Por Caroline Marino
Basta pensar positivo. Muitas vezes você já deve ter ouvido esse conselho depois de relatar uma operação que não está dando certo na empresa ou uma experiência pessoal frustrada. É como se bastasse acreditar para as atividades darem certo. Inúmeros livros de autoajuda foram lançados nos últimos anos com receitas para a felicidade plena e para abafar os pensamentos negativos. Isso sem contar as redes sociais, recheadas de vidas incríveis, trabalhos perfeitos e pessoas realizadas. Em meio a tanta perfeição vista no mundo virtual, muita gente passou (e ainda passa) a acreditar que a vida do vizinho ou do colega de trabalho é bem melhor. Essa falsa sensação de que a maioria está se sentindo plena e feliz impele o “descontente” a mudar e a transformar a sua vida também, tendo como uma das estratégias para isso… pensar positivamente.
De tão compartilhada, essa forma de encarar os problemas tem levado muitos especialistas a tratar da positividade tóxica. É a happycracia. Apesar de ainda não haver uma definição científica, de maneira simples, trata-se de uma abordagem disfuncional do gerenciamento emocional, que exagera no lado positivo suprimindo os aspectos negativos relacionados. Ela diz que as pessoas devem focar sempre nas coisas boas e deixar os problemas de lado, pois, se pensar em pontos negativos, eles ficarão ainda maiores.
A psicanalista Claudia Cavallini, consultora e professora na HSM Educação Executiva, explica que esse comportamento tem origem na psicologia positiva, difundida a partir do fim da década de 1990 pelo psicólogo Martin Seligman que, na época, era presidente da Associação Americana de Psicologia. Segundo ele, devemos deixar de olhar para os pilares negativos e focar nos positivos. Essa seria a ciência da felicidade e o que levaria ao sucesso e à motivação. “Com isso, a fala do negativo começou a perder espaço nas empresas, que passaram a usar discursos como ‘você consegue’ ou ‘vai dar certo’, mesmo diante de metas impossíveis. E quem ia contra esse movimento era considerado reativo e pessimista”, afirma Claudia. De acordo com ela, com a pandemia, percebeu-se que a angústia e os problemas estão perto de todos e essa positividade excessiva foi questionada. “A vida não é legal sempre e problemas existem. Hoje, o que não é positivo é um líder que não acolhe os sentimentos das pessoas”, diz.
O SEGREDO É O EQUILÍBRIO
Ninguém está falando em não pensar positivo. Isso faz sentido e ajuda em muitos momentos, mas começa a dar errado quando você passa a jogar para debaixo do tapete as questões negativas e as dificuldades. “É perfeitamente legítimo pesquisar os fatores que aumentam o bem-estar, fornecem ‘experiências ótimas’ e melhoram os níveis de desempenho. Mas, nas mãos de consultores e coaches — e de gestores entusiasmados que frequentaram breves cursos de ‘liderança positiva’ —, a psicologia positiva rapidamente foi reduzida a uma ferramenta para calar as críticas”, diz Svend Brinkmann, professor de psicologia da Universidade de Aalborg e autor de Positividade Tóxica – Como Resistir à Sociedade do Otimismo Compulsivo (Ed. BestSeller).
Um levantamento feito pelo especialista Rob Kaiser, presidente da Kaiser Leadership Solutions, que atua na avaliação e desenvolvimento de líderes, mostra que mesmo as competências adaptativas se tornam inadequadas quando levadas ao extremo. Isso quer dizer que forças excessivas podem se tornar fraquezas. E calar as críticas e bloquear emoções negativas pode ter um preço caro para a sua saúde. Um estudo publicado na revista científica Journal of Personality and Social Psychology mostra que pessoas que evitam entrar em contato com sentimentos negativos têm mais problemas de saúde mental do que as que costumam aceitar todas as suas emoções. Isso porque, tudo levado ao extremo é prejudicial. Algumas análises científicas apontam que a maioria das pessoas perde muito tempo insistindo em objetivos irreais. Mesmo quando comportamentos passados sugerem que é improvável que as metas sejam atingidas, o excesso de confiança e um grau acima da média de otimismo fazem com que as pessoas desperdicem energia em tarefas inúteis.
