A CONDUÇÃO PRECISA DE FRANK GEYER ABUBAKIR FAZ A UNIPAR CRESCER

Pioneira da indústria petroquímica nacional, Unipar vive história de enredo romanesco, em nada a dever àquela protagonizada por seu próprio chairman e acionista, Frank Geyer, e multiplica seus ativos na pandemia

Frank Geyer || Crédito: Pico Garcez

Por Paulo Vieira
Fotos Pico Garcez

Você não vê, mas nós estamos aí. O velho slogan da empresa Persico Pizzamiglio, que chegou a ser relevante na fabricação de tubos de aço no Brasil, poderia funcionar para a Unipar Carbocloro, a um dia refinaria de petróleo que hoje produz cloro, soda e PVC – este último ironicamente o material plástico, ou polímero, para ser mais preciso, que desbancou o aço dos encanamentos e ajudou a jogar uma pá de cal na Pizzamiglio. Com essas três commodities duras, digamos, a empresa teve uma performance histórica em 2020, o (primeiro) ano em que vivemos em perigo, a despeito de uma queda preocupante de pedidos de PVC no primeiro semestre do ano passado, quando a pandemia começou. No fim, 2020 representou para empresa um crescimento de 26,9% da receita bruta em relação a 2019, além de aumento de 5% de utilização de capacidade instalada nas operações de cloro e soda cáustica nas três unidades fabris da Unipar, Santo André e Cubatão, ambas em São Paulo, e Bahia Blanca, na Argentina.

Essas informações até não fariam feio num relatório setorial da indústria pesada brasileira, mas soam um tanto extravagantes aqui. Notadamente porque tudo com o que lida a Unipar tem glamour tendendo a zero: para fazer o cloro e a soda, bastam água, sal e eletricidade para realizar a reação química, a eletrólise, dos componentes; no caso do PVC, entra ainda etileno, um hidrocarboneto extraído do petróleo. Trata-se de uma aula de cursinho de química básica em escala literalmente industrial.

Mas as histórias da Unipar, fundada em 1969, e a de seus controladores são bem mais atraentes do que isso. Romanescas, pode-se dizer. Envolvem pioneirismo industrial, conflitos familiares, delação na Lava Jato, exílio voluntário, sócios que deixaram de se falar e recuperação econômica. Atual presidente do conselho, Frank Geyer Abubakir, de 48 anos, é bisneto de Alberto Soares de Sampaio, que fundou a Refinaria União (gênese da Unipar) e um condomínio de outras indústrias. Quando Alberto morreu, em 1977, havia 14 delas, segundo o jornal O Globo, que cobriu seu sepultamento. Ao tataravô de Frank, o engenheiro João Teixeira Soares, são creditados os projetos da ferrovia Vitória-Minas e o da arrojadíssima Curitiba-Paranaguá.

Com essas credenciais familiares, não é difícil imaginar o peso herdado por Frank ao começar sua caminhada na Unipar, que desde sua pré-história, nos tempos da Refinaria União, em 1951, já tinha capital aberto na bolsa. É apenas depois da morte de seu avô, Paulo Geyer, genro e sócio de Alberto na União, no fim de 2004, que Frank passa a deter uma cadeira no conselho, representando o grupo dos herdeiros, inicialmente como vice-presidente do board. Em 2008, ele se torna chairman e conduz a empresa na direção de uma virada dramática, que mudaria também sua própria vida: a fusão com a Petrobras para dar luz à Quattor, a segunda maior petroquímica da América Latina. Num evento pomposo de lançamento da Quattor no MAM Rio, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, abrilhantado por figuras que futuramente saíram de cena como o então governador fluminense Sérgio Cabral e o diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, Frank justificou a aposta na empresa nascente, uma das 20 maiores do Brasil à época, como “um processo necessário de sobrevivência”.

Embora dez entre dez empresários brasileiros sejam eloquentes na defesa do livre mercado, o instinto de sobrevivência costuma falar alto – e o discurso pode passar então a não necessariamente corresponder aos fatos. Daí que a palavra “sobrevivência” usada por Frank no MAM foi bastante adequada. Tratou-se, talvez, de uma demonstração cabal, quem sabe excessiva, de sinceridade. Ainda que minoritária na Quattor, a sócia Petrobras era monstruosa, e voltava a mostrar seu apetite por um bom naco da indústria química. Na verdade, esse setor, como vários outros, só pode se desenvolver com aporte estatal, dada a necessidade de capital intensivo, e no caso brasileiro foi dominado pela Petroquisa, cujo controle acabaria sendo diluído com o Plano Nacional de Desestatização do governo Itamar Franco, nos anos 1990. Enfim, sete anos e alguns meses depois do evento no MAM, Frank contava em delação premiada aos promotores do Ministério Público Federal lotados na Operação Lava Jato que havia acertado a venda da Quattor para a rival Braskem, empresa controlada pela Odebrecht, mas com 47% das ações preferenciais (com direito a voto) nas mãos da Petrobras, um negócio que envolvia pagamento de propinas a dois deputados federais do PP, um já falecido e outro que chegou a ser ministro de Dilma. Além disso, a Braskem transferia, por intermédio de uma instituição de Andorra, R$ 150 milhões para uma conta bancária na Suíça. Um terço disso ficaria com o próprio Frank.

