Por Nina Rahe
Na década de 1980, quando Mari Emmanouilides, fundadora e CEO da Taler Gestão de Patrimônio, começou a atuar no mercado financeiro, era uma das raras mulheres nessa área. À época aluna da faculdade de Direito, ela aproveitou a oportunidade em um programa do Chase Manhattan Bank para formar profissionais no segmento de crédito e, após 18 meses de curso e algumas propostas, seguiu carreira dentro do próprio banco. “As pessoas diziam que a minha vida profissional tinha deslanchado porque eu era amante de alguém poderoso. A mulher precisa trabalhar muito mais para provar que tem competência”, lembra Mari, que, em um período de 15 anos de trabalho, acumulou férias equivalentes a oito anos. “Imagina se havia algum homem sem tirar férias por tanto tempo”, diz.
Depois de casada, inclusive, foram muitas as situações em que, acompanhada do marido, engenheiro acústico, as pessoas se dirigiam a ele e não a ela para pedir recomendações de investimentos. Foi o que aconteceu durante um congresso em Hong Kong, em 1993, onde, entre 60 executivos do mundo inteiro, Mari era a única mulher. “Meus colegas foram com suas esposas e quando chegávamos em algum lugar, os outros olhavam para o Sérgio, meu marido, na hora de perguntar qualquer coisa”, ela recorda.
E mesmo com uma diferença de quase duas décadas do ingresso de Mari Emmanouilides no mercado financeiro e a experiência de Kelly Gusmão em Wall Street, o cenário não era tão diferente. Em sua primeira semana de estágio no mercado financeiro, ela se deparou com um colega de trabalho que queria saber quanto custaria para dormir com ela: “Aqui todo mundo tem um preço”, disse. “Fiquei tão chocada que não sabia se saía correndo, chorando, se dava um tapa na cara dele, mas consegui agradecer por ter aberto meus olhos e dizer que, a partir daquele momento, faria de tudo para provar que estava errado”, conta Kelly, que precisou lidar também com duas colegas mulheres que faziam da vida “um inferno” e apostavam dinheiro para acertar a data em que ela pediria demissão. “Era um mercado claramente masculino e, dentro desse mercado, a competição era ainda mais acirrada entre as mulheres. Comecei a desenvolver ansiedade, tive depressão, mas nunca desisti”, diz ela, que passou por uma experiência melhor na corretora XP, onde conheceu seus atuais sócios.
“As mulheres não chegam na liderança porque quem está lá em cima são homens. Eu cheguei, mas paguei um preço”, Mari Emmanouilides, CEO da Taler Gestão de Patrimônio
Hoje, como fundadora e CPO da Warren, ela criou o Warren Equals, ação com objetivo de aproximar as mulheres do mercado financeiro por meio de palestras e educação financeira, e que originou o fundo de investimentos de mesmo nome, com a ideia de investir em empresas com políticas de equidade de gênero. Se, no início, Kelly cuidava das áreas de regulamentação, administração fiduciária, tesouraria, entre outras, foi em 2017 que assumiu a bandeira da diversidade, quando percebeu que só haviam duas mulheres entre os 20 funcionários da empresa. “Fiquei incomodada porque a gente fala muito sobre a experiência dos clientes. Eu fui moldada no mercado financeiro, estava blindada para algumas questões, mas comecei a quebrar conceitos. Sei quais são os maus exemplos e faço tudo ao contrário, prezo pelo ambiente saudável”, explica. “Estamos lutando pela diversidade dentro da empresa. Hoje, as mulheres representam 35% dos nossos clientes, 32% do quadro de colaboradores e 20% do quadro de liderança.”
Quando Kelly estava estruturando o programa Warren Equals, para além de ajudar outras profissionais a trilhar uma carreira no mercado financeiro, o foco era montar um fundo de ações composto por empresas que tivessem mulheres como CEOs. Ao pesquisar tais companhias e descobrir que havia pouquíssimas lideranças femininas, ampliou o fundo para organizações que seguissem políticas de equidade.
