Deputado Professor Israel: “Não é preciso sofrer perseguição para exigir tolerância”

Eleito com a bandeira da educação, que vê ameaçada, parlamentar do PV acaba de revelar publicamente a homossexualidade; para ele, “não é preciso ser preto para lutar a luta antirracista”

Dep. Professor Israel Batista || Créditos: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O Brasil tem 2,6 milhões de professores e 47 deles foram eleitos, em 2018, para ocupar cadeiras no Congresso Nacional. Uma categoria subrepresentada, se comparada a empresários, evangélicos e agroamigos.

O professor Israel Batista (PV/DF) é uma exceção dentro da exceção. Ele é assumidamente gay – algo que é raríssimo na Câmara e no Senado – na Casa Alta é conhecido o esforço que o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) faz para discutir o tema.

O deputado decidiu apenas recentemente, em entrevista ao Correio Brasiliense, assumir publicamente sua homossexualidade. Ele disse que era hora de tocar no assunto, dado que, em sua opinião – e da torcida do Flamengo –, a democracia e os direitos humanos são atacados no governo de Jair Bolsonaro.

Mas o professor Israel foi Eleito com a bandeira da educação, outro tema que vê sobre ameaça no Brasil. “Há uma tentativa de sequestro da pauta da educação para uma pauta de costume”, diz. Professor Israel é crítico ainda da Reforma Administrativa, que, entre outros dispositivos, acaba com a estabilidade do serviço público.

PODER Online – O senhor declarou recentemente que é gay, o que gerou repercussão na mídia e nas redes sociais.  Como se sente ao perceber que, em 2021, a orientação sexual de alguém ainda gere burburinho?

Professor Israel Batista – Eu sinto que a liberdade não é permanente, ela pode retroceder. É uma conquista diária. Então, precisamos de uma democracia militante, estarmos dispostos a lutar pela manutenção dos direitos já conquistados. Sinto que o Brasil tem um longo caminho a percorrer e que o país vive claramente uma ameaça muito grave à pluralidade étnica, sexual e religiosa. E não é só aqui, o mundo inteiro vive um retrocesso global. Acho que a gente deveria ter o direito de viver a nossa sexualidade e, ao vivenciar a nossa sexualidade, isso naturalmente ser exposto ao mundo. Mas não é isso que acontece. Precisamos nos posicionar. Neste momento de ameaça à pluralidade, qualquer demonstração de neutralidade do discurso pode parecer conivência.

PODER Online – Antes de se declarar gay conversou com algum colega do parlamento sobre o assunto?

PIB – Sempre há muito diálogo.  Meus colegas e amigos do Congresso já me conheciam como gay. Eu só não tinha falado sobre isso com veículos de imprensa.  Dialogo sempre com parlamentares. A conversa é sempre muito respeitosa. Me senti muito abraçado no Congresso. Claro, tem o grupo que tenta te constranger, que acha que vai te expor e com isso acha que você vai ficar envergonhado. Mas para cada um que me deu uma alfinetada ou que fez uma piada de mau gosto, teve outro que se levantou e me acolheu.

PODER Online – O que achou da declaração do governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB), na mesma linha. Foi importante para a pauta identitária ou viu ali algum tipo de aproveitamento politico?

PIB –  O governador ter se declarado homossexual foi importante porque ele é um governador de um estado conservador, e a gente não pode perder isso [de vista]. Então, a ação dele foi importante. Mas, além dele ter se declarado, é preciso que tenha uma trajetória de defesa contundente dos direitos humanos. Isso é essencial. Não é preciso ser preto para lutar a luta antirracista, ser uma mulher para apoiar a luta feminista. Não é preciso sofrer uma perseguição para exigir respeito, para exigir tolerância. Então, acho que a declaração do Eduardo Leite foi importante e simbólica. Agora, precisamos nos engajar na defesa dos direitos humanos.

PODER Online – O senhor tem se destacado na luta contra a aprovação da PEC 32/2020, mais conhecida como Reforma Administrativa. Por que é tão importante barrar o projeto?

PIB- A PEC 32 é um desmonte do serviço público. Ela leva o Brasil de volta para as décadas de 1910, 1920, quando a elite brasileira definia quem seriam os servidores públicos. Depois que foi criado o concurso público, passamos a ter um mecanismo impessoal para escolher aqueles que irão servir à população. A PEC 32 ameaça os concursos públicos. Ela estabelece uma farra das contratações temporárias, permite uma possibilidade de exagerar, de ampliar a terceirização. Isso tudo aumenta a capacidade de interferência política nas áreas técnicas do governo. Precisamos impedir o avanço da PEC 32 porque ela significa o aumento da capacidade de nomeação direta pelo presidente da República de 6 mil para 70 mil cargos. A PEC permite que o presidente, governadores e prefeitos nomeiem livremente 1 milhão de cargos. O que ameaça a democracia e faz com que a representatividade de grupos minoritários seja ameaçada. Quando há um concurso público, não importa a cor da pele, a religião, orientação sexual. Ao acabar com eles, a representatividade da sociedade brasileira dentro do serviço público pode ser prejudicada. Se a PEC for aprovada, teremos grande rotatividade no serviço público e [com isso] um aumento de despesas com treinamento de novos servidores que serão trocados constantemente. Isso implica possível descontinuidade na execução dos serviços prestados à população.

