medicina com afeto

Cinco médicas negras de diferentes especialidades apostaram em uma clínica com propósito bem definido: ser referência de inclusão na área da saúde

No sentido horário, Júlia Rocha, dermatologista; Abdulay Eziquiel, cirurgiã plástica; Liana Tito, oftalmologista; Cecília Pereira, ginecologista; e Aline Tito, cardiologista

POR CARLA JULIEN STAGNI

O ano era 2021. Pandemia ainda rolando solta. Mas não dava para recuar. Cinco mulheres negras, médicas de diferentes especialidades, tinham um projeto bem definido, pronto para ser executado, e um sonho: abrir uma clínica com o propósito de inclusão, representatividade e afeto. Na verdade, um projeto de vida, de quem quer promover mudanças: “Focamos no lado humano para promover saúde e bem-estar de maneira qualificada e acolhedora”, explica Cecília Pereira, especialista em ginecologia e obstetrícia, e também mastologista.

Nascia o Grupo Ifé. O nome escolhido partiu do fato de as sócias serem negras, além da forma como veem e pensam a medicina. Uma busca no Google trouxe a palavra Ifé, que significa amor em iorubá e resumia toda a proposta dessa turma. “Queríamos algo curtinho e que remetesse à nossa ancestralidade”, conta Cecília, que se uniu à cirurgiã plástica Abdulay Eziquiel, à cardiologista Aline Tito, à dermatologista Júlia Rocha e à oftalmologista Liana Tito para oferecer consultas mais longas e completas – coisa rara em tempos de planos de saúde –, a preços acessíveis, mirando especialmente nas mulheres negras, mas deixando bem claro que a Ifé é democrática e está aberta a todos, independente de raça, gênero e classe social.

“A vontade de criar a Ifé veio de nossas próprias experiências como médicas, em outras clínicas e hospitais. Concordamos que é importantíssimo oferecer um atendimento afetivo, que enxergue o paciente como um todo”, explica Cecília. “É oferecer o que nunca tivemos na vida como pacientes. Antes eu trabalhava em clínicas padrão AAA e sempre sentia um frio na barriga na hora de atender as pessoas. Na faculdade, por exemplo, tive apenas um professor negro. Já sofri discriminação como paciente e como médica”, reafirmando que a representatividade é um dos principais pilares do empreendimento.

Outro grande diferencial da clínica localizada na rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, tradicional bairro carioca, é justamente ter um staff formado por negros, desde as sócias até a recepcionista. Não por acaso, essa parcela da população acaba sendo a maioria na carteira de pacientes. “Nossa equipe fala sobre nós. Os pacientes são em sua maioria negros. Eles se identificam conosco e é natural que esse público se sinta acolhido. Mas a clínica está aberta a todos”, faz questão de frisar a ginecologista. Claro que a representatividade está embutida nesse pacote. “Sabemos da responsabilidade que temos de enaltecer a força para que todos se sintam mais confiantes, inclusive nós mesmas. Queremos ser referência e inspirar meninas e jovens negras que sonham em fazer universidade como a gente.”

Durante as pesquisas para a definição do projeto, as médicas perceberam haver poucos empreendimentos com perfis semelhantes no Brasil. Talvez, por esse motivo, elas têm se surpreendido com o sucesso alcançado pelo negócio: “É um saldo surpreendente. As agendas estão lotadas”, comemora Cecília, ressaltando que a Ifé – e cada uma das sócias – tem as redes sociais como grandes aliadas para fazer com que a clínica e seu propósito sejam mais e mais conhecidos Brasil afora. “No momento, o plano é sedimentar essa conquista e, aos poucos, quem sabe, ter novos parceiros que compartilhem das mesmas ideias e assim poder oferecer outras especialidades médicas.”