Na última sexta-feira (18), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução que proíbe a comercialização, a propaganda e o uso de implantes hormonais manipulados, popularmente conhecidos como “chips da beleza”. A medida é baseada em denúncias de sociedades médicas, como a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), que apontam para um crescimento de complicações entre pacientes que utilizam tais implantes, muitas vezes de maneira indiscriminada, para finalidades estéticas e com uma grande mistura de hormônios.
A proibição, no entanto, criou polêmica entre médicos, que defendem que a suspensão generalizada, em vez de uma regularização adequada do uso desses dispositivos, pode prejudicar pacientes que realmente se beneficiam desse tipo de tratamento, quando devidamente indicado. “A principal alegação dessas sociedades médicas contra os implantes é inquestionável e legítima. Hoje existe, realmente, um uso excessivo e abusivo desses hormônios no Brasil. Farmácias magistrais estão produzindo implantes sem nenhuma regulação e com alto viés comercial, utilizando substância sem evidências para finalidades estéticas. Porém, suspender a produção e comercialização desses implantes hormonais manipulados não é o caminho adequado para resolver a situação, o que pode causar prejuízos para pacientes com problemas que têm indicação para o uso desses implantes. Em uma analogia, essa medida da Anvisa é como proibir os carros para acabar com os acidentes de trânsito”, alerta o ginecologista Dr. Igor Padovesi, especialista em menopausa certificado pela North American Menopause Society (NAMS) e membro da International Menopause Society (IMS).
Segundo o médico, os implantes hormonais são utilizados de maneira subcutânea e liberam continuamente hormônios, com duração que pode variar de 6 meses a 1 ano. “Há muitos anos, esses implantes são utilizados com aprovação da ANVISA para medicamentos magistrais (hoje regulada pela RDC n. 67/2007), que não é a mesma aprovação da indústria farmacêutica tradicional. A utilização clássica é para administração de hormônios como testosterona, estradiol e gestrinona para o tratamento de mulheres na menopausa, homens com deficiência de testosterona e certas doenças ginecológicas”, explica o especialista. Porém, recentemente, houve uma expansão do uso desses implantes, inclusive para outras finalidades que não o tratamento de doenças, como emagrecimento e ganho de massa muscular. “Farmácias de manipulação começaram a produzir todo tipo de medicamento na forma de implantes, sem um embasamento científico. E, assim como em qualquer área, existem profissionais que não são éticos. Então, por ser um procedimento potencialmente lucrativo, muitos profissionais começaram a prescrever tais implantes mesmo quando não há indicação”, pontua o médico.
E, com o aumento do uso de implantes, principalmente de maneira indiscriminada, os problemas consequentemente também aumentaram. E é inegável que essa situação precisa ser manejada. “Mas, apesar desses problemas e profissionais antiéticos representarem apenas uma pequena parte do todo, as sociedades médicas só tomam conhecimento desses casos. Não se trata de desmerecer essas instituições ou suas lideranças. Algo realmente precisa ser feito, mas a suspensão generalizada não é o caminho e não podemos enxergar os implantes hormonais como uma ameaça à saúde pública”, diz o Dr. Igor Padovesi, que explica que, historicamente, as sociedades médicas têm o pensamento ultraconservador e são as mais resistentes a inovações, baseando-se em uma interpretação enviesada dos dados e evidências disponíveis atualmente. “Muitas dessas lideranças têm uma atuação predominante em hospitais-escola e nunca atenderam o perfil de paciente que busca por implantes hormonais. Portanto, não tomam conhecimento dos milhares de casos de uso ético e adequado; ao contrário, só recebem os relatos dos problemas.”
O médico explica que essa proibição generalizada dos implantes hormonais prejudica aqueles pacientes que têm indicação para o uso de testosterona e estradiol, por exemplo. “Essas são opções de tratamento para mulheres na menopausa e homens com deficiência de testosterona comprovada. O implante é apenas uma via de administração desses hormônios cujo uso só tem aumentado no mundo todo e existem evidências que comprovam sua eficácia. Por exemplo, um estudo de 2021, realizado com base em mais de um milhão de inserções de implantes hormonais de estradiol e testosterona em mais de 376 mil pacientes, mostrou alta satisfação pelos pacientes, com taxa de continuidade do tratamento de mais de 93% e baixíssimo índice de complicação, menor que 1%. Alguns pacientes simplemente escolhem essa via de tratamento, pela comodidade ou pela não adaptação aos métodos convencionais”, pontua o especialista, que acrescenta que outro tipo de hormônio que tem o uso prejudicado por essa medida é a gestrinona. “É um tema mais polêmico, tanto pela falta de estudos quanto pelo fato de ser muito utilizado no Brasil para finalidades estéticas. Porém, a gestrinona é usada há mais de 50 anos no Brasil como uma opção de tratamento eficaz para o tratamento de problemas menstruais e doenças ginecológicas que não melhoram com as opções convencionais disponíveis atualmente, desde que utilizado corretamente”, pontua.
O Dr. Igor Padovesi relembra ainda que o uso offlabel, isto é, a prescrição de um medicamento para usos diferentes daqueles descritos na bula, é uma grande realidade em todas as áreas da medicina. “Um levantamento extenso de 2022 da biblioteca Cochrane revelou que menos de 9% das condutas em saúde são baseadas em evidências de alta qualidade”, diz o médico. E o próprio Conselho Federal de Medicina reconhece esse tipo de uso, conforme parecer de 2013, que diz que “o uso offlabel de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado”. No parecer CFM n. 2/16, há o seguinte complemento: “No caso, o médico responde por eventuais insucessos, e, nessa circunstância, o sistema CRM/CFM será chamado a julgar, fazendo-o à luz de cada caso”. E a conclusão é que “ao CRM/CFM compete julgar os insucessos sob a ótica do risco a que o médico submeteu seu paciente”.
