Márcio França, atual governador de São Paulo, fala para a PODER: “não vou ficar aqui só seis meses”

Sem medo de ser chamado de político, Márcio França usa sua elogiada capacidade de articulação para tentar ficar mais quatro anos na cadeira que herdou de Geraldo Alckmin. Mas, para seguir à frente do Estado de São Paulo, o pré-candidato do PSB precisa vencer o ex-aliado João Doria, a quem acusa de “desfazer-se da palavra”

SÃO PAULO, SP, 25 06 2018: MARCIO FRANÇA | POLÍTICO Fotos de DO GOVERNADOR DE São Paulo, Marcio França. Fotos do governador no Palácio do Governo. Fotos: Roberto Setton 25 06 2018

por paulo vieira fotos roberto setton para a Revista PODER

Receber 91,3% dos votos é algo que não deve ser incomum na Turquia, Rússia ou outros países cujos regimes não prezam exatamente pela isonomia de condições entre os candidatos de suas disputas eleitorais. No Brasil, essa esmagadora popularidade normalmente aparece com sinal invertido – a reprovação ao governo Temer, por exemplo. Há uma exceção: Márcio França, atual governador paulista, obteve essa marca quando reelegeu-se prefeito de São Vicente, na Baixada Santista, em 2000.

Bom para ele, mas o diabo é que São Vicente, com cerca de 300 mil habitantes e um dos piores IDH do Estado, é uma cidade de pouca ou nenhuma expressão nacional, dormitório de trabalhadores da vizinha Santos, e o prefeito-sensação jamais seria notado se não tivesse uma grande capacidade de articulação política. Uma qualidade ainda mais necessária quando se passa a vida partidária inteira no PSB, sigla de tamanho modesto – hoje conta 26 deputados federais –, que só atingiu certo protagonismo com a candidatura presidencial de Eduardo Campos, morto em acidente aéreo durante a campanha de 2014.

Foi pelo PSB que ele se credenciou para se tornar vice-governador de São Paulo na chapa capitaneada por Geraldo Alckmin há quatro anos. E Alckmin, como se sabe, renunciou à sua cadeira no Bandeirantes em 6 de abril, legando-a a França por nove meses.

O período é curto, e o novo governador pareceu entender isso. Logo no Dia das Mães, em maio, tomou a polêmica decisão de homenagear a PM que, de folga, matou um assaltante armado que ameaçava crianças e seus pais numa escola em Suzano, mesmo que isso pudesse representar um estímulo oficial à violência policial – uma das incômodas marcas do estado. Dias depois envolveu-se ativamente na negociação que daria fim ao movimento paradista dos caminhoneiros. França não pode dispor livremente da máquina do estado para se projetar – restrições em ano eleitoral impedem-no de sair jogando do helicóptero cédulas de real sobre favelas. Para piorar, a antiga base de apoio a Alckmin na Assembleia já não parece tão convicta de que rigor fiscal é preciso. Em junho, 13 dos 15 deputados do PSDB presentes à votação ajudaram a aprovar a PEC que eleva o teto salarial dos servidores paulistas e que pode gerar um impacto de quase R$ 1 bilhão aos cofres estaduais após quatro anos. É bem verdade que o comportamento de seu PSB foi semelhante: cinco deputados estaduais fecharam com os servidores. Resta a França adotar medidas relativamente baratas que ele já testou em São Vicente, como colocar jovens que não foram admitidos no alistamento militar obrigatório para cumprir quatro horas diárias de serviços sociais – e ganhar R$ 500 por isso. A ideia é tirá-los da ociosidade e dos caminhos tortos, o que, segundo ele, foi crucial para reduzir os índices de criminalidade no litoral. “Vamos começar com 5 mil, o ideal seria 80 mil, mas é o que dá para fazer.”

O que vem agora para esse ex-oficial de Justiça que cumpriu dois mandatos como vereador antes de se eleger prefeito de São Vicente e também teve sua passagem por Brasília, como deputado federal, é uma disputa renhida, em que ele vai tentar destronar a hegemonia de 23 anos do PSDB no Bandeirantes – releve o interregno de nove meses de Cláudio Lembo em 2006. Seu principal oponente é João Doria, não por acaso o pré-candidato do PSDB, homem que o próprio França ajudou a fazer prefeito de São Paulo em 2016, engordando a coligação partidária e garantindo minutos preciosos em TV para a campanha.

