De olho no bem-estar de suas equipes, empresas criam o CEO da Felicidade

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Empresas brasileiras – como Magalu e Basf – começam a investir em setores dedicados unicamente à satisfação de seus colaboradores, com profissionais formados exclusivamente para pensar no bem-estar da equipe. Eles são os Chief Happiness Officers (CHOs)

Por Nina Rahe

Quando Thais Marques Viana resolveu se candidatar à vaga de analista de bem-estar e felicidade na empresa de tecnologia Ativy, ela nunca tinha ouvido falar a respeito do cargo e tampouco tinha conhecimento de mercado sobre essa área de atuação. Foi apenas pela descrição da oferta, destinada a um profissional que deveria cuidar dos colaboradores, que ela soube que as demandas estavam de acordo com seu perfil. Em seu trabalho anterior, ainda que fosse responsável pela área de desenvolvimento de softwares, Thais já acumulava uma série de funções nesse sentido. Pelo fato da companhia ter sua principal sede em São Paulo, o escritório onde trabalhava, em Campinas, acabava isolado, o que fez com que, aos poucos, ela passasse a assumir cuidados que envolviam não só reposições de itens como também acompanhar profissionais que a procuravam para pensar em desenvolvimento de carreira, fazendo pontes para que demandas de cursos e treinamentos fossem atendidas. “Muito do que fazia na empresa anterior é o que faço agora, mas a diferença é que há um olhar mais dedicado ao bem-estar. Quando comecei, não sabia nada sobre a área e vi que poucas empresas no Brasil dispõem do cargo”, diz Thais. Desde sua chegada na Ativy – há apenas quatro meses – a empresa já passou a oferecer atividades físicas com orientação profissional e sessões de terapia, mas a ideia, a longo prazo, é poder acompanhar cada um dos funcionários mais de perto, o que está sendo desenhado a partir de reuniões com as diferentes equipes. 

Thais Marques Viana || Crédito: Grace Bicalho/Divulgação

Para Renata Rivetti, fundadora da Reconnect, empresa especializada em felicidade no trabalho, não é de hoje que se sabe que o bem- estar no meio corporativo é importante. O que é relativamente novo é a contratação de profissionais dedicados exclusivamente ao assunto, com a criação de setores voltados unicamente ao bem-estar e à felicidade. O conceito, que acaba de aportar no país, no entanto, já é algum tempo difundido na Europa. Por lá, uma das pioneiras no ramo é a Woohoo inc., empresa dinamarquesa que atua no mercado há cerca de 15 anos e acabou se tornando uma grande escola quando se trata do assunto – não à toa, desde a primeira publicação do World Happiness Report, em 2012, a Dinamarca se destaca entre os três primeiros colocados e há até uma palavra (arbejdsglæde) para designar a expressão “felicidade no trabalho”. 

Renata Rivetti || Crédito: Flávio Teperman\Divulgação

Já no Brasil, de acordo com Renata, ainda é preciso convencer as pessoas de que essa tendência é importante, provando para a alta liderança que investir em seus colaboradores traz resultados. Entre os estudos que embasam os argumentos da executiva está uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, que foi desenvolvida em conjunto com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e a Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, com a participação de funcionários da companhia britânica de telecomunicações BT. Durante o processo, os participantes avaliaram a própria felicidade semanalmente, por um período de seis meses, enquanto os dados de atendimento telefônico, conversão de chamada em venda e satisfação do cliente foram monitorados. O resultado demonstrou que pessoas que se sentem felizes são 13% mais produtivas.

Assim, se as empresas estão há tempos trabalhando o conceito de satisfação do cliente, começa-se agora a olhar também a satisfação do colaborador. “A gente investe em marketing, tecnologia, mas quem faz a diferença é quem está por trás de tudo, então investir nos colaboradores traz um resultado muito significativo”, diz Renata. Na Reconnect, o trabalho de consultoria começa com o cálculo do índice de felicidade dentro da companhia. As pesquisas, segundo ela, são os principais indicadores para entender quais são os pontos a serem trabalhados: mostram se há falta de comunicação transparente, liderança negativa ou ausência de confiança entre os colaboradores. “É o primeiro diagnóstico e a partir dele treinamos as pessoas para entender que cuidar é importante. É preciso mudar o ‘mindset’ para compreender que, quando se foca nos colaboradores, o resultado vem de forma mais rápida e mais fácil”, diz. 

