Doer-se mulher

Pinky Wainer || Crédito: João Wainer

Vinte anos após última mostra, Pinky Wainer retorna ao circuito de exposições com séries de aquarelas que retratam a dor e “apagamento” feminino

Por Luís Costa

Após duas décadas longe das galerias, Pinky Wainer volta a expor, agora na recém-inaugurada Lanterna Mágica, em Higienópolis, em São Paulo. Até 11 de junho a artista plástica carioca mostra trabalhos produzidos na quarentena, quando experimentou processos e materiais.

Duas séries compõem a mostra. Em Mulheres Dopadas, a artista entrecruza dilacerantes imagens femininas a recortes de palavras e frases de livros de Albert Camus, León Trotsky, Pablo Neruda e Simone de Beauvoir.

“Eu exagerei nas minhas microaquarelas”, diz Pinky. “Elas [as mulheres] sofrem, são bicadas por pássaros, são irônicas, às vezes pequenas, às vezes grandes.” O confinamento forçado da quarentena justifica o esgotamento mental das suas personagens, ladeadas por corvos, lobos e cisnes. “Houve um momento em que as mulheres começaram a se dopar para suportar o nada que ficou com a pandemia”, diz a artista.

A segunda série é Pintora Esquecida, criada a partir da figura da pintora russa Nadia Léger (1904-1982), cuja existência ficou apagada à sombra do marido, o também pintor Fernand Léger. “Você tem que estar aberto às sinapses do seu cérebro”, diz Pinky, ao lembrar o impacto da descoberta de Nadia ao ler uma reportagem na internet. “Ela me lembrou toda uma linha de grandes pintoras, normalmente com um marido mais famoso, que desapareceram. É uma constante e acontece até hoje.”

Anterior Próximo

Pinky cruza a imagem de Nadia à de ou tra mulher desaparecida – a famosa Lindonéia, pintada por Rubens Gerchman e cantada por Nara Leão – tia de Pinky – na letra de Caetano Veloso no disco da tropicália. “Lindonéia foi um símbolo brasileiro, um momento de luta, um dos últimos momentos importantes na autoestima e na criatividade brasileira”, diz a artista.

Autodidata, com uma carreira inspirada na observação e nas conversas com funcionários de lojas de pintura, Pinky conta que nos últimos 20 anos, ainda que afastada das galerias, continuou a pintar. Nesse período, dedicou-se à famosa Loja do Bispo, de “arte acessível”, como se define, a projetos gráficos e a atividades de ensino. Essa posição de autonomia e liberdade, hoje trabalhada pela artista com seus alunos dos cursos de aquarela, dita seu retorno ao circuito. “Eu fiz o que eu quis. Era para mim”, revela.