RETRATOS DA CASA

Pintora Ana Elisa Egreja expõe retratos do interior doméstico e perturba a realidade figurativa com elementos do fantástico

Crédito: Filipe Berndt

Por Luís Costa
Fotos: Filipe Berndt

O título da mostra que a paulistana Ana Elisa Egreja assina na Galeria Leme soa como um paradoxo. Fazer Realidade, em cartaz até 6 de novembro, é ao mesmo tempo retratar o visível e transformá-lo pela imaginação. Com uma série de pinturas que ora tocam o real, ora a fantasia, a exposição faz o que o crítico Moacir dos Anjos chamou de curto-circuito na realidade.

Retratista da casa, de sua arquitetura interior e de seus objetos, Ana Elisa começou a pintar na década de 2000. Suas cenas, entre o cotidiano e o fantástico, são montadas a partir de uma variedade de referências – algumas vêm das 20 mil fotos salvas no celular, outras de pinturas, livros de museus etc.

À procura de texturas e detalhes que só a observação imediata permite, nos últimos cinco anos a artista passou a experimentar a encenação. “Meu ateliê, que era só de pintura, foi se transformando em um set de vídeos, de fotos, de instalações”, diz ela. À época, o ateliê funcionava na antiga casa abandonada de seus avós, onde montou quadros que compuseram a série Jacarezinho 92, em 2017.

Na mostra agora na Leme, Ana Elisa conjuga encenação e colagem, real e fantástico. No quadro Cinderela, que apresenta a vista de uma praia por uma vidraria, ela insere, por exemplo, relevos de tinta como besouros, reproduzindo uma infestação. “O mundo real é maçante. Inverto a realidade porque aí sim me interessa pintar.” Em uma das telas em grande formato, ela reproduz a cozinha do pintor e muralista Fulvio Pennacchi (1905- 1992), que visitou em 2019. O artista desenhou um a um os azulejos do lugar. “É uma casa autoral ao extremo”, diz a pintora. “Comecei a criar como se tivesse um desmoronamento do que ele pintou sobre o fogão”, explica.

O conceito de colagem permitiu que ela pusesse, no mesmo quadro, uma referência a Clara Peeters, uma das únicas mulheres integrantes da Golden Age, movimento de pintura figurativa holandesa do século 17, mais importante referência do trabalho de Ana Elisa.

Apesar de não retratar pessoas, a presença humana nas casas está impressa em seus objetos e cenários. A reprodução da sala do avô, por exemplo, é como um retrato sem o corpo. “A casa é a metonímia da pessoa. Ela fala tudo”, conclui.

*A exposição foi prorrogada até o dia 19 de novembro