Uma personalidade destemida e uma audácia de fazer teatro no Brasil estão nas páginas de Ruth Escobar – metade é verdade (Sesc, R$ 70), biografia de um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro na segunda metade do século passado. O livro foi escrito pelo dramaturgo e pesquisador Alvaro Machado, que consultou o acervo guardado na última casa em que a produtora luso-brasileira morou em São Paulo, no Pacaembu.
No Brasil, Ruth Escobar (1935-2017) ajudou a reinventar o teatro nos férteis anos 1960. Mal pagas e estigmatizadas, as atrizes eram desprezadas por uma sociedade que considerava o trabalho no palco como um desvio de conduta. “Ela vislumbrou que precisava construir a própria companhia, para manter o nível das coisas que já tinha como jornalista e editora em Portugal”, diz Machado.
Com financiamento da comunidade portuguesa, o Teatro Ruth Escobar abriu as portas em 1963, com a simbolicamente engajada A Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht. “Ela se tornou então essa jogadora da produção teatral, perdendo e ganhando, e administrando ela própria conforme achava que deveria.”
Ali Ruth montou peças com escândalos morais para a época e apostou em uma montagem de vanguarda e libertária em meio à ditadura. Com trânsito na elite e no poder, a produtora se equilibrava entre um teatro que dependia do financiamento da classe alta paulistana ao mesmo tempo em que tocava em temas sensíveis e controversos para uma sociedade conservadora. “Ela captou dinheiro da burguesia durante décadas, mas produziu ataques frontais tanto à moralidade católica quanto à censura militar”.
Para Machado, Ruth contribuiu para arejar o ambiente teatral brasileiro, com a chegada de novos autores e diretores à cena, e a produção de festivais internacionais. “Ela trouxe esse adubo cultural e intelectual ao teatro”, diz.