Por Liliane Rocha*
O ano de 2020 certamente entrará para a história como um marco na discussão da temática racial no Brasil e no mundo. Poucos foram os anos em que as desigualdades entre brancos e negros foram tão evidentes, notórias, debatidas. Em retrospectiva, poderíamos lembrar da morte de João Pedro, 14 anos, morto a tiros dentro de casa, em São Gonçalo (RJ), Bianca Regina, 22 anos, também morta em casa, na Cidade de Deus (RJ). E, se resgatarmos 2019, os nove jovens de Paraisópolis (SP) e a menina Ágatha Félix, 8 anos, no Complexo do Alemão (RJ). No entanto, o ápice dessa discussão no Brasil, e em escala global, foi o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. Uma morte filmada, disseminada nas redes sociais e na mídia de todo o mundo, e que nos colocou diante de oito minutos em que um policial esteve com o joelho sobre o pescoço de um homem negro até que ele viesse a óbito.
Falar desses assuntos não é fácil, não nos causa bem-estar. Normalmente, opto por abordagens menos dramáticas, focada em números, indicadores e dados, ressalto o que a diversidade humana, e particularmente a inclusão e a equidade racial podem trazer de bom para o planeta, para as sociedades e para as empresas. Em geral, acredito em falar no caminho a seguir, na vantagem competitiva que a diversidade agrega às empresas e no poder do afroconsumo, do pink money e na decisão de compra nas mãos das mulheres brasileiras.
Em 2020, no entanto, isso não foi possível. Em um contexto no qual o mundo se atolou em medo, receios e inseguranças por causa de uma pandemia global, nossa capacidade de pensar a existência de maneira complexa e interconectada foi colocada à prova. Até mesmo Larry Fink – CEO da empresa BlackRock – lançou uma carta falando sobre ESG e liderando um movimento, no qual o mercado financeiro se posiciona para não mais financiar empresas que não estejam em compliance e atuantes com questões ambientais e sociais. Tivemos realmente que parar, olhar para as mazelas humanas e refletir sobre o que não dá mais.
Neste mês da Consciência Negra, um marco anual para refletirmos sobre consciência, sobre o que foi o período de escravidão no Brasil, sobre as desigualdades que incorreram na vida de um cidadão brasileiro, a depender da sua raça e etnia, e pautadas no fato de esse cidadão ser branco ou negro, precisamos falar que Vidas Negras Importam. Vozes Negras Importam. Valorização da Intelectualidade Negra é fundamental.
Precisamos mostrar que somos capazes de construir uma nova sociedade, na qual seja possível ter representatividade e proporcionalidade da população negra em todos os espaços. Hoje, temos um país com 56% de negros, porém, nas 500 maiores empresas brasileiras, apenas 4,7% da liderança são negros, somente 0,4% da liderança é de mulheres negras. Negros ocupam só 17% do Congresso. Do outro lado da moeda, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil.
Por isso, neste mês, e neste ano de 2020 especificamente, falar sobre assuntos incômodos e que normalmente “escondemos embaixo do tapete” se tornou, mais do que nunca, fundamental. Somente assim seremos capazes de criar um novo padrão civilizatório, de todos, com todos, para todos.
E para você que está lendo esse artigo, sim, você mesmo! Eu acredito que você pode mudar o mundo e para melhor, para isso é só se comprometer com a valorização da diversidade e inclusão onde quer que esteja.
*Liliane Rocha é CEO e fundadora da consultoria Gestão Kairós e autora do livro Como Ser um Líder Inclusivo