FESTA NA BOLSA: ATÉ QUANDO? – POR BERNARDO PASCOWITCH

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Por Bernardo Pascowitchempreendedor, fundador do buscador de investimentos Yubb e colaborador com o balanço diário da movimentação da bolsa na PODER Online e no seu canal no YouTube

Se o avanço da vacinação serve como sopro de esperança com relação à pandemia, não há bons motivos para comemorar quando o assunto é investimento e crescimento de patrimônio. Pelo contrário. Apesar de alguns momentos de valorização das ações brasileiras no começo deste ano, o percorrer de 2021 trouxe sérias preocupações para os investidores. Em síntese: (i) aumento da inflação brasileira e, consequentemente, da taxa básica de juros da economia, a taxa Selic; (ii) crescente instabilidade política e choque entre poderes; (iii) corrida eleitoral; (iv) aceleração da inflação nos Estados Unidos e possível aumento dos juros americanos; (v) perda de força da agenda de reformas do governo federal; (vi) agravamento da crise hídrica e potencial crise energética; e (vii) queda do PIB e da produção industrial brasileira no segundo trimestre.

Quando avaliamos os investimentos e os mercados globais, a situação é delicada e pode ser resumida em três letras: Fed. Esta é a sigla em inglês para Federal Reserve, ou o banco central da maior economia do mundo, os Estados Unidos. Desde o início dos impactos negativos trazidos pela pandemia, com destaque para o forte aumento da taxa de desemprego e a queda generalizada da atividade econômica, o Fed manteve os juros americanos artificialmente baixos (entre 0% e 0,25% ao ano) e injetou uma quantidade inédita de dinheiro na economia (mais de US$ 3 trilhões).

A mesma política monetária foi seguida pelos bancos centrais mais importantes do mundo, incluindo os da Europa, da Inglaterra, da China, do Japão e do Brasil. A ordem era clara: imprimir dinheiro para socorrer financeiramente aqueles que estavam em situações vulneráveis, com destaque para desempregados, pequenas e médias empresas que corriam o risco de falirem, e setores da economia que praticamente viram seus clientes desaparecerem. A estratégia era necessária, mas talvez os bancos centrais não esperassem que esse movimento fosse trazer tanta euforia para os mercados de ativos de risco.

Em outras palavras, muito dinheiro novo entrou nas economias e com a maior parte dos estabelecimentos comerciais fechados, fronteiras restritas e populações trabalhando de casa, em muitos países observou-se um excedente de capital que foi destinado para os investimentos (especialmente em países desenvolvidos que possuem uma cultura forte de poupar e investir recorrentemente). Além disso, criou-se um otimismo exacerbado de que a reabertura econômica (mesmo não se sabendo quando chegará) faria com que tivéssemos a tão desejada recuperação em “V”, analogia que remete à recuperação econômica na mesma velocidade e intensidade da queda que a precedeu. O resultado foi uma valorização explosiva das ações globais e uma sequência de recordes históricos quase que semanais nos principais índices americanos desde julho de 2020.

Se tudo está tão bem, por que a preocupação com os investimentos neste momento? Digamos que nem tudo vai bem e a euforia dos mercados globais de investimentos pode ter sido exagerada e excessivamente descolada da realidade. Isso porque a economia não se recuperou como se esperava ao redor do mundo e começamos a ver sinais de exaustão: nos Estados Unidos, o mercado de trabalho frustrou fortemente as expectativas no último relatório mensal de emprego do início de setembro; ao mesmo tempo, a inflação continua em alta e já atinge patamares não vistos nos últimos 20 anos. Na China, indicadores de atividade econômica apontam para possível contração, o que tem causado desvalorizações de commodities pelo mundo – justamente as commodities que trouxeram valorização para muitas ações brasileiras –; some-se a isso o fato de os reguladores chineses iniciaram uma campanha de grande escrutínio e controle sobre aplicativos digitais e startups das mais diversas naturezas, o que fez com que os preços de ações das gigantes de tecnologia do país caíssem fortemente. No Brasil, tivemos frustradas as expectativas de crescimento do PIB no último trimestre e a crise hídrica se coloca agora como maior ameaça à nossa economia em 2021; além dos embates cada vez mais frequentes na área política, o que naturalmente pode afastar investidores brasileiros e estrangeiros da bolsa.

Veja que temos, então, um grande descolamento entre o preço dos ativos de risco (principalmente as ações globais) e os fundamentos das economias nas quais estão baseados esses ativos de risco. Colocado de outra forma, o preço esticou muito e a economia não acompanhou. No jargão do mercado, ou o preço encontra os fundamentos ou os fundamentos encontram o preço. Ao que tudo indica, estamos mais para o preço encontrar os fundamentos, o que significa termos alguma temporada de fortes desvalorizações de ativos.

A grande pergunta de US$ 1 bilhão (porque a “pergunta de um milhão de dólares” é muito modesta perto da extravagância dos mercados globais atualmente) é quando teremos o fim da festa das bolsas de valores internacionais. A resposta tem as mesmas três letras mencionadas anteriormente: Fed. É praticamente consensual a percepção de que as ações terão grandes desvalorizações quando o banco central americano iniciar o movimento de subida dos juros da maior economia do planeta. Por conta disso, os maiores investidores globais têm acompanhado qualquer sussurro do Fed com bastante cautela. As bolsas continuam batendo recordes históricos nos Estados Unidos, mas com uma força cada vez menor. A percepção de risco e exaustão começa a ser generalizada.

De acordo com o próprio Fed, os juros americanos devem ser elevados somente entre o fim de 2022 e o começo de 2023. Daí a percepção, por parte dos investidores, de que ainda há bastante tempo para que as ações continuem em alta. Entretanto, investidores mais cautelosos já começam a montar suas posições de proteção. Afinal, estamos em um momento de repensar o nosso portfólio, olhar para as valorizações e sermos mais conservadores. Isso não significa vender todas as ações e posições em renda variável. Mas talvez tirar o pé do acelerador, começar a aumentar a reserva de oportunidade (dinheiro disponível para aportes) e reduzir a exposição ao risco. Pelo menos até termos mais visibilidade sobre os rumos das economias brasileira e americana.