Ricardo Lacerda, do BR Partners, e a voz do mercado

Para o presidente do banco de investimento BR Partners, Ricardo Lacerda, não há como construir reformas sem articulação e diálogo – o que falta, segundo ele, ao governo Bolsonaro. Em entrevista a PODER, o executivo fala sobre o momento de retomada econômica e aponta caminhos para um crescimento sustentável

Por Sergio Leo
Fotos Fernando Torres

 Ex-presidente do banco de investimentos do Citigroup na América Latina e do Goldman Sachs no Brasil, Ricardo Lacerda hoje brilha no setor com seu próprio banco, o BR Partners, líder na área de serviços financeiros. Antes animado com o apetite dos investidores e confiante na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes – especialmente no secretário a cargo das privatizações, Salim Mattar –, Lacerda se dava ao cuidado de alertar, nas entrevistas, para a necessidade de levar os benefícios do crescimento a todos, com geração de empregos e melhor distribuição de renda. Hoje, ele personifica a decepção do mercado com o que chama de “inépcia” do governo.

Primeiro lugar no mercado de fusões e aquisições no Brasil em 2019, o BR Partners vai muito bem, obrigado, com um aumento de 53% em seu lucro líquido. Para ampliar sua atuação em mercados e outros investimentos e serviços de assessoria financeira, chegou a planejar um IPO em setembro, que acabou cancelado em razão da queda na demanda pelos papéis. Com apoio dos sócios investidores para seguir ampliando atividades com capital próprio, o comando do BR Partners preferiu esperar por tempos de menor incerteza.

Lacerda ainda confia em retomada de investimentos, mas a frequência com que cita, nesta entrevista a PODER, seu incômodo com a incapacidade do governo mostra bem o desalento com a perspectiva de ver o país andar em marcha lenta, por incompetência na direção. “Só sabem destruir”, desabafa. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

PODER: O que mudou em relação ao otimismo que você mostrava no fim do ano passado em relação às perspectivas para o país? O que deu errado?
RICARDO LACERDA: A grande espada hoje sobre nossa cabeça é a questão fiscal. Estava em situação já muito crítica quando entrou o governo Temer; houve a reforma do teto de gastos, aprovou-se em 2019 uma reforma na Previdência, consequência também de um trabalho feito no governo Temer e pela Câmara dos Deputados, que estabilizou um pouco a situação. Mas a pandemia trouxe o grande desafio de enfrentar seu impacto sobre as pessoas, em um ambiente fiscal complexo. E numa situação política muito disfuncional: temos um presidente eleito com base na divisão da sociedade, com um discurso agressivo, muito pouca coerência. E não se consegue construir reformas nesse cenário. 

 

PODER: Quais seriam hoje as reformas prioritárias?
RL: A administrativa e a tributária. Tem de haver uma reforma administrativa para reduzir o tamanho do Estado, os benefícios dos servidores públicos. Lógico, há muita gente séria, que trabalha, mas [a administração pública] inchou demais. Não dá para aumentar impostos no curto prazo, numa situação de extrema recessão, o que impactaria muito mais a atividade econômica; mas, olhando para frente, o investidor, o poupador, o empresário, o aposentado, têm de enxergar que o país continuará solvente.

 

PODER: O Ministro Paulo Guedes voltou a defender a ideia de um imposto sobre transações financeiras. Esse é o tipo de medida que deve constar na reforma?
RL: Óbvio que não. Implementar uma CPMF não é reforma tributária. É alguém caindo do precipício tentando se segurar de alguma forma. Coisa para tapar buraco. Existe consenso de que é um imposto regressivo, que penaliza os mais pobres, não faz sentido nenhum. O que faria sentido seria negociar com os estados uma racionalização dos impostos, criação de um regime tributário mais eficiente. Isso exige costura política, o que o governo não sabe fazer. É inapto politicamente, não sabe dialogar, construir. Foi eleito em cima da divisão da sociedade. Sabe destruir, não construir.

 

PODER: Seria possível fazer as medidas necessárias só com o Legislativo e os Executivos estaduais?
RL: Temos um Congresso reformista; o governo está perdendo uma enorme oportunidade. A reforma da Previdência só saiu porque existia uma semente plantada no governo Temer e o Congresso acabou levando isso adiante, com uma ajuda muito pequena do atual governo. Foi uma reforma muito mais do Legislativo. Mas há limites, sem uma mínima articulação do governo vamos perder mais dois anos sem avançar muito. Isso me deixa mais pessimista.

 

PODER: Vocês trabalham com um cenário negativo no futuro próximo?
RL: A atividade econômica tem voltado muito bem, também pelo sucesso no combate à pandemia, e políticas de isolamento bem implementadas. A atividade tem voltado, de forma robusta. Não se sabe até que ponto haverá recuperação; vai haver uma queda no PIB e, no banco, achamos que ela está mais para 4% a 6%, o que, diante do que se imaginou no começo da pandemia, é muito bom, muito melhor do que em várias economias desenvolvidas. Estamos enfrentando bem a pandemia; o Brasil tem um sistema de saúde que para esse tipo de calamidade funciona bem, porque tem capilaridade, protocolos de tratamento definidos rapidamente. Por isso temos uma taxa de mortalidade relativamente baixa no Brasil. Isso é a boa notícia.