Em entrevista por videoconferência, Frank disse a PODER que a situação à época foi “muito obscura”, de “muita pressão e medo”, e hoje até lê com simpatia o título de uma reportagem que o chama de “sócio enrolado” da Petrobras, avaliando o adjetivo agora como “positivo”, como que a atribuir a ele e aos demais acionistas da família na Quattor uma estranheza aquele mundo. “Não era o nosso ambiente.”

No porta-retrato, Alberto Soares de Sampaio, que fundou a Refinaria União e deu início à saga da Unipar, que tem agora o bisneto como chairman

OLHO DO FURACÃO
Para seguir adiante, os políticos costumam ignorar o que fizeram ou deixaram de fazer no dia anterior, mas com a classe empresarial pode não ser assim. Ter vivido o olho do furacão trouxe dificuldades imediatas para Frank, que preferiu se distanciar do controle da Unipar enquanto colaborava com a Lava Jato. Foi quando entrou em cena outro protagonista na história da Unipar, Pércio de Souza, o engenheiro paranaense que com sua Estáter se especializou em M&A, a sigla em inglês para fusões e aquisições, responsável por acordos dificílimos como os que envolveram o Pão de Açúcar (com Casas Bahia e com o grupo francês Casino), o grupo Ultra, e a própria Unipar, quando da aquisição dos restantes 50% das ações da Carbocloro junto à americana Occidental Petroleum Corp, sócia da brasileira desde os anos 1960. Pércio recebeu de Frank o controle do dia a dia da Unipar e pode celebrar, por US$ 202 mi, a aquisição que multiplicaria o faturamento da companhia, o controle de 100% da operação argentina da belga Solvay. Tempos depois, Pércio acabou por ser excluído da gestão da Unipar por meio de um dispositivo contratual.

Mesmo tendo enfrentado uma perda significativa de pedidos nos primeiros meses da pandemia, a Unipar não recorreu às demissões. Embora a soda cáustica e o cloro, usados para limpeza e purificação de sistemas de abastecimento de água, não tivessem sofrido qualquer impacto, os pedidos de PVC – o policloreto de vinila – pararam. E esse composto (ou polímero, uma cadeia de monômeros, em química) tem 57% de cloro. “Fiquei algumas noites sem dormir, pois havia uma superdemanda para soda e cloro e nenhuma para PVC. Tinha estoques lotados, mas não era hora de ter a conta de lucro como principal, ali era o momento de enfrentar uma crise seríssima. Não é querer ser bonzinho, mas dizer que seguir princípios vale a pena”, diz o chairman. Diferentemente do setor de tecnologia ou de consumo, a competição na indústria química não se distingue por criação de produtos, agregação de valor ou sacadas de gestão, mas por confiabilidade – que se traduz por entregas nas quantidades e prazos estipulados – e no rigor dos processos produtivos. Por isso, seria mesmo complicado, nas palavras de Frank, “cair em tentação” e eventualmente adotar uma estratégia de downsizing. Foi então com “paciência e seriedade” que a Unipar conseguiu atravessar o cabo tormentoso. Também ajudou, e muito, a deterioração da moeda brasileira, o que torna o PVC da Unipar competitivo mesmo diante do grande concorrente chinês que, segundo Frank, é produzido a partir de uma matriz energética suja, o carvão.

