Por Nina Rahe
Quando era CEO da Nextel, cargo que ocupou por seis anos, Sérgio Chaia costumava viajar duas vezes por ano para visitar as 40 filiais da empresa de telefonia. Na viagem que durava cerca de duas semanas e incluía duas cidades a cada dia, ele e o vice-presidente da companhia assumiam uma rotina pesada com reuniões matutinas e vespertinas, além de almoços e jantares com equipes que chegavam a reunir 200 pessoas. “Era quase uma campanha política. E enquanto para os colaboradores aquela era a primeira reunião do dia, para mim era o vigésimo encontro e precisava me comportar como se fosse o primeiro”, lembra Chaia. “Havia um consumo de energia brutal e a intenção era aprender, trocar, motivar. Por isso, se eu fizesse de forma protocolar, o efeito seria justamente o contrário.”
Para aguentar a empreitada, ele investiu em um combo de atividades, que incluíam alimentação saudável, meditação e exercícios físicos. “Era algo muito estruturado, com consciência de que era preciso gerar energia para poder dar aos outros mais energia”, explica. Sua estratégia, inclusive, era fazer academia de forma fracionada, meia hora pela manhã e meia hora durante a tarde, o que o ajudava a recarregar os ânimos para mais uma bateria de encontros e reuniões. “Eu tinha essa preocupação porque via como um ciclo. Se você está bem e feliz, irá trabalhar melhor, gerar mais resultados, sua empresa irá crescer e dará oportunidade para o colaborador crescer também”, relembra. “Como CEO, você se impõe uma obrigação de ser uma referência para os colaboradores, de resiliência, inspiração, mas essa imposição logicamente traz um custo.”
Nessa época, entre 2006 e 2012, pouco se ouvia falar de saúde mental dentro das companhias. Algo que mudou drasticamente com a Covid-19. De acordo com Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais da Great Place to Work (GPTW), até pouco tempo atrás não havia referência ao tema nas pesquisas desenvolvidas por eles – uma consultoria global que apoia organizações a serem melhores lugares para trabalhar. “Tínhamos pouquíssimas citações, a expressão saúde mental era inexistente no nosso banco de dados, e agora observamos que houve um boom a respeito”, diz. O aumento é visível na recém apresentada Pesquisa de Tendências de Gestão de Pessoas 2021, realizada no ano passado com 1.704 participantes, na qual o tópico “criar programas e benefícios voltados para a saúde mental” apareceu em quarto lugar entre as 13 opções destacadas como principais desafios relacionados à gestão de pessoas na pandemia, perdendo apenas para “flexibilizar a estrutura do trabalho home office, horário flexível, modelo de trabalho híbrido etc.”; “fazer uma comunicação interna eficiente (tanto do RH quanto entre a equipe)”; e “criar a mentalidade digital entre a liderança”. A quarta posição no ranking foi tanto para os colaboradores como para a liderança, que esteve representada nas respostas de 355 participantes, entre diretores, CEOs, presidentes e C-Levels – a saúde mental também figurou em quinto lugar na resposta referente aos principais temas de gestão de pessoas a serem trabalhados em 2021.
Entre outras questões levantadas, 71% respondeu que as lideranças são fundamentais no rastreio e promoção de saúde mental entre suas equipes. “A responsabilidade recai sobre o líder, mas não vi nenhum lugar colocando a lupa nele, embora a gente saiba que as lideranças foram alvo de estresse gigantesco porque tiveram que aprender a coordenar e liderar equipes de forma totalmente diferente”, explica a diretora da GPTW. “Um ponto importante é que a pandemia colocou esse tema de forma mais leve, e isso foi um ganho, porque ainda há um peso em falar de saúde mental dentro do trabalho e imagina então falar disso em relação à liderança, que precisa se mostrar forte e ser o exemplo.”