 

PODER: Você prevê uma recuperação em “v” como falam alguns analistas, “W”, ou estagnação após uma pequena recuperação?
RL: Ele é um “v” minúsculo; tem gente que usa o termo do “v” da Nike, aquele um pouco mais estendido, sem recuperação rápida. Vejo uma recuperação em “v” mas até certo ponto. Parou no meio. Não sabemos se será um “v” completo, ou um “w”, com uma segunda queda.


PODER: Essa recuperação tem muito a ver com o pagamento do auxílio emergencial, não?
RL: Sim, o auxílio é necessário. O que preocupa é um auxílio sem contrapartida, um gasto sem capacidade de articular uma reforma que compense, ainda que no longuíssimo prazo. Se a gente conseguir mostrar que a trajetória da dívida pública permanece sob controle, ainda que num horizonte de 20 anos, já seria suficiente. Mas precisa de capacidade de articulação política, de proposição, que falta ao governo. Já mostrou que não tem, não quer, não se elegeu com isso.


PODER:
Nesse cenário, qual foi o maior erro do governo?
RL: Há inúmeros. A questão de como tratar o meio ambiente está custando caro; o alinhamento ideológico com certos governos não trouxe contrapartida comercial. O próprio ministro Paulo Guedes diz agora que se não houver contrapartida dos EUA vai se voltar aos países da Ásia; não deveria ter saído, todos são parceiros e nossa tradição diplomática sempre foi de tratar com todos; presidentes como o Fernando Henrique e Lula sempre viajaram o mundo inteiro buscando parcerias com uma postura extremamente pragmática. Erros, todos cometem, mas, além dos erros, há a absoluta inépcia para se construir qualquer coisa.

PODER: Em um país que tem tanta necessidade de educação e saúde públicas, por onde se deve fazer essa reforma administrativa?
RL: A redução do funcionalismo público, a simplificação, as privatizações… Ninguém está sugerindo a redução da saúde, um sistema que funciona, aos trancos e barrancos, mas funciona e é evidente que tem de ser mantido. A educação é menos eficiente; temos resultado melhor para cada real gasto em saúde que em educação. Tem de ter políticas de eficiência que deem entrega melhor. Agora, redução de estatais, do governo, de despesas não necessárias é fundamental.

PODER: Como vê o ânimo dos investidores?
RL: Estamos vendo uma pequena reversão do fluxo estrangeiro (de saída de divisas). Quando se fala do investidor, é importante entender se é o daqui, de fora, se pessoa física, se empresário… Há uma gama muito diversa. O investidor de ações ou o de renda fixa que olha o Brasil de fora ainda tem um ceticismo grande. Primeiro, porque esse investidor acabou se machucando muito ao longo do tempo. A partir de 2013, com as manifestações contra Dilma e o déficit público a ponto de explodir. Veio o impeachment, o Temer, mas as reformas não vieram. Veio o Bolsonaro, com o Guedes, pensou: um cara do mercado, vai fazer as privatizações. E percebeu que o presidente só fala barbaridades. Isso pode não ter consequência para quem conhece o perfil dele, mas, quando pessoas fora do Brasil ouvem algumas declarações, gera um mal-estar enorme.

PODER: E qual a consequência?
RL: Vimos neste ano um dos maiores fluxos de saída de recursos da história, se não o maior. Essa saída se reverteu ligeiramente a partir de outubro, mas não estamos em clima de ter enxurrada de recursos voltados para cá não. Para que isso aconteça primeiro é necessário resolver a questão fiscal de maneira convincente – isso não significa zerar o déficit em um ano, significa gerar uma trajetória de controle. 

PODER: E o investidor local?
RL: Em relação ao investidor local, houve uma migração muito grande de recursos de renda fixa para renda variável. Um processo fantástico: essa taxa de juros baixa está fomentando inúmeros mercados, tem um entusiasmo por parte do investidor pessoa física, e acredito que esse processo vai continuar. O Brasil ainda está barato, as empresas estão baratas, são boas, geram caixa, têm perspectiva de continuar crescendo. Os múltiplos estão razoáveis com exceção de um exagero aqui ou ali. Do lado dos empresários ainda existe, digamos, um otimismo, ainda que menor que no início do governo, porque as pessoas esperavam um pouco mais em relação a reformas, em privatização, de política liberal.

PODER: Em resumo, a visão dos investidores está mais para otimista ou pessimista?
RL: Diante de tudo que aconteceu neste ano, e perspectiva, com a pandemia, de queda na economia que poderia chegar a 20%, terminamos bem 2020 na questão da atividade econômica. Mas o grande peso ainda é a questão fiscal, o discurso político e a falta de capacidade do governo. Este governo não construiu absolutamente nada. Precisa mudar. Ele é uma pessoa esperta por ter chegado aonde chegou; precisa se reinventar, estender a mão ao Congresso, construir alguma coisa, porque não adianta querer impor auxílio emergência ao Congresso, sem contrapartida fiscal; isso acaba gerando pânico entre os investidores e reverberando na economia. Eu diria que existe um otimismo cauteloso, em função da recuperação econômica melhor, de estar com cara de que o pior da pandemia já passou. Mas precisa trabalhar, construir, costurar acordos, propor reformas. É o que vai dar impulso para o Brasil sair do buraco e voltar a crescer. Vamos sair da pandemia com crescimento negativo de 4% a 6%, mas, no ano que vem, vai crescer 1% a 2%, no máximo. Nada está sendo feito para um crescimento sustentável mais alto. Isso precisa mudar.