Romero Rodrigues: A Volta do Criador de Unicórnios

Primeiro entre os empreendedores brasileiros a ter sucesso com startups, Romero Rodrigues vira sócio em fundo milionário para alavancar os “buscapés” dos próximos anos

Romero Rodrigues || Crédito: Paulo Freitas

Por Paulo Vieira
Fotos Paulo Freitas

Se contar, ninguém acredita, mas no Brasil em que deputados aprovam urgência para não se mexer na Bíblia, em que empresários aplaudem discursos controversos, em que juízes e militares preservam suas aposentadorias especiais, quinquênios e outras regalias até em tempos de austeridade fiscal, em que “nova política” é ter o Centrão na Casa Civil, nesse mesmo Brasil frutificou um universo de startups, um conjunto de empresas que, iniciando praticamente do zero, logo alcançaram protagonismo continental ou global e receberam aportes estrangeiros milionários. E nesse ambiente, ou ecossistema, como se diz, o jovem paulistano Romero Rodrigues é semideus.

Com outros três colegas da engenharia elétrica da Escola Politécnica da USP, a famosa Poli, aos 21 anos Romero fundou, em 1998, o Buscapé, site de comparação de preços que em meros dez anos chegou ao éden do universo digital brasileiro: em 2009, 91% da empresa foi vendida por US$ 342 mi para a Naspers, companhia de mídia sul-africana pioneira do e-commerce chinês. A compra do Buscapé foi o maior negócio do nascente ecossistema nacional, remunerou com sobras todos os investidores que apostaram na companhia e acabou por mostrar a quem hesitava em lançar sua própria startup no Brasil que sí, se podía.

Nos cinco anos seguintes em que atuou como executivo da Naspers, Romero dublou como mentor informal – e investidor-anjo – de outros fundadores de startups, e isso definiu para sempre seus novos caminhos. Em 2014, já divorciado dos sul-africanos, ele deixou o diletantismo e profissionalizou a atividade que alguns gostam de chamar de “empreender empreendedores”. E o fez no padrão ouro: com a gestora global Redpoint eVentures, colocou no mercado dois fundos de venture capital que somaram juntos R$ 1,5 bi e irrigaram meia centena de startups latino-americanas. Algumas alcançaram o tão almejado título de unicórnio quando passaram a ter valor de mercado bilionário (em dólar), caso de Gympass, Rappi, Creditas, Olist. Dos atuais 24 unicórnios brasileiros, Romero investiu em nove.

Com tal quantidade de acertos na carreira, seria compreensível que Romero decidisse pegar o boné e passasse alguns anos à beira do Índico estudando o fluxo migratório dos papa-moscas, mas não é assim que as coisas costumam funcionar. Em 2022, à frente do braço brasileiro da gestora global Headline, ele decidiu ressetar sua vida de investidor de startups, agora trazendo para a barca a pantagruélica XP, que pela primeira vez coloca à disposição de seus clientes um produto de venture capital. Em sociedade com a corretora de Guilherme Benchimol, Romero cuidará do destino de uma carteira de R$ 915,7 mi, valor 10% maior ao originalmente submetido à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Caberá a ele como “managing partner” da XP selecionar as startups que ficarão com a grana e, mais do que isso, fazê-las crescer e entregar o retorno, em dez anos, para numerosos investidores. As startups precisam já ter lançado um produto ou serviço viável no mercado, ou seja, necessitam apresentar alguma vivência. Os fundos de Romero atuam no que o setor chama de “early stage” – que vem logo depois do “capital-semente” e é anterior às rodadas de crescimento (chamadas de “growth”).

Parece fácil, mas o negócio é espeto. “Se a gente soubesse quais startups iriam dar certo, investiríamos somente nessas”, disse Romero a PODER, numa sala do 30º andar de um espigão em que a XP mantém seu QG high-tech em São Paulo. “Olhamos 1.500 empresas para investir em seis ou sete por ano. E de cada três em que aportamos, apenas uma dá certo – a outra anda de lado e a terceira morre.” O trabalho não se limita à curadoria obrigatoriamente matadora, requer ainda “interação de quatro a seis meses” entre a equipe de Romero e os destinatários da grana. Tudo para “aumentar a chance de construção de uma empresa grande”.

Para Romero, o papel do bom gestor pode ser traduzido pela expressão “remoção de riscos desnecessários”. Na anamnese que ele empreende nos primeiros dias, busca ver o “tamanho da dor que se está atacando”, a qualidade do “time” e, finalmente, o comportamento do líder – que tem de saber escutar e motivar e, sobretudo, possuir a “ambição de construir”. Ele não pode ser o cara, como diz Romero, que lá na frente vai querer vender a empresa e “colocar 5 milhões no bolso”. Às vezes, um muito célere diagnóstico já exclui candidatos, como, num exemplo hipotético, uma startup com dois CEOs – “nítido problema de liderança”, situação só menos dramática do que, brinca Romero, quando marido e mulher são sócios.

