ESTRELA SOLITÁRIA

Simone Tebet || Crédito: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Protagonista na CPI da Covid-19, senadora Simone Tebet sustenta – até agora – a única candidatura feminina à Presidência do Brasil. Ela explica o que isso significa

Por Dado Abreu e Paulo Vieira

O caminho até as eleições presidenciais de outubro não será fácil para Simone Tebet, a única pré-candidata mulher da disputa, e pode se fechar a qualquer momento. O MDB da senadora do Mato Grosso do Sul exibe, há décadas, inabalável vocação adesista. Mas, em 2022, na busca de um candidato viável com perfil de centro, a sigla definiu acordo com dois outros partidos, o União Brasil e o PSDB. Assim, caso a senadora siga com seu já tradicional 1% nas pesquisas eleitorais, poderá ter seu nome rifado mais à frente. Mas seu principal oponente nesse arranjo, o governador paulista João Doria (PSDB), além de igualmente patinar nas pesquisas, tem maior índice de rejeição. A parlamentar viveu um 2021 auspicioso, ano em que sua pré-candidatura foi lançada. De início, houve a tentativa vã de se eleger presidente do Senado contra Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que angariou apoios à esquerda e à direita; depois, teve performance notável na CPI da Covid-19, protagonizando o melhor momento das muitas sessões da comissão, quando extraiu do relutante deputado Luis Miranda (Republicanos-DF) a delação do nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, que teria interesses nada republicanos num contrato de fornecimento de vacinas. Simone, filha do ex-senador mato-grossense Ramez Tebet (1936-2006), tem experiência executiva, tendo sido prefeita por dois mandatos em Três Lagoas (MS) e vice- -governadora de seu estado. Já como senadora, presidiu a CCJ e participou da CPI da Covid por uma via heterodoxa, representando a bancada feminina da casa, já que nenhuma das 13 senadoras aparecia como membro titular da comissão. Aqui, os principais momentos da entrevista da senadora com os editores de PODER.

MULHER CANDIDATA PROCURA

“O fato de ser a única mulher pré-candidata foi uma das principais razões para eu aceitar essa missão. Entendo que o problema do Brasil é tão grave, são tantos retrocessos, que eu não podia me furtar, mesmo sabendo que meu mandato se encerra em 2022, de dar minha parcela de contribuição diante do cenário catastrófico que o Brasil atravessa. Paralelo a isso, [há] a responsabilidade de ser pré-candidata do maior partido do Brasil, que foi decisivo no processo de liberdades públicas quando vozes se calaram e partidos foram extintos – foi o MDB que acolheu essas vozes. Uma das pautas, que nós não podemos deixar sequestradas pela esquerda, é a da justiça social e a dos direitos das minorias, uma causa que sempre foi do MDB. Minha pré- -candidatura é um resgate da minha história como mulher. Entrei na vida pública porque queria servir de forma diferente e creio que, de algum modo, estou representando todas as mulheres que fazem política no Brasil. O Brasil da desigualdade social sem precedentes, o Brasil da inflação, do desemprego, da violência contra a mulher, não pode, neste momento, prescindir de um timbre feminino.”

A VOZ FEMININA

“Pesquisas mostram que mulheres são as mais indecisas neste momento no eleitorado. O que significa [querer] não continuar com o presente, nem voltar ao passado. Acredito que esta eleição quem novamente irá decidir são as mulheres. E não apenas porque somos maioria. Porque somos as primeiras a ver e a sentir, na pele, o desgoverno. Lembramos também dos escândalos do passado, não apenas de corrupção, mas de má gestão.”

SUB-REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

“A média mundial é 30% de parlamentares mulheres. Na Bolívia são 50% no Parlamento, no Brasil 15%. Se comparar com os países da América Latina estamos no rodapé. Somos muito sub-representadas, mas nos multiplicamos. Desde os decretos inconstitucionais [de Bolsonaro] para liberar o armamento, afinal são as mulheres as maiores vítimas das armas de fogo, vítimas do feminicídio. Os nossos filhos, os jovens das periferias, os negros, são esses que mais morrem com arma de fogo. Nós não estamos mais falando sobre avanços, mas de neutralizar os retrocessos.”

UM GOVERNO FEMININO – MAS NÃO SÓ

“Se for eleita, o ministério terá 50% de mulheres e 50% de homens. Isso pelo fato de acreditar piamente na equidade, de que temos homens e mulheres competentes. Vamos compor pela capacidade. Temos que dar o exemplo da equidade, mas não precisa ser 50/50. No Parlamento, por exemplo, não estamos reivindicando 50% das cadeiras, mas ao menos a média mundial, de 30%. Imagine dobrar os 15% de mulher na política nacional, o quanto não teríamos a colaborar com políticas públicas voltadas para a juventude, para os menos favorecidos, as crianças, os idosos.”

PRESIDENTE OU PRESIDENTA?

“Prefiro presidente. Até porque não há ‘presidento’. E em homenagem ao direito de todos e todas de terem a sua orientação sexual livremente, sem medo de andar na rua, de ser espancado, violentado, acho que presidente é uma homenagem a todos.”

DILMA E A MISOGINIA

“Me perguntam como ‘o governo Dilma, que não deu certo, afeta a minha candidatura’. Há uma certa misoginia nesse questionamento. Quantos presidentes homens não deram certo? O atual presidente tem uma lista de processos de impeachment e só não caiu porque entregou a chave do orçamento para o centrão. Assim, pautar a capacidade de uma mulher de gerir a coisa pública por conta de uma experiência que não deu certo seria, obviamente, diminuir as mulheres como um todo. Dilma não deu certo não pelo fato de ser mulher, mas porque não soube aproveitar o bom momento, cuidar da responsabilidade fiscal para investir no social.”