“Há narrativas exaustivas de vidas incríveis. E isso acontece também no trabalho. Nas mídias sociais vemos tudo fantástico, com pessoas satisfeitas e orgulhosas e práticas incríveis de gestão, mas quando realizamos a escuta de sofrimento do trabalho, uma prática clínica, ouvimos muita dor”, afirma a psicóloga Carla Furtado, fundadora do Instituto Feliciência e autora do livro Feliciência: Felicidade e Trabalho na Era da Complexidade (Ed. Actual). Os números mostram isso. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com maior incidência de ansiedade e o quinto com mais pessoas sofrendo de depressão. Já a síndrome de burnout, de esgotamento no ambiente de trabalho, nos coloca em segundo lugar, de acordo com a International Stress Management Association (Isma-BR).
CARREIRA PREJUDICADA
Além dos problemas de saúde mental, Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia da People & Results, especializada em carreira e cultura empresarial, explica que a positividade tóxica faz com que as pessoas percam a oportunidade de usar as dores e dificuldades para evoluir profissionalmente. “Se sempre penso que tudo vai dar certo, não aprendo e paro no tempo”, diz. Segundo ela, ao olhar as duas metades do copo – cheia e vazia – é possível exercitar o senso crítico, tão importante para conseguir tomar boas decisões e evitar ciladas. Além disso, ajuda na inovação, na criatividade e na solução de problemas. Outro perigo da positividade tóxica é fechar os olhos para os problemas que podem prejudicar a carreira. Ela dá dois exemplos. “Quando você vê tudo com olhos de Poliana pode insistir em projetos que não têm futuro, prejudicando os resultados e sua imagem profissional, ou cometer um erro e não se dar conta, o que pode gerar até uma demissão”, diz.
“Se sempre penso que tudo vai dar certo, não aprendo e paro no tempo. Ao olhar as duas metades do copo – cheia e vazia – é possível exercitar o senso crítico, tão importante para tomar boas decisões” Maria Candida Baumer de Azevedo, consultora de carreira
O que acontece é que esse discurso de “precisamos ser positivos” vem, muitas vezes, da liderança. “Apesar desse modelo estar ultrapassado, ainda vemos uma geração de gestores com esse pensamento, no qual nem ele mesmo pode desacreditar da meta que estipulou, por exemplo. Trata- -se de uma liderança tóxica e que não ajuda nos resultados”, conta Claudia. Segundo ela, os novos líderes admitem a vulnerabilidade, olham o lado humano entendendo que o outro sofre em alguns momentos. “Sai de cena o super-herói e entra o gestor colaborativo e empático”, revela.
Na visão de Carla, com essa busca desenfreada pela positividade em tudo, estamos impingindo um sofrimento desnecessário às pessoas. “Quando exigimos que os profissionais não sejam humanos, ou seja, não tenham medo ou angústia, isso gera dor”, afirma. E todos perdem: o profissional, que fica doente; a família, que se preocupa; e a empresa, pois o funcionário vai se afastar, o clima fica pesado e os resultados são prejudicados. “Quanto custa para as empresas não cuidar das pessoas?” Essa é a pergunta que deve ser respondida
FUJA DO OTIMISMO DESENFREADO
👉Veja como não ser tomado pela positividade tóxica
👉Se permita ficar triste. É essencial aceitar que nem sempre as coisas são como gostaríamos;
👉Nunca leve uma opinião isolada à risca. Sempre busque saber se mais pessoas acreditam no mesmo que você. Só depois disso encare como real o que está pensando;
👉Desconfie de pessoas que nun- ca enxergam o lado ruim das coisas;
👉Tenha ao seu lado colegas críticos e exigentes para contrapor a visão positiva demais;
👉Entenda que problemas e pontos negativos sempre vão existir. Se você não os enxerga de primeira, deve buscá-los para ter uma visão real da situação;
👉Nunca se deixe levar pelas aparências. Nenhuma vida é perfeita, nem do seu chefe, nem do CEO da empresa e de famosos.
Fonte: Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia da People & Results