Prestes a assumir a presidência do STF, Dias Toffoli é o novo terror de Brasília… Aos fatos

Ainda por começar, a presidência rotativa de Dias Toffoli no STF já é contestada. As ligações históricas do ministro com o PT e a possibilidade de revisão do entendimento de que penas já devem ser cumpridas em segunda instância – o que levou Lula à cadeia – fazem dele o novo terror de Brasília

Ministro Dias Toffoli (Valter Campanato/Agência Brasil)

por paulo vieira para revista PODER

A aliteração tem até seu humor, mas, mais do que fazer rir, dá ideia do clima que aguarda a chegada do novo líder do Supremo Tribunal Federal. O “#Toffoli, #Toffora”, título de um abaixo-assinado que busca impedir que o jovem ministro Dias Toffoli, de 50 anos, assuma em setembro a próxima presidência rotativa do STF, mobilizou até o fechamento desta edição cerca de 310 mil signatários.

O uso pela sociedade de um instrumento desse tipo contra um titular do STF não é novidade. Gilmar Mendes é um alvo preferencial, mas as gestões para que se veja constrangido a julgar pessoas de sua relação, como o senador Aécio Neves, não têm sido bem-sucedidas. A novidade com o paulista de Marília José Antonio Dias Toffoli é quererem tirar-lhe de uma só cajadada os dois anos da presidência rotativa a que fará jus pela praxe do tempo de casa.

A razão apresentada para o afastamento de Toffoli pelos “tofforas”, ao menos aqueles engajados no manifesto criado pelo jurista Modesto Carvalhosa, é vaga. Fala em “razões conhecidas por todos”, eufemismo para “ligações históricas do ministro com o PT”. Carvalhosa propõe que a presidência seja decidida por eleição interna entre os 11 ministros, rompendo a sistemática hoje adotada, para que assim surja um nome digno de ter a “confiança plena da sociedade” e seja capaz de “pacificar” a corte.

Mas Carvalhosa não está sozinho. Há dois pedidos de impedimento do ministro no Senado, e o grupo de advogados que assina a peça se assanhou ainda mais com as revelações sobre o ministro publicadas no fim de julho pela revista Crusoé.

É curioso, pois o presidente do STF não é dotado de superpoderes, como se sob sua gestão todos os julgamentos pudessem ganhar determinado viés. Ele tem, sim, a possibilidade de decidir o que vai ser colocado em pauta – e, talvez mais importante, o que deixar de fora. O líder ainda deve encabeçar outras tarefas, como dar celeridade à justiça de modo geral e exigir providências em relação ao tratamento ignóbil prestado aos desgraçados atrás das grades.

O ponto crucial que agita observadores do mundo político e jurídico e as cassandras nacionais é saber se Toffoli vai fazer o que não fez sua antecessora imediata na presidência do STF, Cármen Lúcia: colocar em votação as ADCs 43 e 44, ações diretas de constitucionalidade que pedem a revisão da decisão tomada pela corte em 2016 de possibilitar o cumprimento de penas já a partir da segunda instância. E se isso acontecer, e caso se forme a maioria pela revisão do entendimento, o detento mais célebre do país no momento, o ex-presidente Lula, deixa Curitiba. Com as intenções de voto que Lula tem, esteja ele encarcerado ou não, sua liberdade pode gerar cenas de verdadeira comoção nacional, um espetáculo com toques sebastiano-varguistas capaz de mexer profundamente com o cenário eleitoral. Como diriam os personagens de Nelson Rodrigues: espeto.

A preocupação com Toffoli, portanto, vem muito mais de suas afinidades eletivas do que, como seria mais justo reclamar, de sua formação jurídica: no STF, o olimpo do direito, títulos acadêmicos contam como galardões e patentes, e seu futuro presidente é praticamente um ágrafo, um Sócrates togado.

Às afinidades eletivas então: Toffoli exerceu muitos papéis em diversas instâncias do PT, governos e partido. Foi, para ser sucinto, advogado das campanhas presidenciais de Lula, chefe de gabinete da Secretaria de Implementação das Subprefeituras da prefeita Marta Suplicy em São Paulo, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da presidência Lula sob José Dirceu e, por fim, advogado-geral da União entre 2007 e 2009, último degrau antes de chegar ao Supremo. O ministro, contudo, já acumula quase nove anos de STF, tempo suficiente para mostrar que as suspeitas que recaem sobre ele podem ser exageradas – e quem sabe até infundadas. Se ele seguiu mesmo algum comportamento ditado por viés ideológico, este não parece ser oriundo da inclinação esperada. Toffoli, que preferiu não conceder entrevista para esta reportagem, ao longo dos anos de STF mostrou proximidade com Gilmar Mendes, o ministro mais identificado na casa com o PSDB, a ponto de o jornalista Luis Nassif, crítico severo dos partidos à direita do PT (e às vezes também dos à esquerda), tê-lo desancado num texto de 2015. Um dos parágrafos mais brandos dizia: [Toffoli] “Seguiu então o caminho usual dos fracos. No melhor estilo República Velha, tratou de encontrar abrigo no colega que melhor encarnasse a figura do velho coronel político. Gilmar Mendes, claro”.

