Com 1,65 de altura, Marina Silva ouviu de uma apoiadora, durante a campanha presidencial de 2018, em Brasília que ela era do “tamanho de uma roseira”. Após uma risada tímida, a ex-senadora da Rede (AC) disse: “E tenho a força de quem nasceu num seringal”. Ela havia acabado de participar de um debate para o primeiro turno daquelas eleições.
O meio ambiente é, como se sabe, a principal pauta de Marina, que desde 2010 concorre à Presidência da República. Em 2014, com a morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), assumiu a cabeça de chapa e recebeu 19 milhões de votos, insuficientes para levá-la ao segundo turno.
Entre 2003 a 2008, chefiou o ministério do Meio Ambiente no governo do ex-presidente Lula, de quem foi companheira de partido até 2009.
Crítica ao governo Bolsonaro, diz que “o remédio diante de tanta afronta, de tanto crime de responsabilidade, é o impeachment”. E, embora tenha um longo histórico de tentativas rumo à presidência, afirmou a PODER Online que trabalha pela construção de uma terceira via para 2022 e, por isso, considera não concorrer. Crítica da instituição da reeleição, é a favor de um mandato único de cinco anos.
Durante a pandemia, Marina dispensou a empregada (mas continuou pagando seu salário) e vem trabalhando remotamente. Veja os principais pontos da entrevista exclusiva a PODER Online.
PODER Online – Como tem sido sua rotina durante a pandemia?
Marina Silva – Mantenho a minha militância socioambiental, o trabalho na Rede, algumas atividades que consigo fazer online, além do trabalho de casa. Desde o início, afastamos a pessoa que nos ajuda em casa, que continua sendo remunerada, mas não está vindo. Então, além de entrevistas, lives, postagens, ainda divido o trabalho de casa com meu marido e filhas. Agora que tomei as duas doses da vacina, vou ao Acre visitar minhas irmãs que não vejo desde o início da pandemia
PODER Online – O meio ambiente sempre foi uma de suas principais bandeiras. Como avalia a política ambiental de Bolsonaro?
MS – Não existe uma política ambiental de Bolsonaro. Existe a política de não ter política ambiental. Essa foi a bandeira com a qual ele ganhou a eleição, disse que iria acabar com o ministério do Meio Ambiente. Não acabou institucionalmente, mas, na prática, ao escalar o antiambientalista Ricardo Salles para fazer a demolição da gestão ambiental brasileira, enfraqueceu órgãos como a Agência Nacional de Águas, o Serviço Florestal e a Funai. Acabou com o Conselho Nacional de Meio Ambiente. Não tem uma política de aplicação do Fundo Amazônia.
PODER Online – Há solução para o desmatamento?
MS – Está fora de controle porque essa é uma decisão do governo. Todos os anos, desde que ele assumiu, as queimadas aumentaram. Isso acontece em função das ações que acabei de mencionar. Bolsonaro tem um discurso de empoderamento dos criminosos. O ministro Ricardo Salles caiu ao posar ao lado de criminosos que roubavam madeira em terra pública. Mas há soluções. Eles poderiam aplicar os recursos do Fundo Amazônia no combate, monitoramento e pesquisas. E poderiam reeditar o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento, feito durante minha gestão. O plano possibilitou queda de mais de 80% no desmatamento por quase uma década. Além disso, foi responsável por mais de 80% das áreas de proteção criadas no mundo de 2003 a 2008. É possível chegar a desmatamento zero, mas fica muito difícil conseguir a meta quando vejo tramitando no Congresso projetos como o da grilagem e aquele que pretende fazer mudanças no Estatuto dos Povos Indígenas.
PODER Online – A senhora tem acompanhado a CPI da Covid? Qual sua opinião?
MS – A CPI da Covid conseguiu mostrar para o Brasil que, além da negligência, dos crimes de responsabilidade cometidos contra a saúde pública e contra a vida das pessoas, existe um pesado esquema de corrupção, de trocar vacinas e vidas por propina. Talvez seja por isso que o presidente Bolsonaro tem, a cada dia, a necessidade de criar algo, um espetáculo para colocar o debate em uma outra frequência que não seja o de comprovar que o seu governo está envolvido com corrupção pesada.
PODER Online – O governo Bolsonaro perdeu força?
