DEMOCRACIA COOPTADA, POR TABATA AMARAL

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Por Tabata Amaral deputada federal (sem partido), cientista política, astrofísica e ativista pela educação. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito

Em 1988, o cientista político Sérgio Abranches cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão” para descrever o modus operandi que regeria a relação entre os poderes Executivo e Legislativo a partir da Constituinte. Abranches defendeu que, por causa da fragmentação partidária brasileira e da existência de uma Presidência forte, mas minoritária em termos de representação parlamentar, qualquer governabilidade só seria possível com a criação de amplas coalizões multipartidárias.

Cada vez mais, a construção dessas coalizões passou a ser amparada menos em concordâncias ideológicas e mais na troca de interesses, com destaque para as fatias do orçamento chamadas de emendas parlamentares. Não à toa, esse arranjo político-institucional recebeu a alcunha de “presidencialismo de cooptação”.

A reforma política que está sendo discutida agora no Congresso, se bem-sucedida, não só será a maior mudança das regras do jogo desde 1988, feita como se não estivéssemos em meio a uma pandemia, como também perpetuará o presidencialismo de cooptação como a principal, senão a única, forma de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo.

Primeiro porque ela é um ataque frontal à renovação política. Um dos retrocessos propostos é a instituição do distritão, um sistema eleitoral caro e personalista, adotado em apenas quatro países do mundo. Segundo nota técnica elaborada pelo gabinete compartilhado que divido com o senador Alessandro Vieira e o deputado Felipe Rigoni, caso o sistema vigorasse em 2018, 17 deputados em reeleição teriam sido eleitos no lugar de novatos. No balanço total, a nossa única deputada indígena, negros e mulheres perderiam cadeiras.

Além disso, a proposta em discussão traz a flexibilização da obrigação de que 30% dos candidatos sejam mulheres, assim como das regras de destinação proporcional dos recursos de campanha e tempo de propaganda a candidaturas femininas.

Paralelamente a tudo isso, e com meu voto contrário, o Congresso aprovou a destinação de R$ 5,7 bilhões para o Fundo Eleitoral em 2022, mudança que, se não for revertida, dará ainda mais poder aos incumbentes atuais, especialmente se levarmos em conta que, via de regra, esse recurso é distribuído ao bel-prazer dos dirigentes partidários. Esse valor, que é cerca do triplo do que foi destinado no ano passado, fará com que o Brasil seja o país que mais gasta dinheiro público com campanhas política.

O presidente Bolsonaro, é claro, apoia todas essas frentes, pois se tornou um dos principais patrocinadores e beneficiários desse toma lá dá cá entre o Executivo e o Legislativo. Só na Lei Orçamentária Anual deste ano há R$ 48,8 bilhões destinados a emendas parlamentares – um recorde. É assim que, por meio de reformas pouco compreensíveis à população, lenta e imperceptivelmente, buscam eternizar o presidencialismo de cooptação e corroer ainda mais a nossa democracia. Diferentemente das mentiras que Bolsonaro repete descaradamente aos seus apoiadores, não serão seus vetos – sempre combinados com um Congresso pronto para derrubá-los – que impedirá tamanhos retrocessos, mas, sim, a nossa mobilização.