Pedir o impedimento de um juiz sem examinar o histórico de suas decisões é manifestar um comportamento que roça o arrivismo. Mas é difícil discordar de quem afirma que os ministros do STF não deixam de ter lá culpa no cartório. Nos últimos anos, suas decisões vêm mostrando sobejamente que a autodeclaração de suspeição, quando um magistrado se vê impossibilitado de julgar um “paciente”, está longe de ser um hit na corte. Enfim, se a prática fosse levada ao paroxismo, o STF teria de refazer seu elenco. São numerosos os casos em que os ministros não viram problemas em julgar réus ou acolher pedidos de habeas corpus de gente com quem mantinham vínculos. Gilmar Mendes é o grande modelo, não só por suas ligações com Aécio Neves, como também com o empresário do setor rodoviário do Rio de Janeiro Jacob Barata Filho. Mendes é padrinho de casamento de uma filha de Barata, e já o livrou três vezes da prisão. “Toffoli deveria se declarar suspeito de casos mais próximos do partido [o PT] e de causas que envolvem pessoas historicamente próximas a ele. Se ele toma decisões nesses casos, a desconfiança de má aplicação do direito sempre haverá: quando decidir contra os interesses dos amigos, o terá feito para provar independência; quando decidir em favor, será por amizade. Num caso ou noutro, perguntaremos se o que contou foi sua interpretação do direito ou a administração de sua imagem”, disse a PODER o professor de direito constitucional da USP Conrado Hübner, que completa: “Ninguém tem acesso ao cérebro dos juízes para saber o que causa o quê. Mas podemos saber que as ligações históricas de Toffoli vão dificultar a percepção de imparcialidade de suas decisões”.

Sobre os temas que Toffoli irá abraçar – ou não –, o professor acredita que é difícil prever o “estilo” do ministro. Para o especialista, de todo modo, “saber se a pauta vai ser mais ou menos politizada é menos importante do que saber se ele vai corrigir certas patologias procedimentais”. Hübner enumera algumas dessas patologias: a) falta de critério e justificação pública para pautar ou tirar da pauta; b) antecedência razoável para ministros e esfera pública acompanharem a pauta; c) disciplinamento dos voto-vista e das decisões monocráticas do relator que não voltam para plenário.

Um dos advogados mais íntimos dos ritos, métodos e idiossincrasias do Supremo, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é do time que não vê fundamento nas críticas a Toffoli. “Ele já exibiu maturidade não só no Supremo como no Tribunal Superior Eleitoral e à frente da Advocacia-Geral da União. Penso que no STF demonstrou ter pulso firme, boa condução administrativa e técnica, além de uma visão de futuro muito interessante. Quem acompanha o Judiciário sabe que essa reação passional ao ministro é superada. Tenho a melhor expectativa em sua condução do STF”, disse a PODER.

Kakay chega a ver em Toffoli alguém que poderia ter a “grandeza” de tirar da presidência do Supremo a prerrogativa, própria do cargo, de centralizar a pauta. Mas acha esse movimento improvável, pois isso significaria “abrir mão do poder”. O advogado diz que em “35 anos acompanhando o STF” nunca viu momento de tal e “extrema tensão” como agora – e isso se deve, segundo ele, ao fato de Cármen Lúcia não ter colocado em pauta as ADCs 43 e 44, que chegaram à corte muito antes do TRF4 de Porto Alegre referendar e aumentar a pena de Lula. Sem essa decisão, o Supremo teve de inverter a lógica natural dos processos, julgando os pedidos de habeas corpus do ex-presidente antes mesmo de ter uma visão soberana de que sua prisão – e todas as demais no Brasil ocorridas antes do trânsito em julgado dos respectivos processos penais – feriam ou não o princípio da presunção da inocência. Sua opinião é compartilhada por Hübner, que ressalva que não é simples fazer uma avaliação em “poucas palavras” da gestão Cármen Lúcia. “Considero-a de pouca sensibilidade política para moderar conflitos agudos da sociedade brasileira. Em vez disso, sua gestão ajudou a tensioná-los, levando a uma desagregação ainda maior do STF.”

Toffoli com a ministra Cármen Lúcia e o presidente Michel Temer (Foto: Lula Marques/Agência PT)

PRODUTIVIDADE

Dias Toffoli é elogiado no meio jurídico pela técnica e velocidade com que dá curso aos processos que acolhe. Seu “scout” de 2018 dá conta de ter baixado 3.141 deles até o fim de julho, mais do que os que lhe foram distribuídos este ano – havia um passivo em seu “acervo”, que vem diminuindo. Kakay é otimista da gestão Toffoli nesse ponto. “É uma característica dele entender melhor o jurisdicionado [sobre quem é exercida a jurisdição], fez isso no Tribunal Superior Eleitoral com altivez e isenção.”

Ao fim e ao cabo, a possibilidade de qualquer membro da sociedade civil como Carvalhosa mostrar seu descontentamento com assuntos internos do Supremo e eventualmente exigir providências duras em relação a eles mostra a força das “instituições” do Brasil. É curioso notar, por outro lado, que toldar e manietar a corte máxima é uma prática comum e emblemática dos regimes ditatoriais. Na hora infame é comum que ministros sejam compulsoriamente aposentados para dar lugar a outros mais afinados com o chefe do Executivo. Pode acontecer também, como se deu em 1965 em decorrência da publicação AI-2, que sejam criadas diversas novas cadeiras, impondo-se numa única canetada uma nova e bovina maioria.

A ideia de repovoar o Supremo foi colocada em circulação recentemente, registre-se, pelo candidato presidencial Jair Bolsonaro. Diante desses pensamentos, resta talvez se alegrar em ver as instituições “funcionando”, como se diz. Nesse sentido, a troca de guarda no Supremo pode vir a ser o menor dos problemas nacionais. É que, por mais improvável que pareça, sempre dá para piorar.