Poucas vezes o mundo chegou às vésperas de uma COP, a “Conferência das Partes”, tão alerta de que a casa está caindo – ou que a casa já caiu – quanto agora. A COP-26, que começa domingo (31), em Glasgow, na Escócia, foi precedida pela publicação, em 253 revistas científicas, de um mesmo texto editorial alertando para a maior ameaça global à saúde da população da Terra – o fracasso dos líderes mundiais de conter a elevação da temperatura média da Terra, o que, segundo consenso, vem provocando eventos climáticos extremos e matando, por exemplo, em razão do calor e dos alagamentos. Os países chegam a esses encontros com propostas – supostamente concretas – de redução de emissões de gases produtores do efeito estufa, os NDCs, na sigla em inglês. O uso de combustíveis fósseis pelos principais emissores, China e Estados Unidos, e no caso do Brasil por conta do desmatamento ilegal, são os grandes vetores de emissão, por isso as nações hoje buscam alternativa à exploração de petróleo. A eletrificação dos veículos e o uso das matrizes eólica e solar vêm se acelerando, mas não na velocidade necessária. Como países não têm, feliz ou infelizmente, autonomia para intervir em outros, a responsabilidade compartilhada não é devidamente adotada, com as nações desenvolvidas sendo cobradas por aquelas que emitem menos. Essa tem sido a postura do Brasil, desde 2019 um pária em assuntos ambientais pelas ações e inações do governo Bolsonaro. O Brasil chega a esta COP com metas pouco ambiciosas, regredindo em relação às rodadas anteriores da conferência. Na foto, alagamento em Nova York (Crédito: Reprodução/Twitter)
Se fosse um jogo de pôquer, a mão que o Brasil teria a mostrar na COP estaria mais para um par de 8 do que um trio de ases. Trata-se do Plano Setorial de Adaptação na Agropecuária, apresentado na última segunda-feira (25). Há a promessa de redução de emissão de carbono em 1,1 bilhão de toneladas pelo setor agropecuário até 2030. “Por meio de iniciativas sustentáveis, o Brasil continuará a fortalecer a agropecuária, um dos setores mais vulneráveis à mudança do clima”, disse, protocolarmente, como sempre, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Nos últimos anos, o Brasil, se credenciou para aumentar em 400 milhões de toneladas suas emissões até 2030, o que significa ampliar as taxas de desmatamento recordes de Jair Bolsonaro. Por outro lado, com a emergência climática sendo elevada à agenda de preocupações dos líderes Joe Biden e Xi Jinping, houve avanços (ou promessas de). No encontro virtual sobre o clima promovido por Joe Biden, em abril, Jair Bolsonaro disse que em 2030 o Brasil se livraria do desmatamento ilegal e em 2050 chegaria à neutralidade das emissões de carbono. O compromisso com o fim do desmatamento ilegal é criticado por especialistas, como o economista Ricardo Abromovay, que disse a PODER que Bolsonaro assim apenas promete que demorará nove anos para “cumprir a lei”. Na imagem, Jair Bolsonaro e ministros durante a Cúpula do Clima este ano
(Crédito: Marcos Corrêa/PR)
Uma questão central em toda a COP é a regulação do mercado de carbono, medida que vem sendo estudada neste momento pelo parlamento brasileiro. Para ONGs como o Greenpeace, regular esse mercado significa dar aos países licença para emitir carbono, uma vez que taxar as emissões não implica necessariamente em reduzi-las. Essas taxas seriam destinadas aos países que ficam abaixo das metas de emissão. “Em vez de políticas de compensação de carbono, defendemos que os países se comprometam com uma mudança sistêmica com foco em energias renováveis, floresta em pé, agroecologia, respeito aos povos indígenas e comunidades tradicionais, em conjunto com a cooperação entre os países para o desenvolvimento de mecanismos de financiamento de não mercado. Os governos precisam se concentrar na elaboração de metas ambiciosas e planos de ação concretos em suas NDCs, além de diretrizes firmes para que as empresas reduzam diretamente as emissões em suas atividades”, publicou, em nota, a seção brasileira do Greenpeace. Na imagem, o líder chinês Xi Jinping durante pronunciamento no Fórum Econômico Mundial (Crédito: Reprodução/ONU)
No Brasil, é consensual entre o Terceiro Setor que a agenda sobre o uso da terra em discussão no Congresso, com a flexibilização do licenciamento ambiental, é visto como mais “estímulo à grilagem”, especialmente na Amazônia, com florestas dando lugar a pastos e depois a grandes áreas completamente abandonadas. Esse é o ciclo pernicioso do Brasil, que usa pouca energia de matriz suja, oriunda de combustível fóssil em relação a outros países. Embora tenha grande apoio de seções do agronegócio, o governo Bolsonaro vem sendo tão inoperante na pauta ambiental que foi capaz de mobilizar a iniciativa privada e o próprio agrobusiness para ações efetivas nos últimos anos. São elas, por exemplo, a ampliação do rastreamento do fornecimento do gado, com gigantes da proteína animal comprando de pecuaristas que (supostamente) não desmatam; e a exigência de ações de sustentabilidade, para que empresas tenham acesso a fundos ESG, cada vez mais abundantes. Na imagem, área desmatada da floresta amazônica no Pará
(Crédito: Ana Cotta/S.O.S Amazônia)