PODER Online – Segundo o IBGE, hoje são quase 12 milhões de empregados no serviço público. O senhor acredita que Bolsonaro vai continuar apoiando a pauta da Reforma Administrativa. Com as eleições, uma possível aprovação da PEC não desgasta sua imagem com os servidores?

PIB –  É preciso que o Brasil compreenda que o presidente Bolsonaro é esperto no pior sentido da palavra. Bolsonaro fez vazar, por meio de boatos, que é contra a PEC 32 para que o impacto negativo dessa PEC não caia em seu colo.  Mas, quando o presidente da República é contra uma PEC enviada pelo seu governo, retira a pauta ou orienta os parlamentares de sua base a votarem contra. Então, que fique claro:  A PEC 32 é do presidente Bolsonaro. É bom que ele  não tente se desvincular da responsabilidade, como faz, por exemplo, com o preço da gasolina, dizendo o problema é o ICMS, que é  problema dos governadores. A PEC é tão dele que, neste momento,  discute-se no Congresso Nacional um valor para atrair os deputados para votarem a favor da PEC 32.

PODER Online – A educação foi sua bandeira durante as eleições. Continua sendo sua principal pauta? Como vê a educação no Brasil hoje?

PIB – Sou presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação do Congresso Nacional. É uma frente muito atuante, e a pauta da educação sempre vai ser central em minha vida pública. Sou professor de adolescentes e jovens, e sou cientista político. Essa é a pauta mais cara para mim. A educação no Brasil está abandonada. Há uma tentativa de sequestro da pauta da educação para uma pauta de costume. Deveríamos  discutir o problema da grave evasão escolar que voltou ao índice de 2001, um retrocesso de 20 anos. Mas o governo quer falar sobre homeschooling, que não atinge nem 15 mil crianças. Em em vez de discutir a necessidade que nós temos hoje de lutar contra a crise de aprendizagem, já que nossa crianças e adolescentes aprendem pouco, estamos com um governo que, se pudesse, discutiria o busto de Paulo Freire na frente do ministério  da Educação, escola sem partido, ideologia de gênero. Temos uma instabilidade inacreditável do Ministério da Educação, com vários ministros, todos eles alheios aos verdadeiros problemas da educação brasileira. Todos muito cordeiros ao aceitarem os cortes de verbas da educação, a falta de verbas para pesquisa nas universidades públicas, a falta de verbas para infraestrutura das escolas de ensino básico. O Enem é o pior da história. Tudo isso é preocupante. A pauta da educação precisa ser levada mais a sério, ainda mais nesse momento crítico que estamos vivendo.

PODER Online – Acredita na tal frente ampla nas próximas eleições? Existem no Brasil condições para a tão falada terceira via?

PIB – Entendo que a terceira via só é possível se as pessoas tiverem a grandeza de abrirem mão de suas candidaturas em prol do nome mais bem avaliado. Mas não vejo essa grandeza na classe política brasileira. Percebo que a alternativa hoje para derrubar o presidente Bolsonaro é o ex-presidente Lula. Tenho minhas críticas à gestão dele e à de sua sucessora. Mas também tenho elogios. Eu nunca me senti ameaçado do ponto de vista dos meus direitos, do ponto de vista da democracia, do ponto de vista de saber se teríamos eleições regulares. Isso hoje é muito importante.

PODER Online – O senhor será candidato nas próximas eleições? 

PIB – Eu sou pré-candidato à reeleição. Tenho um amor muito profundo pelo PV e acredito na pauta defendida pelo partido.  Mas as condições regionais me obrigam a buscar uma solução matemática. Há uma cláusula de barreira para vencer. Estou discutindo a minha ida para o Solidariedade. Isso só é possível porque o Solidariedade tem feito uma mudança de comportamento, inclusive declarando ser pelo impeachment do presidente Bolsonaro.  Isso é essencial.

PODER Online – Nesta sexta, dia dos Professores, qual a mensagem deixa a seus colegas de profissão?

PIB – A mensagem é: não tenham medo de serem influentes. Aceitem o papel social de transformar a nação, o papel social de mudar, educar, tornar melhores as mentes dos nossos estudantes