A CPI da Covid-19, que deve encerrar suas inquirições na
próxima semana e ter seu relatório votado daqui a poucos dias,
foi pródiga em momentos de grande dramaticidade. Diante de
testemunhas que negavam fatos ou se recusavam a dar
respostas, senadores que não tinham pejo em repetir, sessão
após sessão, o mesmo catecismo, houve revelações
importantes. Hoje já é difícil lembrar, mas medalhões do
governo Bolsonaro foram ouvidos, como o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, que voltou a ser chamado, seus três
antecessores na pasta, o ex-ministro das relações Exteriores,
Ernesto Araújo, e vários outros personagens aparentemente
secundários, mas que contribuíram com revelações para a
investigação da péssima gestão federal no combate à
pandemia no Brasil. A “série” já começou quente, em 12 de
maio, quando o ex-chefe da secretaria da Comunicação
(Secom), Fabio Wajngarten, foi ameaçado de prisão por mentir,
segundo o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). A fala de Renan
motivou réplica do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ),
figura menor na CPI, mas que comparecia ali quando estrelas
do governo de seu pai eram ouvidos. 01 disse: “Imagina a
situação: um cidadão honesto ser preso por um vagabundo
como Renan Calheiros. Olha a desmoralização. Estão
perdendo a visão do todo”. Renan devolveu: “Vagabundo é
você que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete”. Em
seguida, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da
comissão, instou o presidente, Omar Aziz (PSD-AM), a “tomar
providências” pela “flagrante falta de decoro”. Ao que o
governista Marcos Rogério (DEM-RO) devolveu: “Já teve muita
quebra de decoro aqui dentro, Randolfe”.
(Foto: Pedro França/Agência Senado)
Em 29 de setembro, mesmo avisado sobre o horário exato em
que deveria estar na CPI, o empresário Luciano Hang, mais
conhecido como Véio da Havan, se atrasou por estar no
banheiro fazendo mais um de seus vídeos para as redes sociais.
Hang tratou a sessão como peça publicitária: convocado para
falar sobre um suposto financiamento de notícias falsas na
internet envolvendo tratamentos ineficazes contra a Covid-19,
apareceu com traje verde e amarelo, falou que suas críticas à CPI tinham viés “de humor” e aproveitou muitos mementos
para fazer propaganda de sua rede varejista. O depoimento
durou cerca de seis horas, com direito a acalorada discussão,
novamente, entre Renan e 01. Em sua fala inicial, Calheiros
comparou Hang a um “bobo da corte”, alguém que,
“bajula o rei e desvia a atenção dos reais problemas”. Flávio considerou a
fala falta de decoro, e arrematou: “Deu vontade de vir ao circo
hoje, com todo respeito aos palhaços. Palhaço leva alegria, a
CPI só está dando tristeza”. Na sessão, Hang confirmou que
arrecadou dinheiro para comprar o chamado “kit Covid” mas
negou a distribuição de medicamentos. Por isso, ouviu do
presidente Aziz que agiu “monstruosamente”. O empresário
afirmou na última terça (5) que decidiu processar os senadores,
em todas as jurisdições possíveis, contra “menções, acusações,
ilações e narrativas” contra ele.
(Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)
No que talvez tenha sido a mais emocionante sessão de
todas as da CPI, excepcionalmente numa sexta-feira de
junho, a dos irmãos Miranda – o deputado Luis Miranda
(DEM-DF) e o servidor do ministério da Saúde Luis Ricardo
Miranda –, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e
Simone Tebet (MDB-MS) subiram ao “main stage” da
comissão. Foram eles que conseguiram arrancar do deputado
o nome de outro deputado federal, Ricardo Barros (PP-PR),
que estaria por trás da compra suspeitíssima – e depois
cancelada – das vacinas indianas Covaxin. O feito se deveu
à Tebet, que fez uma fala de tom compreensivo e maternal
para acolher o deputado federal Luis Miranda, que havia
sido triturado por Vieira na inquirição anterior. Vieira, por
videoconferência, disse que faltava ao deputado “coragem”.
“Coragem, deputado, não é só para brincar na Internet (…) O
seu irmão cumpriu a [missão] dele, o senhor faltou com sua
missão”. Em seguida, a Tebet, Miranda entregou Barros. O
acusado usou o Twitter para se defender e disse que não
tinha envolvimento algum com os fatos citados. Ele chegou
a ser convocado pela CPI, mas, gato escaldado, conseguiu
driblar os senadores e a comissão acabou mais cedo,
fragilizada diante da habilidade política do ex-ministro da
Saúde de Michel Temer.
(Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
A comissão foi pródiga em promover hashtags e memes e
colocar certas sessões no trend topic das redes sociais.
Diversos bordões, vícios e cacoetes dos senadores foram
amplificados. Ganhou a posteridade o bordão “Atentai, Brasil”,
repetido por Marcos Rogério, assim mesmo, no imperativo e na
vetusta segunda pessoa do plural. O governista aplicou a
expressão para tentar mostrar que a maioria oposicionista que
comanda a CPI buscava construir uma “narrativa”, dissociada
dos fatos, para justificar posição contra Bolsonaro. O “Atentai,
Brasil” de Marcos Rogério teve nos reiterados ataques de
Eduardo Girão (Pode-CE) ao Consórcio Nordeste, formado
pelos governadores da região. Independente de quem era o
convidado das oitivas, Girão aludia a um desinteresse da CPI
em investigar os governadores, ainda que consciente de que
isso era cabível às assembleias legislativas estaduais. O
preconceito populista de Girão contra a maconha era também
mixada à fala, já que uma empresa ligada à erva medicinal, de
São Paulo, estaria por trás de um contrato suspeito de compra
de ventiladores hospitalares pelo governo da Bahia. Não raro,
Girão começava sua fala citando Mahatma Ghandi.
(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)