O PROGRESSO DA CIÊNCIA IMPORTA – E MUITO

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Por Renato Janine Ribeiro
Presidente eleito da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), professor de filosofia política e ética da USP e ex-ministro da Educação

A Covid-19 – que já matou quase 4 milhões de pessoas no mundo todo – está entre as doenças mais fatais da história num curto espaço de tempo. Podemos compará-la à varíola, a única moléstia até hoje erradicada completamente por uma vacina, mas que custou centenas de milhões de vidas só no século 20; ou à Peste Negra, que, por volta de 1350, matou entre um terço e metade das pessoas nas regiões da Eurásia que assolou; ou, mais perto de nós, à gripe espanhola, que terá matado de 50 a 100 milhões de pessoas, naquela época entre 3% e 5% da população mundial.

Contudo, embora 4 milhões de vidas sejam um número enorme (das quais 13% no Brasil, ainda que nossa população seja apenas 2,8% da mundial), se a proporção de mortos na atual pandemia fosse a mesma da gripe espanhola, teríamos a lamentar algo como 230 a 380 milhões de mortos neste ano e meio de pandemia. Ou seja, temos um número bem superior a 200 milhões, e talvez a 300 milhões, de vidas salvas, graças a quê?

Graças aos avanços na saúde, principalmente pública e apoiada na ciência. Ciência salva vidas.

É isso o que mostra a importância crucial, sobretudo neste momento, de uma associação como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a prestigiosa SBPC, para a qual fui eleito presidente a contar do fim de julho.

Muitas pessoas a conhecem devido a suas reuniões científicas anuais. Uma delas, a de 1977, proibida pela ditadura civil-militar, acabou se realizando na PUC de São Paulo, com o decidido apoio do cardeal Arns, e foi memorável na luta pela democracia. E lembremos: quando acabou a ditadura, como observo em meu livro A Boa Política (Companhia das Letras), quase 86% dos municípios brasileiros tinham um IDHM (seu índice de desenvolvimento humano) muito ruim. Em 2010, essa era a condição de apenas 0,57% dos municípios.

Democracia melhora vidas. Democracia e ciência, além de educação de base e cultura, fazem bem às pessoas. Também é preciso disseminar os benefícios da ciência para a sociedade.

É por isso que, agora, temos de lutar pela recomposição dos orçamentos, duramente abatidos, da educação, da ciência, da saúde, do meio ambiente. Não por acaso, são áreas maltratadas pelo atual governo. Mais do que isso: não cabe o falso antagonismo entre economia e saúde, ou a ideia de que nosso desenvolvimento econômico depende de mão de obra barata sem qualificação, somada a chaminés poluentes. Essa ideia de economia, que a ditadura de 1964 defendia, está ultrapassada.

Nossa biodiversidade e nossa humanodiversidade (irmãs de nosso possível soft power) constituem trunfos de primeira para um desenvolvimento econômico de novo modelo, mais aparentado com o que está sendo construído no mundo desenvolvido. Com razão, diz o hino que nossas matas têm “mais vida”: elas têm riquezas químicas e biológicas ainda ignoradas. E a diversidade de culturas no Brasil, incluindo os povos originários, pode iluminar de formas novas a riqueza da humanidade. Isso tudo vale ouro.