Enrique Diaz: Um artista em movimento

Com uma carreira premiada como diretor de teatro e novela, Enrique Diaz brilha também como ator com seus múltiplos e cativantes personagens – principalmente os de caráter duvidoso

Por Amauri Arrais
Fotos Leo Aversa
Styling Ale Duprat

Há uma reação comum de fãs de novelas e séries quando veem os personagens de Enrique Diaz: uma certa simpatia natural, como se fossem aquele conhecido boa- praça que sempre consegue nos arrancar um sorriso. Foi assim com o Durval de Amor de Mãe (2019), um pai meio relapso que abandona o lar; e com Plínio, o delegado canalha da série Onde Nascem os Fortes (2018). Ambos são figuras mais fáceis de detestar, mas que conquistaram o público.

O ator e diretor de 54 anos enxerga nessa resposta do público um efeito da sua tentativa de conferir certa humanidade aos personagens, sejam as falhas morais, o excesso de inocência ou mesmo a violência. “A humanidade sempre vai dar vários lados e produzir empatia. Não é uma questão de estratégia, mas de visão de mundo mesmo”, garante.

Enrique reconhece que o humor também permeia as visões de quase todas as figuras que encarnou. A exceção mais recente foi Gil, o marido de Maria Marruá (Juliana Paes), que arrancou elogios da crítica e dos espectadores com uma atuação comovente na primeira fase da nova encarnação de Pantanal. O papel do lavrador que perde o filho e depois é morto no conflito por terra tinha uma carga simbólica para Diaz, que interpretou o filho do personagem, Chico, na novela original da extinta TV Manchete. O ator, que tinha 23 anos à época, diz que reviu cenas da trama, menos para estudar e mais por uma inevitável curiosidade sobre a passagem do tempo. “Tem uma perplexidade de me ver ali 30 anos antes, uma coisa de vida muito bonita.”

Enrique Diaz nunca esteve longe da televisão, embora nos últimos tempos tenha emendado um bom personagem no outro. Depois da participação em Pantanal, está escalado para Mar do Sertão, próxima novela das 6 da Globo, num papel que descreve como uma espécie de João Grilo, o sertanejo trapaceiro e de bom coração de O Auto da Compadecida.

Do outro lado das câmeras, dirigiu as novelas A Regra do Jogo e Joia Rara, vencedora de um Emmy internacional. Essa alternância entre atuação e direção é parte da trajetória de Enrique Diaz, ou Kike, como é também chamado, que diz ter aprendido mais a atuar dirigindo colegas de profissão. “Sinto bastante a presença da minha experiência como diretor. Como ator, eu vou sempre tentar pensar a cena, que é diferente de pensar só no meu personagem. Se a função do meu personagem naquela cena é periférica, entendo isso e me coloco no lugar mais justo.”

Com sua Companhia dos Atores, que fundou e dirigiu durante 24 anos, montou Shakespeare e Tchekhov, além de clássicos da dramaturgia nacional como O Rei da Vela e O Bem-Amado, e arrebatou todos os principais prêmios das artes cênicas do país. Anos antes de fincar seu grupo teatral na Lapa carioca, com apenas 30 anos, foi convidado para dirigir Fernanda Montenegro em outro clássico de Tchekhov, A Gaivota.

Mesmo inseguro no início, chegou a estudar o texto, mas acabou declinando do convite “irrecusável” para atender a um chamado do cinema. “Não me arrependo, acho que eu ia fazer mal o trabalho”, diz, modesto. Foi durante as filmagens do longa Kenoma que conheceu a atriz Mariana Lima, sua companheira há 25 anos. Nos ensaios, os dois atores, que fariam um par romântico, beijaram-se e nunca mais se desgrudaram, como lembrou em uma declaração recente para a amada no seu Instagram.

O encontro, que Diaz chama de “o fenômeno Mariana em minha vida”, rendeu parcerias também na televisão e nos palcos, além de duas filhas, Elena e Antonia, que o casal levou desde cedo em turnês teatrais pela Europa e Estados Unidos. Mas, para além das afinidades e admiração mútua, a relação requer uma sintonia fina. O casal vive hoje em casas separadas, embora, como afirma, essa não seja uma decisão inteiramente assentada.

“A gente está em movimento, experimentando e vendo o que é melhor. Isso [de morar separados] faz parte dessa fase dos últimos anos. Podemos vir a morar juntos de novo, assim como se separar algum dia. Essa escuta permanente é honesta, ajuda a assumir que estar nesse movimento quase arriscado é mais legal do que não ter isso. A gente fica numa dança, é fascinante.”

O casal que prega a liberdade de repensar constantemente o modelo de relação também destoa de muitos colegas no uso das redes sociais para dizer o que pensa. Apesar de deixar claras suas convicções, Diaz afirma não se achar “nem um pouco militante” e diz ter despertado tarde para os impactos da política na vida diária.

Nascido em Lima, no Peru, filho de um funcionário da OEA, a Organização dos Estados Americanos, ele chegou ao Rio de Janeiro com 1 ano de idade. Começou a fazer teatro por influência do irmão, o também ator Chico Diaz, e conta que, até os “20 e tantos anos” não se interessava muito por política, achava que o Brasil, esse conhecido pela classe média, nunca ia mudar.

“Com a Era Lula, com toda sua complexidade, vi uma possibilidade de mudança real que me espantou profundamente. Isso não me fez ficar ligado a nenhuma militância, mas perceber que nosso movimento é vivo e influencia a realidade”, afirma.

Hoje, diz estar mais em sintonia com os meandros da política, mas prefere se expressar por meio do trabalho e considera truculenta a pressão que muitos colegas enfrentam para se manifestar sobre os mais variados temas, sob risco de serem os próximos “cancelados” nos tribunais das redes. “Essa época de cancelamento é muito nociva em vários sentidos. Um convite à conversa é diferente dessa fogueira que se cria para que as pessoas tenham que se manifestar o tempo todo”, conta.

É nos palcos e sets que o ator e diretor manifesta sua resistência aos ataques que a arte e a cultura vêm sofrendo nos últimos anos. Seu mais recente projeto na direção, após um tempo afastado, é um espetáculo protagonizado pelas atrizes Marieta Severo, Andrea Beltrão, Renata Sorrah e Ana Baird, que marca a reabertura das salas do Teatro Poeira, fundado por Marieta e Andrea, no Rio.

“Será um reencontro com o público, com o Brasil, que foi se transformando nessa coisa indigesta, em que artistas e cultura são demonizados”, diz ele, que se considera um otimista, mas um pouco reticente sobre o futuro. “Sou otimista por natureza no sentido de que estamos fazendo o que temos que fazer. Vejo vibrações muito positivas, mas também essa alma tacanha com uma presença muito grande. Torço para esse período não ser longo porque estou ficando velho, quero ter períodos longos e bacanas de delícia.”

“Essa época de cancelamento é muito nociva em vários sentidos. Um convite à conversa é diferente dessa fogueira que se cria para que as pessoas tenham que se manifestar o tempo todo”

Beleza: Vini Kilesse
Edição de arte: David Nefussi