RESGATE VERDE-AMARELO

Se o Brasil fosse uma marca, seus atributos de personalidade fariam do país uma love brand. Ainda assim, a performance de fidelização e propósito seria muito bai- xa junto ao público. Ana Couto, executiva que liderou uma das mais completas pesquisas sobre o valor que o país gera, avalia possíveis cenários para virar esse jogo

POR DOLORES OROSCO

O jovem brasileiro ama a brasilidade, mas, se pudesse, viveria em outro país. Seguido por Anitta e Neymar, Pelé continua a ser lembrado como a personalidade que mais representa o Brasil. E, por falar em representatividade nacional, há um saudosismo generalizado pelas cores da bandeira – mas sem a sombra político-partidária que acinzentou o verde-amarelo nos últimos anos. Esses são alguns dos diagnósticos da pesquisa “Branding Brasil – O Valor que o País Gera”, um dos mais completos estudos já realizados sobre a relação dos brasileiros com sua pátria.

Liderado pela agência Ana Couto, referência em estratégia de marca e publicidade há 25 anos, o levantamento fez 2.500 entrevistas nas cinco regiões do país, além de reunir 600 mil tuítes e depoimentos de 150 participantes de comunidades on-line sobre temas ligados aos marcos e símbolos nacionais. No mínimo desafiador, considerando o zeitgeist polarizado em que o país se encontra.

‘‘Essa dicotomia de ‘o Brasil é ruim, mas ser brasileiro é ótimo’ é como se fosse uma terceirização de responsabilidade. O Brasil é uma coisa, o brasileiro é outra”

“Este ano é emblemático para o Brasil, por isso mergulhamos nessa pesquisa. Tivemos os 100 anos da Semana de Arte Moderna, os 200 da Independência, Carnaval praticamente duas vezes depois de dois anos de pandemia, além das eleições e a Copa do Mundo vindo aí”, diz a CEO Ana Couto, que acumula na estante prêmios de publicidade como o do Wave Festival e o Profissional do Ano de Comunicação – Design, pela Associação Brasileira de Propaganda. “A principal conclusão desse estudo é de que é errada a ideia de que o país está dividido, de que está todo mundo brigando. Na verdade, quem está brigando são as pontas, os extremos. Quem está no meio disso, que é a maioria, sente saudade da brasilidade, quer entender o que pode nos impulsionar e acredita que podemos fazer muito mais do que fazemos.”

Ana explica que o Brasil foi avaliado como se fosse um produto – e, sendo assim, qual a relação o público teria com ele. “Quando falamos em fidelização e propósito de marca, o Brasil aparece muito enfraquecido. Cerca de 55% dos jovens morariam em outro país se pudessem. No que a gente compartilha e gera de positivo, a performance também é muito baixa”, diz Ana, que cita fatores históricos para isso. “Não temos uma história única, com algo que todos compactuem. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Constituição é um documento sagrado, que está muito bem guardado, enquanto a nossa ninguém sabe direito onde fica. Somos o país do futuro, sem um plano de futuro.” No entanto, o Brasil não deixa de ser uma marca amada, diz Ana. Palavras como “alegre”, “acolhedor”, “criativo” e “trabalhador” foram as mais citadas como atributos de personalidade do país por cerca de 60% dos ouvidos na pesquisa. “Essa dicotomia de ‘o Brasil é ruim, mas ser brasileiro é ótimo’ é como se fosse uma terceirização de responsabilidade. O Brasil é uma coisa, o brasileiro é outra”, avalia a executiva. “E o que essa terceirização traz? Somos um país isolado, que muda de rumo o tempo todo, que passa muito tempo rivalizando”, completa.

Furar a bolha da pobreza e conquistar o mundo, no inconsciente coletivo, é uma demonstração da força do que é ser brasileiro, como mostrou a pesquisa. Não à toa, Pelé, Anitta e Neymar foram as celebridades mais citadas como “a cara do Brasil”.

 

‘‘É errada a ideia de que o país está dividido. Quem está brigando são as pontas, os extremos. Quem está no meio disso, que é a maioria, sente saudade da brasilidade, quer entender o que pode nos impulsionar e acredita que podemos fazer muito mais do que fazemos”

PROPÓSITO COMUM

Desde a divulgação da pesquisa, Ana vem sendo procurada por diversas marcas cujo interesse é estar alinhada com o projeto de resgate de patriotismo e identidade civil brasileira – especialmente em ano de Copa do Mundo, quando esse sentimento fica à flor da pele. “O empresariado passou muito tempo em um lugar de descrença e pouco compromissado com o país no sentido de construir valor. Hoje, eles estão sendo muito mais cobrados nesse setor de ESG [environmental, social, and corporate governance, sigla em inglês que define qual o envolvimento de uma corporação com questões sociais e ambientais]”, afirma.

Para Ana, com a crise da Covid empresas e marcas adotaram um discurso de coletividade e de fazer a diferença muito mais articulado. “O Blackrock, o maior fundo de investimento do planeta, já declarou que só vai apostar em organizações que tenham um propósito claro, que engaje e crie impacto positivo. Com isso, puxou muito esse movimento da luta pelas questões climáticas e de diversidade. São compromissos que não têm mais volta e que geram valor”, informa Ana. “Quem não está se posicionando e respondendo a isso, vai ficar ultrapassado. Porque o mercado está cada vez mais competitivo, existe uma pressão social muito grande. Isso faz parte de um amadurecimento do século 21.”