitos da Covid, que deixou sequelas – conta que vem enfrentando dificuldades com números e datas.

 

Detalhes do escritório de Soraya na sede administrativa da companhia que ela ajudou a consolidar, na avenida Paulista, a metros da unidade da Bio Ritmo que mudou a história da empresa

PÁTRIA E FAMÍLIA
Diante de uma estrutura familiar como a da Smart Fit, o capital nem sempre se sente confortável, mas na hora em que a rede de academias fez sua oferta inicial de ações, o famoso IPO, na B3, em julho, “gabaritou”. Para Eduardo Rahal, analista da consultora independente Inside, que acompanha regularmente essas operações, a razão é simples: os investidores preferiram observar menos a família e muito mais o Pátria, o grupo de private equity que é o principal controlador do negócio – e que curiosamente também havia feito seu próprio IPO meses antes, mas na Nasdaq, cabalando na operação uma sociedade com a americana Blackstone. “Os investidores enxergaram fatores que diluíram o risco do envolvimento familiar, e esses fatores tinham relação com os players da oferta, não apenas o Pátria, mas o fundo soberano de Cingapura, o CPP, dos fundos de pensão do Canadá, e a gestora Dynamo”, diz. Os sócios pesados da Smart Fit ajudaram certamente no desfecho do negócio, mas talvez a coisa mudasse de figura se o IPO fosse feito semanas depois. A principal concorrente da empresa fundada pelos Corona, a Bluefit, controlada pela gestora de um ex-sócio do BTG, retirou sua tentativa de IPO no fim de setembro, mês que o risco político azedou os negócios na bolsa brasileira. “A Bluefit tem 10% do tamanho da Smart, mas o que contou foi o momento macroeconômico. Kalunga e outras empresas programadas para abrir também recuaram na época.” 

SONHO GRANDE
Assim como no caso do “erre muito”, outra frase do manual do “startaper” domina o escritório da empresa, em um andar da avenida Paulista, em São Paulo. É a do “sonho grande”. Novamente, a expressão não é explicitamente utilizada, mas seu conceito, sim. Para Soraya, a expansão do negócio pode “não ter fim”, e Portugal e alguns mercados da Ásia já são prospectados. “Eu não imaginei isso, mas o Edgard sempre dizia que seríamos a maior rede de academias do Brasil. Depois passou a dizer ‘do mundo’. O pessoal ria, comentava que ele era completamente louco. O cara é um visionário, muito dedicado e concentrado.” A Smart Fit, que tem 1.007 unidades, 60% delas no Brasil (todos os 26 estados e o Distrito Federal), 3.500 funcionários e agora retira 50% de seu faturamento no mercado externo, já se espraia por 13 países das Américas, com forte presença no México. O último desembarque hispânico foi em Honduras. Na década passada, a taxa de crescimento do número de unidades foi de 36% ao ano, com os clientes ativos passando de 123 mil ao fim de 2011 para 2,8 milhões em fevereiro de 2020, antes da pandemia. 

Apesar do excelente resultado do IPO de julho, algumas questões permearam a operação, levantando algum ceticismo dos analistas antes de a oferta ser concretizada. Uma delas se referia à estrutura familiar da empresa, com Edgard, Soraya e dois dos três filhos do primeiro casamento do fundador, Diogo e Ana Carolina, em postos-chave; a outra, envolvia a reclamação de um acionista minoritário, ligado a algumas unidades franqueadas. Nada disso parece ter sido óbice para a conclusão da operação, que talvez tenha se beneficiado do peso do principal controlador da Smart Fit, o Pátria Investimentos, que tem 42,1% dos papéis, quase o triplo do que dispõe a família Corona, e da concorrência tímida no segmento. A Bluefit, segunda maior rede de academias do Brasil, tem 110 lojas, ou seja, é cinco vezes menor que a Smart Fit, desconsiderando-se os negócios internacionais da líder. Pouco antes do IPO, a propósito, a Smart comprou a Just Fit, então a terceira maior rede do Brasil, arrematando mais 27 lojas. Diante das novas obrigações de governança e transparência, Soraya pretende agora fazer um curso de capacitação para entender o que significa efetivamente presidir o conselho de uma empresa listada. “São muitas regras, é preciso saber o que pode e o que não pode ser falado. É uma coisa muito nova na nossa história.” Outras questões da, digamos, gestão contemporânea parecem razoavelmente equacionadas na Smart Fit. Empoderamento feminino é um tema com o qual Soraya se identifica. “Gosto de trabalhar com mulheres, com a empatia delas. Na nossa operação sempre houve mais professoras que professores, exceto talvez na musculação. E em questões de raça é a mesma coisa.” Há um comitê de pluralidade na casa e, em sua conta no LinkedIn, Soraya diz trabalhar para “ampliar a mobilidade e o acesso de todos os colaboradores a todas as posições da empresa e de nosso ecossistema”. 

