O envolvimento das marcas com governos e suas políticas é assunto que costuma extrair dos representantes das empresas duas palavras: “no comments”. Quase nunca uma adesão totalmente voluntária, o apoio a um evento, campanha, enfim, um conjunto de interesses oficiais pode ser fruto de uma tentativa de se antecipar a um ambiente institucional conflituoso. Ou de fazer um “depósito no banco de favores” na expressão famosa do escritor e jornalista Tom Wolfe. Há uma crença de que hoje, por conta da ascensão de uma geração de consumidores mais engajada em temas como meio ambiente e diversidade, as marcas têm de ter muito mais cuidado em suas adesões. A Copa América, que Jair Bolsonaro decidiu trazer para o Brasil na undécima hora com a desistência de Colômbia e Argentina, é um caso modelar. Patrocinadores já fechados anteriormente decidiram se retirar por conta da inconveniência sanitária do torneio. O Brasil, como se sabe, caminha a passos de cágado na vacinação contra a Covid-19 e se vê bastante longe de uma curva efetiva de diminuição de casos, além de possuir o segundo número mundial absoluto de mortes. Mastercard, que patrocina o evento desde 1992, Ambev, que apoia a Seleção Brasileira, e Diageo, mastodonte de bebidas mundial, pularam fora.(Crédito: Carolina Antunes/PR)
Por outro lado, uma apoiadora incondicional do governo federal, a varejista Havan, disse “Tô dentro!” Completamente identificada com o bolsonarismo, apoiando pessoalmente pautas polêmicas, como o fim do distanciamento social a qualquer momento da pandemia, a Havan se mistura, ou, melhor dizendo, é seu controlador, Luciano Hang. Se isso vai contra a cartilha de governança e os tão falados princípios ESG que hoje uma certa narrativa empresarial vê atuarem sobre o capitalismo, Hang de fato não está nem aí. Num vídeo promocional que postou em suas redes sociais na quinta (10), o empresário mostra sua grande intimidade com a redonda e, entusiasmado, anuncia a confirmação da Copa América para o Brasil. Nenhuma palavra, claro, sobre Covid-19. De quebra, o varejista não se furta a mostrar o logotipo do SBT, que tem os direitos de transmissão do torneio. A Havan é patrocinadora da emissora, e o empresário é convidado semana sim, outra também, a dar a cara nos programas do SBT. (Crédito: Reprodução)
O envolvimento de empresas com o ciclo militar brasileiro pode parecer uma aberração hoje em dia, dado o regime de exceção implantado com o AI-5 e a tortura e as mortes que tiveram lugar especialmente durante os anos Médici. Mas o enorme conjunto de empresas que de alguma forma coonestou o regime, mesmo já em seus estertores, no governo Figueiredo, indica alguma dificuldade para um posicionamento diverso. A Comissão Nacional da Verdade, formada sob o governo Dilma Rousseff, relatou envolvimento de 80 empresas com espionagem e delação de seus próprios funcionários. O setor automobilístico e outras indústrias metalúrgicas, além de estatais, embarcaram em peso nesse macartismo tropical, notadamente para controlar o surgimento do movimento operário do ABC, no fim dos anos 1970. (Crédito: Sindicato dos Metalúrgicos do ABC)
Durante a Guerra Fria, o capitalismo sempre afirmou estar do lado do desejo e de uma certa ideia de liberdade para se contrapor aos regimes planejados e totalitários do comunismo. Berlim Ocidental, a pequena ilha capitalista em meio a um oceano de Alemanha comunista, talvez seja o locus mais dramático da afirmação desse desejo. O Muro de Berlim foi erguido a partir de 1961 para tentar conter o fluxo de alemães orientais para o lado capitalista, mas não deu conta de impedir que vissem – e sonhassem – com o estilo de vida do lado ocidental. E no lado capitalista o Europa Center, um edifício com andares comerciais e shopping center, bastante à americana, tornou-se, para os moradores de Berlim Oriental, a epítome do que ardentemente queriam – e não poderiam ter. Inaugurado em 1965, tinha no topo de seus 86 metros (cerca de 28 andares), a estrela giratória que se tornou o logotipo clássico da Mercedes Benz. De dia ou de noite, quando então iluminada por quase 700 tubos de luz fluorescente, a estrela despertava nos moradores do lado oriental desejos conspícuos de mandar Walter Ulbricht ou Erich Honecker, os líderes da Alemanha comunista, ou mais propriamente Kruschev ou Brejnev, os chefes soviéticos, para o inferno. Se a busca maior de qualquer marca é ser desejada, a Mercedes talvez fosse nos anos 1960 o que a Apple, guardadas as proporções, sonha ser hoje. (Crédito: BMWI)