Por Ana Elisa Meyer
Os artistas Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes se conheceram em Paris, em 1929. Os dois estavam na cidade para se encontrarem como artistas e se firmarem como parte das novas modernidades criativas. Nascida em 1908, na capital portuguesa, em uma família de posses, Maria Helena viveu seus primeiros anos na Suíça. Filha única de um importante embaixador, foi criada em meio ao luxo e a formalidades. Seu interesse pelo mundo das artes começou cedo. Com 11 anos já mostrava habilidades no piano, no desenho e na pintura e, estimulada por sua mãe e avô, frequentou ateliês de artistas portugueses renomados na época – como os pintores Emília dos Santos Braga e Armando de Lucena, e o escultor Rogério de Andrade –, e ingressou na Academia de Belas-Artes de Lisboa.
Seu amor pela arte era tanto que, aos 17, Maria Helena também passou a frequentar o curso de medicina da universidade local para se aprofundar e conhecer anatomicamente os diferentes ângulos do corpo humano e desenvolver esculturas mais complexas. Em 1928, se mudou com a mãe para Paris a fim de dar continuidade a seus estudos acadêmicos. Lá, cursou desenho, na Académie de la Grande Chaumière, e escultura, com Antoine Bourdelle e Charles Despiau. Um ano depois, mudou totalmente de rumo quando decidiu abandonar a escultura e focar na pintura e gravura, tendo estudado com o pintor cubista Fernand Léger e o fauvista Othon Friesz. Depois, em 1930, Maria Helena e Arpad se casaram.
Alma gêmea
De origem húngara, Arpad nasceu em 1897, em Budapeste, em uma família burguesa, e cresceu ao lado de alguns dos mais célebres artistas de seu país. Aos 22 anos foi estudar na Academia de Belas Artes de sua cidade natal, onde demonstrou especial interesse por desenho e pintura, e procurou se aprofundar mais nas correntes artísticas da vanguarda europeia, desde as artes plásticas até a música.
Mais tarde, viajou por vários países da Europa antes de se instalar em Paris, em 1925, onde estudou com os artistas franceses André Lhote, Fernand Léger e Roger Bissière, e frequentou a Académie de la Grande Chaumière – foi lá que conheceu Maria Helena, que acabou se tornando sua modelo mais frequente. O casal viveu a típica boêmia característica daquela época na capital francesa sendo muito inspirado pela cena artística que se desenvolvia na cidade. Em seus ateliês, a Villa des Camelias e o Boulevard Saint-Jacques, em Montparnasse, usufruiu desse ambiente criativo e frenético.
Juntos, Maria Helena e Arpad passaram por diversos países, partindo da França para a Romênia e, na segunda metade da década de 1930, foram morar em Lisboa. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, tentaram, sem sucesso, obter a nacionalidade portuguesa para Arpad, que tinha se tornado apátrida por sua ascendência judaica. No ano seguinte, refugiaram-se no Brasil. Desembarcaram no Rio de Janeiro em 1940, instalando-se, inicialmente, nos chalés pertencentes ao antigo Hotel Internacional, em Santa Teresa, onde também viviam muitos outros artistas europeus que se exilaram no Brasil.
Nos sete anos em que moraram no país, conheceram e conviveram com grandes nomes do modernismo como os poetas Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Murilo Mendes, e o pintor Carlos Scliar. Esse contato propiciou trocas valiosas de conhecimento e de perspectiva para todos os envolvidos. No caso de Maria Helena e Arpad, a experiência levou à fundação do Ateliê Silvestre, que se tornou ponto de encontro de artistas iniciantes e de onde saíram trabalhos como os painéis de azulejos e os retratos de cientistas da Escola Nacional de Agronomia.
Com o fim da guerra, o casal retornou para a França, em 1947, e deu continuidade a seu trabalho. As pinturas de Maria Helena transitam entre a figuração e a abstração. Seus quadros mostram uma preocupação em expor ambiguidades do espaço e da profundidade representados sobre uma superfície plana. Podemos ver, na maioria de suas obras, o emprego de uma rede quadriculada, obtida por meio das linhas e de suas intersecções, que formam planos semelhantes a quadrados coloridos.
Arpad, por sua vez, produziu uma obra serena e discreta. Em certos momentos, viu-se subjugado ao apoio incondicional que ofereceu à carreira de Maria Helena, que obteve reconhecimento e projeção internacional a partir de 1950. Foi nessa mesma época que ele produziu suas obras mais conhecidas com formas alongadas e abstratas, nas quais predominam cores suaves e quentes. O artista morreu em 1985 e, sete anos mais tarde, foi a vez de Maria Helena, que estava com 83. Mas o legado do casal foi perpetuado pela Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. Criada em 1990 por Maria Helena, a entidade foi oficialmente inaugurada quatro anos depois em Lisboa. O acervo conta com várias obras do talentoso casal.