Os afagos públicos entre os dois, como era de se esperar, já terminaram. Doria chamou o governador de Márcio “Cuba”, associando França e seu partido à ortodoxia comunista, ainda que o PSB não veja problema em se coligar alegremente com todos – ou quase todos – partidos brasileiros. Parece uma brincadeira ginasial, primária, de Doria, mas pode funcionar com o eleitorado conservador. O revide de França, por ora, se circunscreve a sublinhar a renúncia precoce do ex-prefeito. “Ele fez o pior dos movimentos, desfazer-se da palavra”, diz, repetindo em seguida a imagem do sujeito que pede uma pizza e a recebe com dois pedaços – “e nem pode reclamar disso”. A vítima, no caso, é o eleitor paulistano. Acabada a Copa, a campanha pelo Bandeirantes deve lentamente começar a empolgar, mas por ora a estratégia do governador vem se revelando inócua. Pesquisa encomendada ao Ibope e divulgada no fim de junho aponta França em terceiro lugar, com apenas 5% das intenções de voto, longe de Doria e Paulo Skaf, que lideram com 19% e 17%, respectivamente. França é tido como muito habilidoso em formar coligações para angariar governabilidade e inserções de propaganda eleitoral, mas, se fez isso bastante bem por Doria em 2016, sofreu um revés em sua própria pré-campanha, que viu o declarado apoio do PP bandear-se para o ex-prefeito.

Sobre Alckmin – “homem mais idôneo que conheci” –, sabe que o líder do PSDB terá “constrangimentos” para apoiá-lo, uma vez que o nome do partido em São Paulo é Doria – e o PSB talvez não mantenha a neutralidade desejada por França no plano federal. Mas diz: “O Alckmin tem dois candidatos, um do partido e outro do coração, que sou eu”. Questões sentimentais à parte, França não teme se mostrar como político numa disputa justamente com o sujeito que mais capitalizou a ojeriza popular à classe. “As pessoas têm razão para estar revoltadas com os políticos, mas depois do caos não vem o paraíso, vem a ruína.” Veja os principais trechos da entrevista, concedida em sua sala no palácio dos Bandeirantes.

Governador Márcio França no palácio dos Bandeirantes

POLÍTICA E POLÍTICOS
“Não existe um sistema conhecido no mundo que não leve a coisas autoritárias que não seja o político. Não dá para achar que depois do caos vem o paraíso. Depois do caos vem a ruína. Parece que hoje para ficar famoso no Brasil é preciso estar envolvido com coisa errada, não há espaço para a divulgação de coisas positivas. O [ex-governador] Alckmin me disse que voltando do Nordeste uma pessoa no aeroporto lhe disse: ‘O senhor ainda cumprimento, o resto quero que caia do avião’. Durante o episódio dos caminhoneiros, che-garam a cerrar os trilhos do trem em Bauru.”

DORIA
“Ele é o mais político dos políticos. Sua ambição permitiu que ele renunciasse a um mandato outorgado pelo povo, tinha tudo para fazer o que falou que faria, ser o melhor prefeito de São Paulo, mas fez o pior dos movimentos, desfazer-se da palavra. Doria é um sujeito de resolução, tem petulância, mérito por chegar aonde chegou. Acho que fez uma coisa boa, o Corujão da Saúde, ideia que eu dei a ele e coloquei em prática [em São Vicente] e que eu também havia proposto na campanha do Paulo Skaf [que em 2010 concorreu a governador pelo PSB]. Com o que sei de política, que não é coisa científica, acho que Doria não vai para o segundo turno. Não vejo explicação para sua renúncia com um ano de prefeitura, se ainda fosse o segundo mandato, ou se estivéssemos em guerra civil e ele fosse chamado para salvar o país… Nas eleições em junho no Tocantins, o prefeito de Palmas [o colombiano Carlos Amastha], que tinha marketing e que renunciou para disputar o governo, nem chegou ao segundo turno. Esse sentimento do eleitor, de se sentir traído, está esparramado em algum lugar.”

