O FAROL DE BRASÍLIA: GILBERTO KASSAB

Presidente nacional do PSD, o ex-ministro e ex-prefeito Gilberto Kassab é tido nos bastidores da política como um farol a indicar cenários futuros. Nesta entrevista a PODER ele avalia a sua influência, explica por que o senador Rodrigo Pacheco é a melhor opção da terceira via e garante: Bolsonaro vai pagar nas urnas o preço da sua gestão

Ilustração Pedro Pessanha

Por Dado Abreu

O filósofo Nicolau Maquiavel, conhecido por seus pensamentos sobre a dinâmica real do poder, dizia que a política tem pelo menos duas caras: a que se expõe aos olhos do público e a que transita nos bastidores. Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, seria então, sob a ótica renascentista, um homem de duas faces. Ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro dos governos Dilma e Temer, é hoje um político de menor visibilidade, mas um dos personagens mais influentes do Brasil por seu talento articulador e sua capacidade de transitar entre diversos grupos. Não perdeu a influência mesmo após ter sido acusado de corrupção – ele é réu em um processo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, “caixa 2” eleitoral e associação criminosa, denúncias que nega. 

Resistindo a definições tradicionais, seu partido, que “não é de direita, nem de esquerda e nem de centro”, nas palavras de Kassab quando fundou a legenda há dez anos, já é o terceiro em número de cidades administradas depois da performance nas eleições municipais, marca que garantiu capilaridade suficiente para o dirigente almejar eleger o próximo presidente da República – ele sonha em filiar o senador Rodrigo Pacheco, atualmente no DEM, para disputar o Planalto pelo PSD. 

Nesta entrevista a PODER Kassab analisa o atual cenário político, avalia as possibilidades eleitorais para 2022, prega voto útil, revela o motivo de apostar em um nome de fora do partido visando a corrida presidencial e explica por que voltou atrás sobre o impeachment de Jair Bolsonaro.

PODER: O SENHOR É UM DOS ATORES POLÍTICOS MAIS INFLUENTES DO PAÍS, A PONTO DE TER SE APROXIMADO DOS TRÊS ÚLTIMOS PRESIDENTES. QUAL A DIFERENÇA EM FAZER POLÍTICA EM CARGO PÚBLICO E COMO PRESIDENTE DE PARTIDO?
GILBERTO KASSAB: O importante é fazer a boa política, é estar a serviço de causas e ter diálogo, o que não significa abrir mão dos seus princípios e convicções. Eu me considero um político de centro, mas não um centro fisiológico que quer estar alinhado a qualquer governo. Sou um político ideológico, que entende a importância do centro em convergência com partidos mais progressistas, ressaltando a importância do estado nas políticas públicas de saúde, educação e segurança, mas que também entende, e aí em aproximação maior com os liberais, a importância de um estado que seja o menor possível. Essa é a razão do permanente diálogo e da facilidade que tenho de articulação. Existe uma tranquilidade em dialogar sem abrir mão das convicções. É importante que não haja intransigência e talvez essa seja a minha maior marca pessoal na política, saber conviver com as divergências. Me realizei como parlamentar participando de boas causas, mas também quando estive à frente do Executivo, o que me deu uma visão muito ampla do processo político. Com essa experiência é mais fácil ser dirigente partidário, porque dentro do partido você convive com aqueles que têm mandato, com os que não têm, os que estão à frente do Executivo, os que são militantes, e consegue atender a todos. Vejo que as experiências anteriores me dão oportunidade de ter uma gestão mais eficiente e voltada para o crescimento do partido e suas diferentes dimensões. Hoje o PSD se consolidou como um dos grandes do país, respeitado, e tem sido protagonista na condução de políticas públicas e posicionamentos fortes neste momento tão difícil que vive o Brasil.