NARRATIVA
O Brasil sob Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, manifesta dúvida sobre o aquecimento global, e os exportadores daqui vêm sendo cobrados lá fora por práticas ambientalmente corretas. Estrategicamente, para Frank, isso não muda muito as coisas, já que as commodities com que trabalha a Unipar são vendidas na América do Sul, onde são produzidas. De qualquer maneira, ele informa que as regras ambientais brasileiras são severas e levadas a sério, ao passo que o modelo “extremamente poluente” chinês, mais barato, é desleal com quem adota princípios de sustentabilidade. Para Frank, acredita-se na “narrativa” da propalada transformação verde chinesa. “Uma coisa é dizer que em 2060 você vai produzir com [emissão de] carbono zero, outra é saber o que a gente [no Brasil] faz nesses 40 anos até lá. Vamos perder indústrias?” Entre as metas divulgadas pelas autoridades chinesas para seu “green deal” particular está o uso maior de energia limpa, que subiria de 15,9% de 2020 para 20% em 2025. Talvez seja uma ambição realmente modesta para um país hoje responsável por 27,9% das emissões de dióxido de carbono (CO2 ) mundiais – os Estados Unidos contribuem com 14,5% e o Brasil, com 3%, segundo as principais estimativas.

Frank Geyer || Crédito: Pico Garcez

CLIMA POSITIVO
A Unipar adotou um slogan simpático – é a empresa que “faz a química acontecer” – e em seu segmento o controle estrito de segurança é fundamental não apenas para evitar acidentes ambientais como para manter a saúde financeira do negócio, que é muito suscetível a esses eventos. O gráfico recente da cotação das ações da Unipar na B3 é francamente positivo, com o papel triplicando de valor desde o momento mais crítico da pandemia, em março de 2020. Isso de alguma forma está refletido na carta aos investidores que celebra a “estratégia de crescimento” que teria levado aos bons resultados de 2020, estratégia que se alicerça, segundo o documento, por exemplo, em “pessoas” e “sustentabilidade”. Fala-se ali em “clima positivo”, “orgulho de pertencer à empresa” e “aumento de investimento em desenvolvimento profissional” mesmo “em período tão adverso”.

O clima positivo estaria dado por alguns fatores que Frank sintetiza numa frase dita ao repórter em inglês: “It’s about money, but not just about money” [É sobre dinheiro, mas não só]. “Há a previsibilidade, há gratificações além do plano econômico, o ambiente agradável que é a nossa reserva de floresta”, diz. Segundo Frank, a população de Cubatão, onde está uma das fábricas, deseja trabalhar na Unipar. “A indústria petroquímica brasileira tem um nível de remuneração alto, e eu vejo que minha turma tem qualidade de vida, às vezes acompanho até pelo Instagram deles. Temos aqui limites de segurança, de carga horária, não se trata do tempo da Revolução Industrial”. O que não há ainda é diversidade, ao menos nos níveis diretivos. Dizendo que a Unipar reconhece a competência – o que Frank considera “justo” –, não há ações afirmativas entre as políticas de recrutamento. Não se veem mulheres, por exemplo, no conselho administrativo. Curiosamente, a avó de Frank, Maria Cecília, foi chairwoman da Unipar e mereceu uma homenagem do neto no último Dia Internacional da Mulher. Em seu Instagram, Frank anotou: “Muito orgulho de estar sentado na cadeira que ela ocupou no conselho – aliás, acho que durante alguns anos estive em um dos boards mais femininos de que eu já tive notícia!”.

A química não para de acontecer na Unipar, mas alguns processos podem ser mais lentos do que outros.

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CAPELA SISTINA DO COSME VELHO
Aos pés do Cristo Redentor e tendo como vizinha a residência carioca onde Roberto Marinho recebia convidados para discutir os próximos passos do país, a casa Geyer, de terreno de 14 mil metros quadrados, é um lugar onde muita gente gostaria de passar alguns anos de sua vida. Frank Geyer viveu ali por cerca de dez anos, com seus avós Paulo e Maria Cecília e a mãe, Cecília. Além deles, a casa era ocupada por uma coleção de mais de 4 mil pinturas, boa parte delas retratando o Rio de Janeiro e o Brasil do século 19, feitas por artistas europeus que vieram aos trópicos nas missões artísticas e científicas da época imperial, como Rugendas, Taunay e Ender. Tratava-se, aliás, do mais importante conjunto iconográfico do Brasil do século 19 em mãos particulares. Todo o acervo, além da própria casa, foram então doados para o Museu Imperial, de Petrópolis, em 2014, cumprindo desejo verbalizado ainda em 1999 por Paulo e Maria Cecília. Em 2022, o público finalmente vai poder conhecê-la. O lugar, apelidado de Capela Sistina, tem quadros pendurados no teto, daí à lembrança da capela do Vaticano, e para contemplá-los é preciso olhar para cima. Há uma disputa judicial com o museu em torno de algumas peças do acervo, que Maria Cecília considerava de interesse exclusivamente privado, mas que o diretor do Museu Imperial, Maurício Vicente Ferreira, discorda em alguns casos, como uma valiosa vista do Botafogo, por Thomas Ender.