“Tenho reuniões com homens o tempo todo e preciso falar mais alto, me inserir na conversa”
Kelly Gusmão, fundadora e CPO da Warren
As mulheres, de fato, estão investindo cada vez mais – já ultrapassam a marca de 1 milhão de investidoras, segundo dados da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, totalizando 27% das pessoas que investem. O número de contratadas nessa área também está crescendo. A maioria, em contrapartida, não chega aos cargos mais altos – raras são as exceções, como Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, nova bilionária da praça. “Às vezes me perguntam por que não há muitas mulheres gestoras e eu mesma sou a única mulher no nosso board. Tenho reunião com homens o tempo inteiro e preciso falar mais alto, me inserir na conversa. É complicado, mas acho que os tempos estão mudando e para melhor, apesar de termos um longo caminho pela frente”, avalia Kelly Gusmão. “As mulheres não chegam na alta liderança porque quem está lá em cima, na maioria das vezes, são homens. Eu cheguei nesse primeiro escalão, mas tive que pagar um preço. Até brincava com meus colegas diretores, quando me sentava na mesa, perguntando quem naquele dia iria me puxar a cadeira”, complementa Mari Emmanouilides. “De quando entrei no mercado para cá a diferença é que as mulheres têm mais senso de sororidade, estão mais unidas e mais fortes”, afirma Kelly.
No caso de Carolina Cavenaghi, foi necessária a gestação do seu segundo filho para que começasse a contestar a forma como o mercado financeiro encarava a presença das mulheres. “A maternidade era vista como algo ruim na carreira e trabalhei 15 anos sem essa consciência”, diz. “Por que o mercado não vai me receber nesse momento com filhos? Percebi que havia uma estagnação de remuneração, de promoção e passei a questionar esse sistema porque isso me incomodou demais”, diz a executiva, que deixou o cargo na empresa onde trabalhava para fundar a Fin4she, que busca equidade de gênero no mercado financeiro e promove no Brasil o evento Women in Finance, que neste ano contou com mais de 1.600 inscrições e cuja primeira edição aconteceu em 2019, com a participação de 800 mulheres. Entre as ações da plataforma, está também um banco de talentos que conecta mulheres que buscam oportunidade profissional com as empresas. “Ainda somos minoria, mas houve um movimento grande na base e o nosso desafio é fazer com que essas mulheres cheguem ao topo da cadeia”, revela Carolina.
Na opinião de Claudia Angélica Martinez, fundadora da plataforma de investimento She Invest, esse cenário não irá demorar para mudar. “Hoje as mulheres estão na moda. E ainda bem”, conta a executiva. “Mas estar na moda tem a ver com dados que mostram que as mulheres são melhores investidoras e que empresas geridas por mulheres são mais lucrativas”, explica. Um estudo da Warwick Business School, do Reino Unido, acompanhou 2,8 mil pessoas e seus hábitos de investimento durante três anos e chegou à conclusão de que as investidoras mulheres não só conseguiram rentabilidade maior (1,8%), como superaram o FTSE100, índice das 100 empresas listadas na bolsa de Londres com maior valor de mercado. Além disso, 43% dos fundos mútuos administrados por mulheres superaram os concorrentes em 2020, em comparação a apenas 41% daqueles administrados por homens, de acordo com o Goldman Sachs. Outro levantamento, feito em 2017 pela Fidelity Investments, mostrou que as carteiras das mulheres tiveram desempenho melhor do que as dos homens em 0,4%.
“O mercado de trabalho sempre foi muito difícil para nós, principalmente o financeiro, mas hoje temos mulheres tomando o espaço que antes era 100% masculino”, diz Claudia, que criou a She Invest, ao lado de Ana Caroline Cunha de Lima, pela percepção de que muitas mulheres já estão investindo o próprio dinheiro e que esse movimento deve crescer. “Percebemos que muitas tinham necessidade de acessar capital, mas com dificuldade, às vezes por falta de informação ou mesmo entrave dos bancos fornecerem crédito”, argumentam as sócias, que, na mão do crescimento atribuído à liderança feminina no mercado financeiro, já planejam se tornar She Bank em 2022, com uma cartela completa de produtos financeiros estruturados e inspirados nas mulheres. “Os homens até podem investir, fazer aplicações, mas tudo será desenhado a partir do nosso jeito de olhar as coisas”, concluem. n