E esse ecossistema vem sendo ampliado. A pandemia exigiu que a vida se transferisse para o ambiente on-line, e com as academias de ginástica não foi diferente. A Smart Fit tem aplicativos próprios para seus alunos, alguns deles premium, como um dedicado à nutrição, e também para o público externo, como o Queima Diária, que exibe videoaulas de treinos. O app foi comprado em julho de 2020 e terminou o ano com 375 mil alunos, boa parte deles conquistados já sob gestão Smart Fit. Há ainda o TotalPass, modelo de negócio que emula o do muito bem-sucedido Gympass, que conecta empresas a academias de ginástica pelo país – no plano mais caro, além da rede Smart Fit e Bio Ritmo, há inclusões como estúdios de pilates e crossfit e uma clínica de fisioterapia. A Bio Ritmo, é bom que se diga, já possuía experiência corporativa, pois instalou academias dentro dos headquarters de empresas como o Itaú, Mercado Livre e a Editora Abril – quando esta ainda tinha uma grande população de funcionários.

As academias tiveram de fechar durante a pandemia – no Chile ficaram mais de um ano paradas –, mas 2020 não foi um ano trágico para os Corona. Longe disso. A receita líquida caiu 36,7% e houve redução de 3% na base de alunos – uma perda bastante modesta. A expansão ficou no azul, ao aumentar 9%, e o Ebitda, surpreendentemente, também: R$ 53,8 milhões. Uma fração do indicador de 2019, mas mesmo assim positivo.

Além das novidades digitais, o grupo olha para alguns nichos no off-line. Dentro das academias Bio Ritmo há práticas esportivas de intensidade como o Body Camp, uma espécie de treino funcional sobre esteira; e um corte mais ocidental de ioga com opções hot (aqui chamado “sweat”, de suor, para não usar a expressão patenteada); com tecidos de circo e uma terceira vertente com foco em meditação.

Se hoje existe a sensação de que o mar encapelado ficou para trás, o que para os negócios nunca é uma visão muito prudente, é preciso dizer que os percalços que Soraya e Edgard enfrentaram para transformar sua empresa em um case não foram poucos – como o fato de o marido constar nos inquéritos das fake news envolvendo financiamento e divulgação de notícias com ataques à autoridades. Assim como ela, Edgard não tinha intimidade com o segmento: o fundador é engenheiro químico e passou mais de 20 anos em uma usina de açúcar e álcool da família, da qual decidiu se afastar ao ser escanteado do poder. Em um momento-chave da empresa, em 1997, quando a Bio Ritmo da avenida Paulista parecia que iria vingar, o casal teve problemas com os professores de educação física que, compartilhados por academias concorrentes, foram impedidos por elas de “frilar” para os Corona. Aquela crise poderia ter sido fatal. “Hoje isso aqui é uma estrutura enorme, muito diferente do que a gente viveu ao longo desses 25 anos juntos. A história desta empresa é uma história de garra, de cumplicidade, de amor, de fazer acontecer”, diz Soraya.

Ou, Soraya poderia ainda ter dito, de malhação. Mas isso não costuma ser a primeira coisa que vem à sua cabeça.

Aula de ioga do estúdio Vidya, um dos novos nichos da Smart Fit, unidade no México e malhação em uma das unidades da rede.