PODER: POR QUE O PSD SE DISTANCIOU DO GOVERNO E QUAL É SUA POSIÇÃO DIANTE DAS AMEAÇAS DE JAIR BOLSONARO À DEMOCRACIA?
GK: O PSD não se distanciou do governo, ele nunca esteve próximo. Apoiamos Geraldo Alckmin no primeiro turno e no segundo liberamos nossos filiados para que votassem de acordo com as suas convicções. Era um segundo turno indesejável, não queríamos que o Brasil fosse conduzido por políticas que representavam o extremo. Mas era uma realidade e assim que o governo foi eleito o partido se declarou independente e permanece desse modo até hoje. Nossa posição não é de intransigência. Os projetos que o governo encaminhou e nós entendemos que eram bons para o país tiveram o nosso apoio. A postura do presidente, e do seu governo, no entanto, não representa o que acreditamos ser o melhor para o Brasil. É uma razão bastante simples e natural em uma democracia. 

PODER: APESAR DE O SENHOR RESSALTAR INDEPENDÊNCIA, O PSD TEM VICE-LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA (DEP. JOAQUIM PASSARINHO) E UM DOS MAIS PRÓXIMOS MINISTROS DE BOLSONARO (FÁBIO FARIA, DAS COMUNICAÇÕES) FAZIA PARTE DO SEU QUADRO. COMO EXPLICAR ESSA EQUAÇÃO?
GK: A nossa independência permite aos parlamentares terem essa posição. É evidente que será incompreensível tal posição à medida que teremos um projeto diferente para o país nas eleições. Mas, neste momento, estar próximo ao governo, ou fazer parte do governo, não entra em choque com nossa independência. O Fábio Faria é um amigo pessoal, fundador do PSD, e de comum acordo definimos a saída dele do partido. Ele definiu um caminho que era incompatível com a sua filiação no PSD e decidimos por sua saída. 

PODER: O QUE ACHOU DO DISCURSO DE BOLSONARO NA ASSEMBLEIA-GERAL DA ONU DESTOANDO DA PAUTA DE COOPERAÇÃO MUNDIAL?
GK: Não foi a primeira vez que o presidente decepcionou os brasileiros. Ele perdeu a oportunidade de construir parcerias para o Brasil, de se reunir com os principais líderes mundiais, com as maiores autoridades em saúde do planeta para que possamos, com cooperação, enfrentar a pandemia. Perdeu também a chance de levar uma comitiva de empresários para identificar alianças importantes para o desenvolvimento do nosso país, gerando riquezas, empregos. Infelizmente, o presidente Bolsonaro sempre deixa de mostrar ao mundo a importância do Brasil. Ele se perde em seus discursos, é lamentável.

PODER: EM SETEMBRO O SENHOR DISSE QUE AS MANIFESTAÇÕES DO PRESIDENTE ERAM SINAIS GOLPISTAS E POR ISSO ERA FAVORÁVEL AO IMPEACHMENT. CONTUDO, APÓS A CARTA-RECUO, AFIRMOU NÃO VER FATO CONCRETO. O QUE MUDOU? UM PEDIDO DE DESCULPAS, ESCRITO PELO EX-PRESIDENTE TEMER, BASTOU PARA ANULAR O FATO CONCRETO?
GK: Mudou que tivemos um pedido de desculpas e a sua postura. Porque no momento em que ele ameaçou a democracia, as instituições, ele estava sinalizando que iria para um regime autoritário. Mas no momento em que recuou, e que a sua conduta foi compatível, desapareceu qualquer indicativo que justificasse a abertura do processo de impeachment. No momento estou entre aqueles que vão trabalhar para que seja afastado pelas urnas. Nós não podemos banalizar o impeachment. Ele foi eleito, embora a minha opinião é a de que os brasileiros erraram ao elegê-lo, e esses brasileiros têm o direito que Bolsonaro fique até o final. Sou um democrata, acho que as urnas precisam ser respeitadas, o que não significa que tenha carta branca para cometer abusos. Se Bolsonaro vier a ameaçar novamente a democracia, se ficar claro que existe corrupção com seu envolvimento, haverá motivo para o impeachment. Espero que não tenha. 

PODER: QUAL O CUSTO PARA O BRASIL DO GOVERNO BOLSONARO?
GK: O comportamento do presidente na pandemia atrapalhou muito a confiança dos brasileiros e o êxito da sua gestão. A sua postura negacionista acabou gerando um distanciamento entre a figura do presidente e a sociedade. A sua falta de experiência, e da sua equipe, também trouxe uma insegurança muito grande junto aos investidores, que são os principais responsáveis pela geração de emprego, de riquezas do país. O Brasil tem no governo o seu principal investidor, mas no capital privado, seja nacional, seja o que vem de fora, temos um importante pilar para sustentação do nosso desenvolvimento. Infelizmente, com a postura desse governo e do presidente Bolsonaro, esses investidores estão totalmente distantes do Brasil.

