A expectativa só não era a pior possível porque com Bolsonaro o fundo do poço sempre parece um pouco mais além. O discurso que o presidente brasileiro entregaria na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça (21) vinha sendo precedido de um warm-up invejável, com o vexame antivax do presidente por Nova York – ele foi zoado pelo premiê britânico Boris Johnson, hostilizado pelo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e tendo de evitar entrar em restaurantes.
E então o português António Guterres, secretário geral da ONU, abriu a Assembleia Geral da entidade, de novo presencial, pegando pesado, não oferecendo eufemismos para o apocalipse climático que bate à porta. Guterres pediu cooperação, vacinas, esforços para diminuir a desigualdade entre ricos e pobres, acesso à internet para metade da população que é excluída digitalmente.
“Interdependência é a lógica do século 21”, concluiu, jogando uma ducha de água fria no antiglobalismo bolsonarista que já foi mais explícito nos tempos do ex-chanceler Ernesto Araújo.
Antes de Bolsonaro, numa mudança de protocolo, o presidente das Ilhas Maldivas, Ibrahim Solih, fez o primeiro discurso de chefes de países, talvez pelo fato de sua nação ser uma das primeiras a ser afetadas pelo apocalipse climático. “Nós somos uma pequena ilha, mas hoje somos gigantes”, disse, aduzindo depois que a civilização vive um “turning point” e este é um momento crucial para enfrentar os problemas do planeta. “Acredito no poder da humanidade”, disse, apresentando também os paradoxos de um planeta que produz alimento para “várias vezes” sua população e que boa parte dela passa fome.
Bolsonaro em seguida não conseguiu oferecer qualquer palavra de cooperação mundial. Lendo o teleprompter, buscou defender seu governo, falando da melhor “legislação ambiental” do mundo, da queda de desmatamento de “32% na Amazônia” comparando agosto de 2021 com agosto de 2020; convidou em seguida os demais chefes de estado a visitarem a “Amazônia”.
Sobrou também para o socialismo de que Brasil “estava à beira”, da família “tradicional”, disse que trabalhadores brasileiros “ficaram em casa por decisão de prefeitos e governadores” e fez defesa enfática do que chamou de “tratamento inicial” off-label contra a Covid-19 respeitando a relação “médico-paciente”.
“Que Deus abençoe a todos”, encerrou.