“Crises são benéficas para startups e para o venture capital. Empresas inovadoras são mais eficientes em ambientes austeros”

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ESCALADA

As conversas entre Romero e Benchimol ficaram mais sérias em 2021, muito antes de a taxa de juros praticados no Brasil escalar de novo, chegando ao atual patamar de 12,75% ao mês, o que diminuiu a atratividade do novo produto para o cliente basicão da XP, que poderia muito bem achar que faria melhor negócio mantendo o patrimônio nos fundos de renda fixa e multimercado ou, até mesmo, num defensivo VGBL. Mesmo com o valor do investimento inusualmente baixo em se tratando de um produto de venture capital – R$ 25 mil –, o investidor poderia não se deixar seduzir por algo que prometia entregas incertas de longuíssimo prazo. Mas o encerramento da bem-sucedida captação no começo de junho mostrou que a história de sucesso de Romero falou mais alto. O gestor sempre expressou otimismo, mesmo com os juros batendo de novo no teto. “Na nossa visão, crises são benéficas para startups e para o venture capital. Na crise do petróleo dos anos 1970, surgiu a Apple; no estouro da bolha da internet na virada do século, apareceram o Google e a Tesla, e, aqui no Brasil, o ‘Buscapezinho’. Empresas inovadoras são mais eficientes em ambientes mais austeros. Já surgem otimizando o capital.”

Romero Rodrigues || Crédito: Paulo Freitas

O mundo vive um momento particularmente ruim, com elevação da taxa de juros também nos Estados Unidos, quebra da cadeia global de suprimentos e uma guerra deixando milhares de mortos e destruição em plena Europa. A isso se somam as múltiplas trapalhadas de gestão macroeconômica feitas nos últimos anos no Brasil, que contribuem para afastar o capital estrangeiro. As startups daqui, que gostam de ostentar suas taxas pirotécnicas de crescimento, passam por um inédito momento de contração, com numerosas demissões mesmo em alguns famosos unicórnios (veja boxe). Mas nada parece incomodar Romero, que enxerga enorme potencial para os negócios no Brasil, dado o tamanho da população e as demandas ainda não atendidas em vários setores. As “teses” de investimento que ele pretende acolher em seus fundos são generalistas, aquelas que, independente do setor de atuação da empresa, traduzem-se por produtos e serviços de ampla aceitação entre a população. E isso aparece, ele cita, em fintechs, e-commerce, healthtechs e blockchain, por exemplo. O blockchain merece uma deferência especial, não obstante Romero ter evitado apostar lá atrás nas duas maiores startups de “cripto” brasileiras – criptoativos, como se sabe, utilizam-se da tecnologia de rastreamento do blockchain. A justificativa para a dupla negativa, segundo o empreendedor, foi o fato de não ter ficado claro para ele qual das empresas sob escrutínio iria se destacar por aqui. Nesse caso, para Romero, o vencedor acabaria por ficar com tudo – ou, em inglês, como na música do Abba, “the winner takes it all” –, e isso faria com que um dos investimentos inexoravelmente se perdesse.

“Se a gente soubesse quais startups iriam dar certo, investiríamos somente nessas. Olhamos 1500 para investir em seis ou sete”

MINHOCÁRIO

Discreto, de estatura mediana e integrante de uma família paulistana de classe média alta – que lhe possibilitou estudar no colégio Porto Seguro e mais tarde ser aprovado num dos vestibulares mais concorridos do país –, Romero desde a infância já cogitava empreender. Tornou-se mítico em seu círculo o plano de negócios feito por ele, quando tinha apenas 10 anos, de uma futura empresa que forneceria minhocas à sua avó. Na imaginada startup – a expressão ainda não existia –, que se chamaria RoAn, Romero teria como sócio seu irmão André, três anos mais novo, que deteria 25% de participação. Wilson Ruggiero, professor do departamento de engenharia de computação da Poli e coordenador do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores da faculdade, local em que Romero estagiou e o Buscapé foi gestado, estima que seu ex-aluno faça parte de um grupo de no máximo 5% dos estudantes com “proatividade, iniciativa e gana de empreender”. Em números absolutos, isso significaria apenas três a cada 70 alunos que entram em seu curso todos os anos. “Naquela época, a escola preparava o engenheiro para comandar um projeto, não exatamente para empreender. Isso mudou, o mercado se organizou em cima das startups e nós também introduzimos a disciplina de empreendedorismo”, disse o professor a PODER. “O Buscapé foi uma das iniciativas mais notáveis feitas aqui. O sucesso do Romero realimenta novas iniciativas”, completa Ruggiero, também ele um empreendedor de êxito. Nos anos 1980, o professor fundou a empresa pioneira no Brasil de computadores Scopus, mais tarde vendida ao Bradesco.

