Na matemática, 2×3=6 da mesma forma que 3×2=6. Ou seja, a ordem dos fatores não altera o produto (resultado final). No entanto, embora muitas dietas se limitem às contas calóricas, o corpo humano costuma desafiar a matemática. Nesse sentido, para um mesmo prato, com 100g de frango, 100g de vegetais e 200g de arroz, faz alguma diferença começar ingerindo o arroz em vez dos vegetais? Para um leigo no assunto, é automático pensar que, se todos os alimentos vão ser ingeridos e vão para o mesmo lugar, a ordem de ingestão não importa. Mas a realidade não é bem assim.
A médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), destaca que há fortes evidências científicas sugerindo que a ordem de ingestão dos alimentos pode influenciar os níveis de açúcar no sangue, porque comer alimentos ricos em fibras, proteínas e gorduras saudáveis antes de consumir carboidratos pode ajudar a reduzir a velocidade do aumento nos níveis de glicose no sangue após uma refeição. “O principal problema das alimentações que geram picos de açúcar no sangue é o risco aumentado de desenvolver resistência à insulina e, eventualmente, diabetes tipo 2 e obesidade. Além disso, evitar picos de glicemia pode ajudar a regular o apetite, reduzir o consumo excessivo de calorias, diminuindo o acúmulo de gordura corporal e ainda ajudando a promover a queima de gordura como fonte de energia. Manter os níveis de glicose mais estáveis pode ajudar a regular os hormônios que atuam no centro regulador da fome e da saciedade, no cérebro, e facilitar o controle do peso”, explica a médica nutróloga.
Evitar o pico de açúcar no sangue é realmente a chave para um metabolismo mais saudável – e é por isso que, nas refeições, a ordem dos fatores altera o resultado. Se a estratégia de ingerir as fontes de carboidratos por último for seguida sempre, é possível diminuir o risco de diabetes e sobrepeso, segundo a Dra. Deborah Beranger, endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) e pós-graduação em Terapia Intensiva na Faculdade Redentor/AMIB. “Quando os níveis de glicose no sangue sobem, o pâncreas precisa liberar mais insulina para ajudar as células a absorverem a glicose. Com o tempo, esse ciclo de picos de açúcar no sangue seguidos por altas liberações de insulina pode levar à resistência à insulina, quando as células não respondem aos sinais da insulina, resultando em níveis cronicamente elevados de glicose no sangue”, explica a Dra. Marcella Garcez.
“A insulina é um hormônio anabólico que estoca a gordura, então quanto mais rápido eu aumento a insulina, mais gordura acumulo e mais rápido eu aumento a gordura visceral. Se eu aumento esse tipo de gordura, há um aumento da minha resistência à insulina. Então é um círculo: o pico glicêmico aumenta a insulina. O aumento da insulina faz você estocar gordura. O estoque de gordura faz você ganhar peso, e o ganho de peso leva à resistência insulínica, ganhando peso e aumentando a chance de diabetes”, diz a médica endocrinologista.
Segundo a médica nutróloga, uma boa estratégia é começar as grandes refeições com alimentos ricos em fibras, proteínas magras e gorduras saudáveis para diminuir a velocidade de digestão e absorção dos carboidratos simples que eventualmente serão consumidos após. Ou seja, carboidratos sempre por último! “Optar por carboidratos complexos e integrais, como grãos integrais, legumes, frutas e vegetais, após consumir alimentos ricos em fibras, proteínas e gorduras. Esses carboidratos naturalmente são digeridos mais lentamente, resultando em uma liberação mais gradual de glicose na corrente sanguínea. Evitar grandes quantidades de açúcares simples e alimentos altamente processados, como doces, refrigerantes, bolos, biscoitos e frituras de imersão, que podem levar a picos rápidos de açúcar no sangue. Além da ordem dos alimentos, é importante controlar o tamanho das porções. Consumir quantidades excessivas de qualquer tipo de alimento pode levar a picos de açúcar no sangue, mesmo que a ordem de ingestão seja cuidadosamente planejada”, explica a Dra. Marcella.
Caso o paciente não goste de verduras ou legumes, seria importante consumir alguma fruta rica em fibra, segundo a Dra. Deborah. “Pode buscar, por exemplo, uma laranja ou uma tangerina, mas tem que comer com bagaço. Outra coisa que podemos fazer também, mesmo que a fruta não tenha fibra, é adicionar uma colher de chia, ou uma colher de linhaça, ou uma colher de aveia, de fibra para essa fruta”, explica a endocrinologista.
Mas por que as fibras são tão importantes? “Uma das razões pelas quais os vegetais são frequentemente recomendados como a primeira parte de uma refeição é devido ao seu conteúdo de fibras. Os vegetais são uma excelente fonte de fibras dietéticas, carboidratos complexos que o corpo não consegue digerir completamente. As fibras têm vários benefícios para a saúde, além de retardar a digestão e a absorção de outros nutrientes. Podem ajudar a aumentar a sensação de saciedade e a reduzir o apetite. Por serem fermentadas pelas bactérias benéficas no intestino, promovem a saúde intestinal”, explica a Dra. Marcella.
A adoção dessa ordem pode funcionar como uma estratégia no controle do peso e doenças metabólicas – e nem é necessário esperar muito tempo para sair do vegetal, ir para a carne e depois para o arroz. “A questão do tempo entre consumir diferentes grupos de alimentos não é uma regra estrita e não há uma orientação universal sobre isso. O ponto principal ao considerar a ordem de ingestão dos alimentos é entender como diferentes tipos de alimentos interagem no corpo e como isso afeta a digestão, absorção de nutrientes e os níveis de açúcar no sangue. O objetivo é equilibrar os macronutrientes, proteínas, carboidratos e gorduras, escolhendo consumir primeiro os alimentos que promovam uma liberação gradual de energia, evitando picos de açúcar no sangue”, destaca a Dra. Marcella.
“Mas, é necessário pontuar que a resposta glicêmica pode variar de pessoa para pessoa e as orientações sobre alimentação e controle de açúcar no sangue, preferencialmente, devem ser personalizadas. Outras estratégias também referendadas pela ciência incluem caminhadas após as grandes refeições, o que pode ajudar a controlar os níveis de açúcar no sangue”, finaliza a médica nutróloga.
FONTES: DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez
DRA. DEBORAH BERANGER: Endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) e pós-graduação em Terapia Intensiva na Faculdade Redentor/AMIB. Com cursos de extensão em Obesidade, Transtornos Alimentares e Transgêneros pela Harvard Medical School, a médica tem MBAs de Saúde e Qualidade de Vida, de Marketing e Branding Médico e de Mindset, todos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e curso de Obesidade e de imersão em Medicina Culinária pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Fez Fellowship pela European Association for the Study of Obesity, em Portugal; é speaker dos laboratórios Servier, Novo Nordisk, Novartis, Merck, AstraZeneca, Lilly e Boehringer. Instagram: @deborahberanger
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