Como exemplo, nos Estados Unidos, a agência reguladora FDA, assim como está acontecendo por aqui, não recomenda o uso de nenhum implante hormonal que não seja produzido pela indústria farmacêutica convencional, simplesmente ignorando a existência e o papel das farmácias magistrais. “Mas, ainda assim, os implantes hormonais manipulados são amplamente utilizados, com diversos médicos treinados e milhões de implantes inseridos anualmente, beneficiando inúmeros pacientes. Além disso, lá já existe inclusive o Testopel, um implante de testosterona produzido pela indústria e aprovado pelo FDA pra uso em homens”, diz o Dr. Igor Padovesi, que destaca que a falta de investimento no desenvolvimento de novos produtos nessa área é outra questão que precisa ser levada em consideração. “Os principais hormônios utilizados, que são os hormônios isomoleculares ou bioidênticos, não são passíveis de serem patenteados, então não interessam à grande indústria. Ou seja, sem a possibilidade de manipulação, uma série de pacientes ficariam desamparados.”
Então, apesar de existir um abuso inquestionável desses implantes, é preciso pensar o quanto isso representa diante dos tratamentos feitos corretamente. “As sociedades médicas insistem em não se abrir para a discussão. Se mantêm em uma posição de criticar e apontar os casos de problemas e mau uso, mas não se preocupam em tomar conhecimento de todos os casos de tratamento bem-sucedido”, diz o médico, que acrescenta que proibir não é, de forma alguma, o caminho adequado para abordar o tema. “A proposta de proibição dos implantes hormonais fere em primeiro lugar a autonomia dos milhares de pacientes em tratamento adequado, que muitas vezes não encontraram uma alternativa nas opções convencionais, além de cercear a autonomia profissional do médico.”
Para resolver os problemas relacionados aos implantes hormonais e garantir que os pacientes que precisam continuem com acesso aos tratamentos adequados, é necessário então que sociedades médicas, agências reguladoras e profissionais estejam abertos ao debate. “Esse é um assunto complexo que precisa ser discutido de maneira mais ampla, envolvendo também o Conselho Federal de Medicina, uma consulta pública a sociedade, uma análise mais profunda dos dados disponíveis e uma regularização adequada, em vez de uma proibição generalizada com base em opiniões enviesadas de um tratamento eficaz utilizado há décadas em todo o mundo. É preciso também investir em mais pesquisas sobre o assunto. Infelizmente, muitos pesquisadores têm receio de se aprofundarem no assunto para não se indisporem com as sociedades médicas”, pontua o especialista.
Outra questão que precisa ser levada em consideração, de acordo com o Dr. Igor, é a abertura desenfreada de faculdades de Medicina, que não são acompanhadas pelas vagas de residência médica e inserem nesse mercado, cada vez mais concorrido, profissionais com formação deficitária. “Esses profissionais viram alvo fácil do mercado de cursos alternativos que alimentam a indústria de ‘chips’ e soros. As sociedades médicas deveriam estar mais preocupadas com isso do que em atacar o uso dos implantes hormonais”, afirma o especialista.
Por fim, o Dr. Igor Padovesi reforça que os implantes hormonais podem ser usados de forma séria, ética e responsável como uma opção de tratamento nos casos adequados. “Os implantes são apenas uma via de tratamento e o problema está em quem os prescreve. Quando devidamente indicados e acompanhados por um profissional sério, que inclusive deve informar ao paciente sobre as polêmicas e posicionamento das sociedades sobre o tema, os implantes hormonais são capazes de melhorar a qualidade de vida e a saúde de uma série de pacientes”, diz o médico. “O atual discurso das sociedades médicas e a nova resolução da ANVISA ignoram os incontáveis casos de pacientes devidamente prescritos, esclarecidos e cientes de todos os lados da questão, para os quais os implantes foram uma decisão compartilhada com o médico e formalizada em um termo de consentimento – exatamente como a boa prática médica prevê. Sem sombra de dúvida, para cada complicação apontada como uma ‘gravíssima ameaça à saúde pública’, existem centenas ou milhares de tratamentos de sucesso que simplesmente não estão sendo vistos”, finaliza.
FONTE: *DR. IGOR PADOVESI: Médico Ginecologista, especialista em menopausa certificado pela North American Menopause Society (NAMS) e membro da International Menopause Society (IMS). Formado e pós-graduado pela USP, onde foi preceptor da Disciplina de Ginecologia, é ex-instrutor dos cursos de pós-graduação e outros cursos da área de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Albert Einstein e membro do corpo clínico do mesmo hospital. Associado à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) da qual fez parte da Diretoria de Comunicação Digital (2016-2019). Também é membro sênior da European Society of Aesthetic Gynecology (ESAG) e doutorando com projeto na área de cirurgias íntimas. Em 2024, conquistou o prêmio internacional com o 1º lugar no Congresso Mundial de Ginecologia Estética na Colômbia, com trabalhos científicos sobre ninfoplastias. Instagram: @dr.igorpadovesi
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