4 feridas ambientais brasileiras levadas a Joe Biden
4 feridas ambientais brasileiras levadas a Joe Biden
22/abril/2021 por Lincoln
Compartilhe
Jair Bolsonaro participa nesta quinta-feira (22), o Dia da Terra, de encontro virtual com Joe Biden e outros presidentes de 40 países, numa prévia da Conferência do Clima, em novembro. Ele representa um Brasil que, na sugestiva imagem do PowerPoint do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em encontro preparatório com John Kerry, secretário de Governo norte-americano, foi apresentado como um cachorro salivando para frangos de televisão com cifrões em seus corpos. O país agora esmola o dinheiro do bilionário Fundo Amazônia que a gestão Salles/Bolsonaro esnobou ao abrir luta com ONGs de longa atuação na região e ao extinguir comitês gestores. Essa foi apenas uma das ações – ou omissões – que levaram o país a se tornar pária também ambiental, apesar de deter uma matriz energética limpa, ter tecnologia de desenvolvimento de etanol e contar com grande conhecimento e expertise na área. Na imagem do engenheiro florestal Tasso Azevedo, o país tem vocação para ser uma potência ambiental, mas parece ter abandonado essa “vontade de potência” recentemente. A questão mais sensível da má conduta ambiental brasileira é o desmatamento, estimulado pela afrouxamento da fiscalização, pelas sucessivas trocas de superintendentes do Ibama e pela própria gestão do ministro Salles na defesa de madeireiros, como no imbróglio que o levou a ser objeto de notícia-crime movida pelo então superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva. Na peça, Salles e o senador Telmário Mota (Pros-RR) são acusados de formar organização criminosa para beneficiar madeireiros ilegais e criar obstáculos à fiscalização da PF e do Ibama. Seria um completo contrassenso não fosse a agenda de Salles e Bolsonaro exatamente essa, e anunciada não poucas vezes. Houve a famosa reunião ministerial de abril de 2020, em que Salles sugeriu aproveitar a atenção da mídia com a Covid-19 para ir “passando a boiada”, ou seja, lançando mão de decretos e normas que prescindem de anuência parlamentar, e a frase de Bolsonaro “temos de desconstruir muita coisa” dita uma vez.
(Créditos: Marcos Corrêa/PR)
O desmatamento é rampante sob Bolsonaro. O dado de março de 2021, se levado à mesa para Joe Biden, não vai ser bonito. Segundo o monitoramento por satélite do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a região teve 810 km2 de seu território desmatado. É o pior março desde 2011 e, em comparação a março de 2020, houve aumento de 216%. O primeiro trimestre de 2021 já concentra o dobro da área desmatada do mesmo período de 2020. E isso porque 2020 não foi lá essas coisas – ou melhor: foi um ano bem ruim, registrando o maior desmatamento da década, 11 088 quilômetros quadrados. A narrativa oficial é que as emissões de C02 brasileiras representam apenas 3% das mundiais – e o desmatamento, no caso do Brasil, é o grande vilão. Mas dado que os grandes emissores, China e Estados Unidos, começam a disputar uma corrida para reduzir seus números e por assumir a vanguarda do “Green Deal”, as metas reafirmadas nas últimas cúpulas pelo Brasil, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como base o padrão de 2005, parecem tímidas demais. De fato, empresários agora sugerem emissão zerada (neutra) até 2050, um objetivo bem mais auspicioso que o oficial – que é de fazê-lo apenas em 2060; além disso, Bolsonaro repetiu Dilma e em sua carta a Joe Biden sugeriu compromisso com desmate zero em 2030. E apesar das juras de comportamento ambientalmente correto para Biden, o projeto apresentado pelo Governo Federal para endereçar o problema do desmatamento da Amazônia é tímido em suas metas e insuficiente em seu detalhamento. O Plano Amazônia 2021/2022, que veio a lume na quarta-feira (14), não apresenta orçamento nem declina o contingente necessário de trabalhadores para sua consecução.
(Créditos: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Na gestão ambiental brasileira, é difícil afirmar qual a seção mais prejudicada nestes últimos três anos, mas certamente a questão indígena tem grande apelo internacional. Um dos primeiros projetos enviados à Câmara pelo Executivo sob Bolsonaro, e ignorado pelo então presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi o de mineração em terras indígenas – que, de qualquer forma, se dá crescentemente ao arrepio da lei. No rio Madeira, por exemplo, diversas balsas extraem o minério do fundo do rio, e a sede do Ibama na vizinha Humaitá (AM) foi incendiada por garimpeiros após operação isolada de combate a essa atividade. Outro problema para os indígenas, os estudos para demarcação de suas terras foram suspensos. Não é de estranhar, assim, que o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, tenha se reunido diretamente com representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), na segunda (12), após Joe Biden receber uma carta na entidade pedindo um “canal direto com os Estados Unidos”. No documento, a Apib menciona o aumento no desmatamento, o enfraquecimento contínuo dos órgãos de controle ambiental e o polêmico projeto engavetado por Maia. Já o cacique Raoni Metuktire, bastante conhecido internacionalmente, dirigiu-se diretamente a Biden, em vídeo, na quinta (15). Disse: “O presidente deste país tem contado muitas mentiras (…) Se esse mau presidente te falar alguma coisa, ignore-o.”
(Créditos: Apib)
Não é por falta de cartas que Joe Biden irá deixar de conhecer a situação periclitante do meio ambiente brasileiro e as decisões governamentais que têm levado a ela. Com coordenação do capixaba Renato Casagrande, 24 dos 27 governadores brasileiros também entregaram ao embaixador Todd Chapman um documento em que “manifestam interesse no desenvolvimento de parcerias e de estratégias de financiamento, visando impulsionar o equilíbrio climático, a redução de desigualdades, a regeneração ambiental, o desenvolvimento de cadeias econômicas verdes”. Só mesmo os empedernidos bolsonaristas governadores de Rondônia, Roraima e a interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr, não subscrevem o documento. A chamada coalizão Governadores Pelo Clima, que se define como “ampla e diversa, envolvendo progressistas, moderados e conservadores, de situação e de oposição”, foi sutil no texto, ignorando Bolsonaro, que não é mencionado uma única vez. “Os Estados brasileiros têm enormes capacidades de contribuir com a captura de emissões globais, aumentando a ambição da NDC nacional [programa de metas ambientais], reduzindo a pobreza, desenvolvendo novos arranjos econômicos e fortalecendo comunidades indígenas.” (Créditos: Gov/ES)