CORAGEM POLÍTICA

“Ser mulher na política é ter coragem. Quando não se tem, ela é forjada na luta. Custei a entender a violência política institucional contra a mulher. Sofri meu primeiro episódio [de violência] no plenário do Senado e fui chorar sozinha, reservadamente. Já na segunda vez eu consegui lidar de forma mais educada, e na terceira tive que gritar. Hoje transformo violências verbais em ensinamento e exposição. Foi o que aconteceu com o ministro Wagner Rosário [do TCU, que chamou Tebet de ‘descontrolada’ na CPI da Covid-19], que havia sido chamado de “moleque” por um senador, agredido por outro, mas apenas quando eu, uma mulher, falei, despejou toda a violência que havia recebido. Mas aquilo se transformou em pauta de empoderamento. Depois desse episódio, quando saí nas ruas, ouvi de muitas mulheres que elas não imaginavam que esse tipo de agressão acontecia também com uma senadora da República.”

O MDB

“A grande força do MDB é ter o maior número de prefeitos, de vice-prefeitos e vereadores. O MDB é um gigante que precisa ser acordado. Lembram-se do MDB fisiológico, que apoia presidentes, mas rompemos esse ciclo logo no início do mandato do atual, quando abrimos mão de ministérios, quando lançamos a candidatura de Baleia [Rossi do MDB] à presidência da Câmara e a minha ao Senado. Foi um reencontro do partido com a sua história, para voltar a levantar bandeira mais nobre, que sempre foi nossa, a bandeira da justiça social. As pessoas precisam entender o que significa em uma democracia [ser] o maior partido de centro [como o MDB]. É o que transforma a letra fria da Constituição em algo vivo. É assim na Europa. A primeira vez que o MDB deixou de ser um grande partido de centro na Câmara, o centrão sequestrou o orçamento. Isso nunca tinha acontecido.” TERCEIRA VIA “Acho que todos os candidatos de centro têm de ser apresentados ao Brasil. Ainda não sabemos quem vai tocar o coração dos eleitores. É hora de colocar o time na rua. A pesquisa mostra que eu sou a menos conhecida e a menos rejeitada. Não vamos esquecer que a eleição de FHC foi decidida nos últimos 60 dias, como a do atual presidente.”

ABORTO

“Embora eu seja muito progressista na pauta de costumes, e o Estado seja laico, sou muito religiosa. O meu governo tem de ser laico, mas não posso abrir mão das minhas convicções religiosas. Sou a favor do aborto como está na Constituição e sou contra ampliar as possibilidades sem ampla discussão com a sociedade. Mas me incomoda a violência sexual contra a mulher. E aqui falo de estupro, em que 60% dos casos acontecem com crianças até 14 anos. E a consequência disso é a gravidez precoce dessas meninas. O que precisamos mostrar para a sociedade é que a própria legislação já permite aborto, a Constituição protege essas meninas, mas isso não é efetivado porque há uma rede de burocracias. Estou pronta para sancionar qualquer coisa que venha do Congresso Nacional, de avanço de políticas públicas, desde que devidamente debatido. Não é a minha opinião pessoal que vai prevalecer num processo desses.”

 

Simone Tebet || Crédito: Divulgação

“Acredito que quem irá decidir são as mulheres. Somos as primeiras a sentir na pele o desgoverno”

 

O PAPEL DO SENADO E O PAPELÃO DA PGR

“O Senado tem sido uma boa casa revisora, tiramos excessos que vêm da Câmara. Votei contra o orçamento secreto, que só não parou no Senado por quatro votos. Quanto ao procurador-geral, nosso papel é fiscalizar quem fiscaliza. O que o atual procurador-geral da República [Augusto Aras] está fazendo é um descalabro. É chefe do maior órgão de fiscalização e controle do Brasil, recebe uma denúncia gravíssima num momento de pandemia, não só dos supostos crimes de corrupção – que só não foram assinados graças à CPI –, mas de um crime de omissão dolosa do governo, a intenção de não comprar vacinas. E o PGR decide engavetar. Talvez seja hora de melhorar a legislação para que a gente possa ter mais dinamicidade num processo de investigação, e mesmo de impeachment de um PGR.”

NUM DEBATE, O QUE PERGUNTARIA PARA BOLSONARO?

“Perguntaria por quê? Apenas isso, por quê?. Caberia qualquer coisa a ele: explicar o prazo na vacina, sua insensibilidade latente, o ódio, a polarização. Sei que precisamos falar de economia, de educação, mas sou mulher e não tenho como não enxergar que, antes de tudo isso, ele [Bolsonaro] está destruindo a essência do povo brasileiro. Uma geração inteira. Tenho duas filhas jovens dentro da minha casa, me preocupo com o que está sendo formado na cabeça delas. Se em quatro anos fez este estrago, e em oito? É um governo que faz grupos de extrema-direita aumentar exponencialmente nos últimos anos.”

E PARA LULA?

“Foi um presidente que teve, pela popularidade, a capacidade de fazer diferente. E em determinado momento se aliou ao que há de pior na política. Pediria para ele explicar o que foi o mensalão, o petrolão. E o que faz achar que tem direito de novamente vir, agora com um discurso renovado, quando na realidade teve todas as oportunidades de fazer diferente e não fez.”