MS – A medir pela fotografia das pesquisas, está havendo um deslocamento de pessoas que votaram em Bolsonaro e o apoiavam até pouco tempo. Isso se deve ao grave problema da pandemia. Vamos chegar, infelizmente, a mais de 600 mil vidas perdidas em função do descaso, da negligência do governo. Tem a ver com a crise econômica – a gente vive uma situação de completa dissolvência. Não existe uma ação do governo para fazer com que o Brasil volte a crescer. A inflação está subindo e vai continuar aumentando. Temos uma possibilidade de apagão, o que vai aumentar o custo da energia cada vez mais. Além de mais de 14 milhões de pessoas desempregadas. Ou seja: as pessoas estão percebendo essa crise e começam a não mais apoiar o presidente Bolsonaro, e, isso faz com que ele entre em desespero.
PODER Online – Em sua opinião, há risco de golpe?
MS – Bolsonaro já está fazendo uma espécie de golpe por instalação. É uma instalação corrosiva das instituições e de nossa Constituição, que ele o tempo todo desrespeita. É preciso ter muito cuidado para não deixar com que essa instalação golpista corrosiva desconstrua nossa democracia por dentro. O remédio diante de tanta afronta, de tanto crime de responsabilidade, é o impeachment. E caberá ao Congresso, que já sofreu as consequências de uma ditadura, não permitir que nossa democracia seja corroída como Bolsonaro está tentando fazer.
PODER Online – A senhora é defensora de uma terceira via nas eleições presidenciais do próximo ano. Como chegar a um nome que possa sair vitorioso?
MS – O nome do candidato é importante. Mas, neste momento, o que tenho defendido que a terceira via não pode ser na mesma lógica do que nós já temos na polarização entre o PT, a candidatura do ex-presidente Lula, e o Bolsonaro. O que precisa acontecer é a busca de um horizonte de saída, que fortaleça as instituições democráticas. Democracia é um valor inegociável. E, ao mesmo tempo, o enfrentamento da grave crise econômica, das desigualdades sociais, da insolvência que temos na saúde, na educação, nas políticas sociais. Precisamos de um desenvolvimento sustentável. O nome tem que ser compatível com essa agenda.
PODER Online – Se for preciso, a senhora seria esse nome?
MS – Debato como alguém que já contribuiu e foi candidata à Presidência por três vezes. Estou disposta a ajudar nesta construção. O meu temor é que insistir em debater nomes faça com que a sociedade se pulverize cada vez mais. Eu advogo no sentido de achar um nome que seja coerente com a agenda que citei anteriormente. Quero ajudar nesta construção.
PODER Online – Em um suposto segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a senhora apoiará o ex-presidente petista?
MS – O debate que faço, antes mesmo de iniciar o primeiro turno, não pode partir do princípio de que já há uma realidade hipotética consolidada. A política é um processo vivo. Se falo em uma construção é porque acredito que essa construção possa chegar no segundo turno. É lamentável que o PT e do PSDB não reconheçam seus erros, os desvios éticos que praticaram. Isso germinou Bolsonaro.
PODER Online – Nas vezes em que foi candidata, a senhora afirmou que se saísse vitoriosa, não seria candidata à reeleição. Ainda pensa assim?
MS – Desde que reconquistamos a democracia, o PSDB ficou um longo período no poder e o PT outro longo período. Ainda que que tenham feito coisas relevantes e importantes para o Brasil na questão econômica e nas políticas sociais, acabaram por se perder na lógica do poder pelo poder, com desvios éticos que criaram muitas revoltas na sociedade. Bolsonaro é resultado disso. Então, a partir desse aprendizado, acho que tem de haver um debate, nesta reforma política de conveniência que é feita sempre às vésperas de cada eleição, para acabar com a reeleição. Eu defendo isso desde 2010. Dizia que se ganhasse, seria um só mandato de quatro anos. Vou trabalhar por um mandato de cinco anos. Essa transição só será possível com um candidato que vá ali para implementar agenda. A reeleição virou um atraso.
PODER Online – Qual a sua opinião sobre o Distritão? Como fica a Rede caso ele passe no Senado?
MS – Sou contra o Distritão porque acho que ele enfraquece a democracia. Hoje não existe mobilidade dentro dos partidos. A Rede é um partido que busca essa inovação, mas os outros viraram verdadeiras autarquias. Existem os donos desses partidos, com orçamentos multimilionários. Agora foi aprovado o aumento do Fundo Eleitoral e querem aumentar, também o Fundo Partidário. Os partidos precisam se reinventar. Eu defendo inclusive as candidaturas independentes como uma forma de termos pessoas que venham para o espaço da política a partir de plataformas programáticas, com listas cívicas de apoiadores para que sejam concorrentes idôneos dos partidos políticos. Isso é democratizar a própria democracia. A forma com que estão propondo o Distritão é o desespero daqueles que querem viabilizar, cada vez mais, a lógica do Centrão.