
Do PSDB com tintas sociais-democratas, ou, como no manifesto que o lançou, em 1988, disposto a lutar pelo parlamentarismo, pela melhoria dos serviços públicos básicos e de distribuição de renda e ainda combater as desigualdades regionais, parece ter sobrado pouco. Ao lado do PT principal agremiação política nas primeiras décadas da redemocratização, o PSDB foi com o tempo se tornando ideologicamente amorfo, polifônico no pior sentido – capaz hoje de rechaçar Bolsonaro em alguns estados e ter a maior parte de sua bancada de deputados federais votando alegre e sistematicamente com o governo. Nada que o difira de um PP, ou, com alguma boa vontade, do PSD de Gilberto Kassab. A história de autofagia da sigla se perde no pré-cambriano, mas para esta conversa não ir muito longe, pode ter no flerte de Fernando Henrique Cardoso com um total outsider, o hesitante apresentador Luciano Huck, nas eleições de 2018, na esteira da Lava Jato e da chamada antipolítica, uma síntese do que se tornou a sigla. Mesmo tendo um candidato potencialmente competitivo naquela disputa, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o ex-presidente Cardoso disse em fevereiro de 2018 que uma candidatura de Huck “seria boa para o Brasil”. (Crédito: Reprodução)

Seria injustiça dizer que Alckmin foi o único a não reconhecer os sinais de que a campanha presidencial de 2018 seria completamente distinta das pregressas, por conta da vaga moralista e justicialista que dominava corações, mentes e, mais importante, a mídia, naqueles tempos que hoje parecem antediluvianos. Mas o homem, criticado pelo próprio inner circle por olhar “a árvore, não a floresta”, insistiu num discurso passadista, evocando até Juscelino Kubitscheck. Em entrevista a esta PODER, em seus últimos dias no palácio do Bandeirantes, citou explicitamente JK: “Percorrerei o Brasil de norte a sul pregando nas praças públicas a união nacional”. E disse ainda que o povo “estava um pouco cansado de briga”. Deu no que deu – uma votação insignificante –, a despeito de contar com o maior tempo de propaganda eleitoral e uma aliança partidária robusta, com o PP, partido que hoje apoia Bolsonaro.
(Crédito: Roberto Setton/Poder)

Os fins justificam os meios, dizem os pragmáticos, os cínicos e os amorais. Mas mesmo a conversão oportunista para o segundo turno da eleição de 2018, quando criou o slogan “Bolsodoria”, parece ter sido um pouco além da conta para João Doria. Ter colado sua imagem à do favorito das pesquisas presidenciais custaria caro para o governador paulista, que hoje se apresenta como um dos principais antagonistas de Bolsonaro, mas é incapaz de conduzir o PSDB a uma posição clara de oposição – a sigla tem a maior parte de seus deputados federais votando com pautas de interesse do governo. Nos debates durante as prévias presidenciais do partido, que ocorrem já neste domingo (21), Doria vem responsabilizando seu principal adversário, o governador gaúcho, Eduardo Leite, pelo comportamento da bancada gaúcha, que vota em apoio a Bolsonaro, diferentemente do que fazem os deputados paulistas. Eis aí uma ironia que não funcionaria na ficção, por inverossimilhança. Mais inverossímil ainda é a resposta que Doria dá quando é lembrado do Bolsodoria. Como disse em entrevista exclusiva a PODER em maio, “por não ter sido parlamentar”, não conviveu com Bolsonaro na Câmara, não o conhecendo “suficientemente”. Ah bom. (Crédito: Governo de São Paulo)

Realizar uma eleição interna para decidir o candidato majoritário soa democrático, mas o partido que assim procede corre riscos de soçobrar num processo inexorável de autocombustão. É o que acontece agora com o PSDB, em que acusações de filiações fora de prazo, impugnações pedidas por executivas regionais e pior, expurgos, marcam as tais prévias. Próximo do ex-prefeito Bruno Covas, o ex-secretário da Habitação da cidade de São Paulo, Orlando Faria, demitiu-se este mês atirando, dizendo que sua cabeça foi pedida pelo Bandeirantes depois de explicitar apoio a Eduardo Leite. A ironia, mais uma, é que Doria, pode-se dizer, criou seu adversário, quando, em fevereiro, decidiu fazer um putsch interno e, na própria presença do presidente da sigla, o ex-deputado federal Bruno Araújo, destituí-lo. Deu tudo errado, e uma comitiva de cabeças pretas apareceu ato contínuo no palácio Piratini, obrigando Leite a, docemente, aceitar a “missão” de antagonizar o homólogo paulista. (Ele precisou também contratar um chefe de cerimonial, mas isso não vem ao caso agora.) (Crédito: Reprodução YT/ Estadão)