No Magazine Luiza, onde Cristina Mestres assumiu o cargo em maio de 2019, uma das primeiras ações foi implementar as pesquisas de pulso. Somente em 2020 foram aplicadas cinco. A ideia, segundo a profissional, é conduzir estudos de forma mais rápida, muitas vezes temáticos, ou para grupos específicos, com o objetivo de medir o clima da empresa com mais rapidez. “Hoje uma pesquisa anual não combina mais com a velocidade da companhia”, explica. Questionários aplicados neste momento, por exemplo, serviram para entender tanto as necessidades dos colaboradores em trabalho remoto como dos que continuaram atuando presencialmente. As respostas mostraram que quem estava em sistema home office sentia falta de uma melhor gestão de horários, com uma rotina definida, e momentos de interação que não fossem apenas calls com demandas de trabalho. Já um grupo específico da área de logística apresentava sinais de sobrecarga pelo aumento da demanda durante o isolamento social. “Era uma área nova e a questão principal era a integração”, conta Cristina. As soluções, nesses casos, envolveram tanto acelerar o processo de adaptação da nova unidade como estabelecer horários mais definidos para quem estava em casa e oferecer “cafés da tarde virtuais” para que os colaboradores pudessem se conectar com mais descontração. “Esta é uma área ‘cross’, que serve para criar uma cultura em todas as outras áreas”, explica Cristina, que tem formação em psicologia, já atuou como educadora e agora assume um posto no mundo corporativo pela primeira vez, após desenvolver treinamentos com o Magalu desde 2013. 

Cristina Mestres || Crédito: Divulgação

Como ela, a gerente de bem-estar Vivian Navarro, que assumiu o cargo na Basf em 2019, também foi responsável por implantar a área dentro da empresa. O conceito, que foi aprovado em janeiro, no entanto, acabou sendo atravessado pela Covid-19. Baseado em pilares como o bem-estar físico, emocional e financeiro, além do senso de contribuição, o setor na Basf tem oferecido desde aulas de ioga e mindfulness até rodas de conversas com especialistas e o lançamento de um serviço de apoio – e totalmente confidencial – com especialistas das áreas de psicologia, assistência social, finanças e jurídica. Embora o norte do trabalho continue o mesmo com a pandemia, de acordo com Vivian, temas como medo do luto, incerteza em relação ao futuro, relacionamento familiar e saúde acabaram sendo potencializados. “A quarentena reforçou a importância de debater esses temas e traçar estratégias inclusive no âmbito de flexibilidade de trabalho, mas o bem-estar no ambiente corporativo veio para ficar para além desse período. É uma área que vem se construindo passo a passo à medida que os colaboradores sentem o impacto de se cuidar”, afirma.

Vivian Navarro || Crédito: Divulgação

De acordo com Renata Rivetti, de fato, a pandemia serviu para que todos percebessem que não há separação entre a pessoa e a empresa. “As empresas estão dentro da nossa casa e se eu ficar esperando para ser feliz depois do trabalho, ficará difícil”, diz. “A companhia que não estiver preparada para aceitar uma gestão a distância, com confiança e empatia, vai ficar para trás.”

E, ao que parece, não é algo que nenhuma empresa deseja. As duas turmas ministradas pela Reconnect em novembro, para formação de novos Chief Happiness Officers (CHOs), tiveram suas vagas esgotadas e uma nova, que acontecerá em fevereiro, já caminha para isso. Durante a formação, que envolve três dias, há desde conteúdos teóricos, que abordam a “ciência da felicidade”, os ensinamentos do psicólogo Daniel Kahneman (ganhador do Prêmio Nobel em 2002) e a psicologia positiva, até a apresentação das atribuições de um CHO e uma metodologia prática para montar um plano de bem-estar. “O chief é o embaixador da felicidade na empresa, mas o trabalho dele não acontece sozinho. É preciso que todas as lideranças estejam engajadas e conscientes de que investir nos colaboradores, no fim, traz até mesmo resultados financeiros para as empresas.