Do PSDB com tintas sociais-democratas, ou, como no manifesto que o lançou, em 1988, disposto a lutar pelo parlamentarismo, pela melhoria dos serviços públicos básicos e de distribuição de renda e ainda combater as desigualdades regionais, parece ter sobrado pouco. Ao lado do PT principal agremiação política nas primeiras décadas da redemocratização, o PSDB foi com o tempo se tornando ideologicamente amorfo. Praticamente varrido do Senado, casa em que possui dois representantes; e da Câmara Federal, em que militam 14 deputados, o partido colheu o que plantou com a adesão mais ou menos velada ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A sigla sobreviveu a 2022 com a eleição de três governadores, e um deles, Eduardo Leite (RS), hoje presidente da sigla, tenta reviver algo dos tempos de mais fartura – a reabilitação do deputado Aécio Neves (MG) pode, quem sabe, ajudar. A história de autofagia da sigla se perde no pré-cambriano, mas para esta conversa não ir muito longe, pode ter no flerte de Fernando Henrique Cardoso com um total outsider, o hesitante apresentador Luciano Huck, nas eleições de 2018, na esteira da Lava Jato e da chamada antipolítica, uma síntese do que se tornou a sigla. Mesmo tendo um candidato potencialmente competitivo naquela disputa, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o ex-presidente Cardoso disse em fevereiro de 2018 que uma candidatura de Huck “seria boa para o Brasil”. (Crédito: Reprodução)
Seria injustiça dizer que Alckmin foi o único a não reconhecer os sinais de que a campanha presidencial de 2018 seria completamente distinta das pregressas, por conta da vaga moralista e justicialista que dominava corações, mentes e, mais importante, a mídia, naqueles tempos que hoje parecem antediluvianos. Mas o homem, criticado pelo próprio inner circle por olhar “a árvore, não a floresta”, insistiu num discurso passadista, evocando até Juscelino Kubitscheck. Em entrevista a esta PODER, em seus últimos dias no palácio do Bandeirantes, citou explicitamente JK: “Percorrerei o Brasil de norte a sul pregando nas praças públicas a união nacional”. E disse ainda que o povo “estava um pouco cansado de briga”. Deu no que deu – uma votação insignificante –, a despeito de contar com o maior tempo de propaganda eleitoral e uma aliança partidária robusta, com o PP, partido que hoje apoia Bolsonaro. Veio, contudo, a eleição de 2022, e Lula, procurando uma frente ampla, achou-a em Alckmin, que trocou rapidinho o PSDB pelo PSB e foi eleito vice-presidente. (Crédito: Roberto Setton/Poder)
Os fins justificam os meios, dizem os pragmáticos, os cínicos e os amorais. Mas mesmo a conversão oportunista para o segundo turno da eleição de 2018, quando criou o slogan “Bolsodoria”, parece ter sido um pouco além da conta para João Doria – aquele empresário que elegeu-se na antipolítica em 2016 para prefeito de São Paulo, ficou ali por um ano, e depois no Bandeirantes por outros três. Doria, como se sabe, lançou-se cedo demais à presidência, considerando que a paternidade na vacina chinesa seria suficiente. Não foi, e sua candidatura foi cortada pela raiz na mesma hora em que ele deixou o governo, cumprindo acordo de liberar a vaga para seu vice, Rodrigo Garcia. Deu peninha. (Crédito: Governo de São Paulo)
Realizar uma eleição interna para decidir o candidato majoritário soa democrático, mas o partido que assim procede corre riscos de soçobrar num processo inexorável de autocombustão. E isso aconteceu com o PSDB quando Doria mediu forças com Eduardo Leite, em 2021. Houve acusações de filiações fora de prazo, impugnações pedidas por executivas regionais e, pior, expurgos. A ironia, mais uma, é que Doria, pode-se dizer, criou seu adversário, quando, em fevereiro, decidiu fazer um putsch interno e, na própria presença do então presidente da sigla, o ex-deputado federal Bruno Araújo, destituí-lo. Deu tudo errado, e uma comitiva de cabeças pretas apareceu ato contínuo no palácio Piratini, obrigando Leite a, docemente, aceitar a “missão” de antagonizar o homólogo paulista. (Ele precisou também contratar um chefe de cerimonial, mas isso não vem ao caso agora.) (Crédito: Reprodução YT/ Estadão)