PODER: O EMBATE INTERNO NA RAIA DA TERCEIRA VIA AINDA VAI SE DESENROLAR PELOS PRÓXIMOS MESES, COM POSSIBILIDADE DE CHEGAR À ELEIÇÃO SEM A CONVERGÊNCIA EM TORNO DE UM NOME. O QUE FALTA PARA A CONSOLIDAÇÃO DE UMA CANDIDATURA ÚNICA?
GK: O eleitor escolhe o candidato. Haverá mais de quatro, cinco candidatos, é natural. O importante é que em um determinado momento, o eleitor que não quer nem uma das extremidades, nem a esquerda, nem a direita, nem o ex-presidente Lula, nem o presidente Bolsonaro, possa, avaliando essas candidaturas de centro, definir qual é melhor e, em um movimento coletivo, todos se direcionarem para ela praticando aquilo que chamamos de voto útil.

PODER: O SENHOR TEM TRABALHADO PARA QUE O PRESIDENTE DO SENADO, RODRIGO PACHECO, SEJA O PRÉ-CANDIDATO DO PSD AO PALÁCIO DO PLANALTO. QUAIS SÃO AS CREDENCIAIS DO SENADOR?
GK: Ele é jovem, portanto sinaliza renovação, tem boa formação, é conciliador, capaz de representar a pacificação do país, e mostrou muito talento para fazer política. Foi eleito deputado federal por Minas Gerais, o que não é fácil, e na Câmara fez um bom trabalho, se elegendo para o principal cargo depois da Presidência, que é a presidência da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ). No Senado assumiu a presidência da casa em seu primeiro mandato. Espero que ele possa aceitar essa missão, se apresentar para os brasileiros que ainda não o conhecem e, com certeza, ao se apresentar, saberá conquistar a simpatia de um número muito elevado de eleitores.

PODER: POR QUE BUSCAR UM QUADRO FORA DO PARTIDO?
GK: Quando você pensa em Presidência da República é preciso pensar no país. O PSD não tem em seu quadro uma figura da dimensão do Rodrigo Pacheco, que expresse, que traduza as qualidades que vejo nele. Ele é quem melhor pode nos representar, e representar essa ideia de centro, de pacificação, de um estado forte na saúde, na educação, na segurança. Mas que também possa conduzir para um enxugamento com uma valorização dos bons servidores. E seja capaz de promover uma boa reforma administrativa, sem aumentar a arrecadação tributária e trazer mais eficiência na gestão dos recursos públicos. 

PODER: QUAL SERÁ O EFEITO DA PANDEMIA NA ELEIÇÃO?
GK: A pandemia é o tema da humanidade. O gestor que errou na sua condução terá dificuldades nas urnas. E o presidente Bolsonaro errou muito. Errou ao não contribuir para que as vacinas chegassem mais rapidamente ao Brasil, pelo contrário, o seu governo teve uma ineficiência brutal, incompreensível. Também errou quando não incentivou o uso de máscara, quando participou de aglomerações, quando fez ironias em relação à pandemia. Na economia mais equívocos, com uma proposta de reforma tributária arrecadatória. O momento é de ajudar os cidadãos, as empresas, não criar impostos. O governo erra na reforma administrativa não sabendo entender o momento importante que vive o país, erra na política, com sua posição de enfrentamento e não de conciliação, causando um mal-estar enorme no Brasil. Portanto, tenho dificuldades em aceitar a tese de que o presidente Bolsonaro vai se dar bem nas próximas eleições. Tudo isso carrega um preço que ele vai pagar nas urnas.

 

Pulseira VIP: Kassab com trânsito livre nos três últimos governos (Dilma, Temer e Bolsonaro) e ao lado de Pacheco, seu escolhido para 2022.

Créditos: Elza Fiúza/Agência Brasil; Valter Campanato; Presidência da República; Associação Comercial de SP