SENSIBILIDADE SOCIAL
“Sou de família de servidores públicos, minha formação é de sensibilidade social. Mas pessoas ricas [como Doria e outro pré-candidato a governador de São Paulo, Paulo Skaf] podem ter sensibilidade social. O que eu jamais faria é fechar 180 ambulatórios médicos em São Paulo, como Doria fez. Ele não tem noção de como pessoas pobres dependem disso.’’

GOVERNO FRANÇA
“Não vou ficar aqui só nove meses, tenho certeza. Já encaminhei coisas. A palavra é oportunidade. São Paulo não pode ter dois estados em um. Um estado que é top mundial e outro que não tem acesso nem oportuni-dade. Temos universidades de excelência, mas é preciso animar o ensino médio, os meninos vão para a escola sabendo que não terão para onde ir depois de se formar. São apenas 20 mil vagas nas universidades estaduais para 450 mil alunos anualmente. Quando assumi [na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do governo Alckmin, que acumulou com o cargo de vice], havia uma cota de 30% na USP, Unicamp e Unesp para os alunos da rede pública, subimos para 50%. Mas nem com 100% você resolve o problema. Com a Univesp [Universidade Virtual do Estado de São Paulo, um de seus principais projetos], que tem apenas um ano, vai ser possível que um menino lá de Cananeia consiga se formar. Vai ser uma mudança de vida pra ele. O pessoal olha torto para o ensino a distância, mas não dá para ter uma USP e uma Unicamp em cada uma das cidades paulistas.”

PSB
“Sou da origem do PSB, que hoje é o partido que mais governa brasileiros. Tive bons professores, convivi com [o ex-governador de Pernambuco Miguel] Arraes, tive influência do Mário Covas, com quem eu me identificava muito. Um traço de minha personalidade é a lealdade, nunca me senti à vontade para sair do partido, tentei fazer o partido ficar com minha cara, acho que fui decisivo na opção pela candidatura do Eduardo Campos e também do rompimento com o PT no governo Dilma. Não tenho preconceito em relação a partidos, acho que o PSB tinha de procurar o caminho próprio, e se havia essa marca do PSB forte no Nordeste por conta do Arraes, acho que equilibrei um pouco no Sudeste.’’

O “PESO” ALCKMIN
“[Geraldo] Alckmin não é só um político idôneo, ele é a pessoa mais idônea que conheci. Não vejo espaço para nada que pessoalmente o atinja, tenho plena confiança nisso. O mundo [político] antes tinha financiamento privado, hoje isso não pode mais. Gosto de uma frase do [filósofo francês Blaise] Pascal que diz: ‘Estranha justiça que uma montanha ou um rio limita. Verdade do lado de cá dos Pirineus, erro do lado de lá’. Temos de lembrar que tempos atrás doações privadas eram permitidas, hoje isso está associado a coisas erradas, mas era uma premissa de todas as campanhas. Sobre as denúncias [contra Alckmin], primeiro você precisa apurar, depois comprovar e chegar a uma conclusão. Hoje parece que a conclusão vem antes da apuração, a sensação é que se deve prender antes do inquérito.”

APOIOS VOLÚVEIS
A campanha ao governo de São Paulo começou quente, quando Márcio França atraiu para o PSB nomes de peso do PSDB paulista. Casos de Barros Munhoz, que presidiu a Assembleia, e de Mário Covas Neto, filho de Mário Covas, tótem do partido. Além da habilidade política de França, contaram as divergências com João Doria, pré-candidato do PSDB ao governo. Mas o ex-prefeito ganhou o último round, ao receber apoio do PP (e preciosos segundos do tempo de TV e rádio do partido), mesmo a sigla tendo anunciado apoio a França dias antes. “O PP está jogando com o DEM, mas é difícil imaginar motivos pra você trazer o presidente do seu partido para uma solenidade e cinco dias depois fazer coisa oposta. Mas o jogo só termina quando acaba”, disse França a PODER. Revezes no front nacional também podem estar a caminho, já que o PSB agora flerta com o PDT de Ciro Gomes, contrariando o desejo de neutralidade de França, que assim joga para manter sua lealdade a Alckmin, que, em troca, poderia não se coçar por Doria.