“Se não estiver treinando diariamente para enxergar o seu negócio, ele poderá passar na sua frente e você não irá perceber”

Discorrendo sobre sua carreira em artigo publicado em uma conhecida revista de administração, Romero já disse que não há um “momento eureka” na vida do empreendedor, quando um toque de genialidade (ou do Sobrenatural de Almeida, como diria Nelson Rodrigues) supostamente faria com que ele concebesse um produto revolucionário, o “latest craze” do ecossistema. “Meu momento eureka foi um processo de erros e acertos, uma busca incessante que tinha se iniciado dez anos antes [da fundação do Buscapé]. Se você não estiver treinando diariamente para enxergar o seu negócio, ele poderá passar na sua frente e você não irá perceber.”

Em sua nova carreira como empreendedor de empreendedores, Romero precisa como nunca treinar os olhos para enxergar bons negócios e reduzir os riscos de investimentos que podem, por conta de uma ou duas decisões mal tomadas, colocar tudo a perder. Não é desse treino que obviamente se trata, mas muito diferente de tantos executivos com que convive, ele não malha o corpo intensamente, e, em vez de praticar triatlo ou spinning, prefere usar a bicicleta apenas como modal de transporte. Romero ainda dedica algum tempo a estudar a filosofia estoica e a ler versos dos Vedas, os textos ancestrais e sagrados do hinduísmo (veja boxe). Talvez por isso ele goste de contar que, dentre as startups mais bem-sucedidas que ele ajudou a transformar em unicórnios, utilize hoje em dia bem mais os serviços oferecidos pelo iFood do que pelo Gympass. Seja como for, a pedido de PODER, ele selecionou uma passagem das Meditações, de Marco Aurélio, para ilustrar esta reportagem. “Tudo que ouvimos é opinião, não um fato. Tudo que vemos é perspectiva, não a verdade.” Polêmica para alguém que precisa convencer investidores da correção de suas “teses”, mas a biografia – a do Romero, no caso – joga a favor do biografado.


NUVENS NEGRAS

Um gestor de capital tem até por dever de ofício ser otimista, especialmente quando a fase de captação do fundo que irá gerir ainda não chega a termo, como quando Romero Rodrigues concedeu esta entrevista a PODER. O problema é que as notícias vindas do ecossistema de venture capital, território de atuação de Romero, não são – ou eram – as mais alvissareiras. Depois de investir em publicidade mainstream, algo estranho para o segmento, um dos unicórnios brasileiros, o QuintoAndar, anunciou um “downsizing”, eufemismo para demissões em massa. A empresa falou num corte de 4% do time, em total discrepância com notícia publicada em abril pelo jornal O Estado de S. Paulo, que dava conta de 800 demitidos – 20% do quadro de colaboradores. A Olist, outro unicórnio que teve aportes lá atrás de fundos de Romero, também viveu momento conturbado. Criada para facilitar o acesso de lojistas ao marketplace, a empresa teria cortado cerca de 10% de seu quadro, número também contestado pela startup. Loft e Zak também afiaram o facão – no caso da última, de soluções digitais para o e-commerce, o corte teria sido sangrento, de 40%. Mas nada disso parece perturbar Romero. Além do argumento de que startups têm vantagem competitiva em tempos de crise por conta de sua natural agilidade, ele acredita que a correção dos “valuations”, os valores de mercado das empresas digitais, que cresceram muito na pandemia, também é benéfica para o setor.


WALKING THE TALK COM SÊNECA

A definição pode ser um tanto redutora, mas obter prosperidade – ou melhor, felicidade – em meio a um ambiente inóspito ou estressante, explica razoavelmente bem o estoicismo, sistema filosófico admirado e estudado por Romero Rodrigues e que tem como figura central o filósofo, dramaturgo e conselheiro político Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.). O preceptor do imperador Nero – que depois assinaria sua condenação – preocupou-se menos em criar ou validar um sistema filosófico do que pensar soluções para a vida comum. Sêneca escreveu sobre a amizade, a posse e a finitude da vida, entre outros temas que insistem em se manter em cartaz. A perspectiva estoica ensina que buscar alegria no meio de preocupações é “mera causa de dor” e que o limite da riqueza é “contentar-se com o suficiente ou com o necessário”. É um ensinamento que se aplica perfeitamente à tão propalada (e pouco executada) economia do stakeholder. Pode-se dizer que o autor também prenunciou o princípio do “walk the talk”, mantra corporativo hoje: “É o mais alto dever e a maior prova de sabedoria que ações e palavras estejam em acordo”, escreveu em Cartas de um Estoico.


Romero Rodrigues || Crédito: Paulo Freitas