Para o psiquiatra Wagner Gattaz, presidente do conselho diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e CEO da Health & Results, empresa que oferece programas de saúde mental corporativa, a alta demanda de trabalho pode ser combatida em três dimensões, que visam aumentar a autonomia do funcionário, trabalhar em um programa de comunicação positiva, com sentido colaborativo e construtivo, e criar uma rede de apoio no ambiente corporativo. “Essas são as três maiores armas que nós temos para enfrentar o estresse pelo excesso da demanda”, explica. Ele ressalta, no entanto, que um dos preços que se paga pelo sucesso é a solidão. “Enquanto o funcionário de base pode falar dos seus problemas, existe um freio muito maior na medida em que a pessoa sobe na hierarquia. É claro que a nossa rede de apoio social é formada pelos nossos pares e, na base, a rede é maior do que no topo da pirâmide.”
Nos cursos oferecidos pela Health & Results, o foco está em colocar os líderes em condições de detectar o momento e a hora em que precisam de ajuda, assim como torná-los hábeis na promoção da saúde dos colaboradores. A companhia também realiza programas antiestresse que procuram aumentar a capacidade de resiliência, com técnicas de relaxamento e mindfulness. “O líder é ensinado a perceber que não é um super-homem, mas que continua sendo um ser humano, com forças e fraquezas”, finaliza Gattaz.
Entender que os líderes são também humanos tem sido um processo contínuo dentro do mundo corporativo. Tanto para eles como para os seus colaboradores. “A pandemia trouxe a absoluta falta de controle que nós temos do mundo e os CEOs têm um perfil eminentemente controlador. Saber lidar com o descontrole para quem é controlador é duríssimo e por isso é fundamental achar fóruns ou espaços para refletir e agir. Porém, acho difícil que seja de forma institucional, porque há coisas que eles não podem falar com chefes, colaboradores, ninguém”, ressalta Sergio Chaia, que desde 2017 abandonou o C-Level para atu ar como coach e mentor de CEOs. “O grande aprendizado que a pandemia trouxe é ‘não se agarre à sua autossuficiência’, porque ela já não é mais suficiente. Se abrir para ser ajudado não é mau, pelo contrário, fará até que o CEO tenha uma performance melhor”, conclui.
Quando foi convidada para realizar um workshop sobre as novas relações de trabalho, em novembro passado, Daniela Diniz pesquisou alguns cases de saúde mental para apresentar a cerca de 100 lideranças. A empresa de biotecnologia Roche Genentech, por exemplo, produziu vídeos em que líderes falavam sobre sua saúde mental. As pílulas foram compartilhadas na intranet da companhia como parte de uma campanha chamada #Let’sTalk. A ideia era que, quando os gerentes descrevem seus desafios, sejam eles relacionados à saúde mental ou não, eles parecem humanos, relacionáveis e corajosos. Na EY, empresa multinacional de consultoria e auditoria, que lançou em 2016 o programa We Care com o objetivo de reduzir o estigma da saúde mental, os líderes frequentemente compartilham suas histórias, falando inclusive sobre como enfrentaram casos de ansiedade e depressão.
CEO da empresa global de saúde Novo Nordisk no Brasil, Allan Finkel tem aderido à mesma prática. Além de participar de grupos de discussão com presidentes de outros setores, ele produz semanalmente vídeos para compartilhamento interno, nos quais conta como foi sua semana de trabalho e fala com franqueza sobre suas incertezas e preocupações.
A solução para períodos difíceis, segundo ele, é sempre a comunicação, o que o ajudou até mesmo a enfrentar, como porta-voz de uma empresa em que trabalhou no passado, um período em que a companhia precisou superar uma crise de imagem associada à questão ambiental. “Acredito muito que o executivo deve mostrar sua vulnerabilidade, porque não existe executivo perfeito. Em algumas empresas, os líderes têm medo de se abrir e perder o respeito, mas acho que é importante criar um ambiente de transparência, onde as pessoas vejam que existem líderes, presidentes e CEOs, mas são todos seres humanos”, diz Finkel.