O DRESS CODE PÓS-PANDEMIA

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A flexibilização do dress code no escritório já é uma realidade e promete ganhar força com a volta do trabalho presencial pós-pandemia

Por Carla Julien Stagni

Dois mil e vinte foi o ano em que o mundo parou. Um novo vírus, totalmente desconhecido, deixou tudo de ponta cabeça. De repente, a ordem era não sair de casa e a situação se prolongou, mas, graças à tecnologia, foi possível trabalhar, fazer reuniões e fechar negócios no aconchego do lar, usando aquele moletom desgastado, bermuda e chinelo. Sem ter para onde ir e com mesas de jantar, sofás ou camas transformadas em estações de trabalho, de que adiantava usar trajes formais? Conforto se tornou a palavra-chave do home office.

Com o advento da vacina, empresas do mundo todo começaram a planejar estratégias de retorno ao trabalho. Quantos dias por semana a equipe deveria ir ao escritório, regras de máscara e distanciamento, higienização do ambiente… e uma nova preocupação: é preciso atualizar o código de vestimenta? Não é de hoje que a “moda” adequada ao local de trabalho está evoluindo a partir do momento em que o uso de terno e gravata, antes uma exigência corporativa, foi substituído por roupas menos formais. A chegada das gigantes da internet, como Google, Facebook, Microsoft, trouxe diretamente do Vale do Silício um estilo mais easy going, orientado para resultados, sem dar tanta importância à aparência de seus funcionários, desde que prazos fossem cumpridos e uma alta performance alcançada.

Embora muitos concordem que bermuda e moletom podem não ser a melhor expressão de um bom profissional, o relaxamento dos códigos de vestimenta tem sido amplamente considerado nos últimos anos. E ganhou uma força extra no período de isolamento. Como lidar com isso? “Não tem como esquecer que o dress code no trabalho deve ser usado de modo estratégico. No auge da pandemia, quando todos ficamos em home office, o conforto passou a ser a tônica, afinal, tudo acontecia virtualmente, com o mínimo de contato físico”, diz Bia Kawasaki, consultora de imagem corporativa. Segundo ela, após essa longa temporada, a tendência é que esse conforto seja estendido aos escritórios, que já fazem um movimento de reabertura. “Este será um grande desafio para as empresas. Simplesmente liberar tudo pode se tornar um problema, porque é complicado ficar à mercê do bom senso dos funcionários. Especialmente aqueles que estão na linha de frente e que representam os valores e propósitos da corporação. Por essas e outras, nunca a comunicação foi tão importante. Um dress code híbrido pode funcionar muito bem desde que todos entendam até onde podem ir. Cabe à empresa explicar e estipular limites claros”, explica a consultora.

Alguns locais de trabalho estão estudando como fazer essa transição de volta para o modelo de escritório. O ano passado obrigou a todos repensarem a forma como interagem profissionalmente, seja com colegas, funcionários ou clientes. De repente, não houve mais reuniões presenciais, almoços de negócios, happy hours ou conferências – tudo se tornou virtual. Embora muitos desses ajustes tenham sido difíceis, algumas coisas mudaram para melhor. A relação das pessoas com as roupas não é mais a mesma, e o conforto e a conveniência se tornaram prioridades. Não há um bom motivo para ficar o dia todo sofrendo com um terno desconfortável ou um salto alto demais.

“Nunca mais vamos fugir do conforto. O desafio é mostrar que é possível adaptar o dress code. A indústria da moda se preparou para isso apostando em tecnologia têxtil, modelagens diferenciadas, moletons e peças athleisure [roupas esportivas adaptadas ao dia a dia] tratadas como alfaiataria. Esse vai ser o caminho. Tem que haver uma coerência entre a estética, a ética e a verdade. Sucesso não tem cara de pijama”, decreta a consultora, que já prestou serviço para Bradesco, EMS, Brasil Telecom, Magazine Luiza, entre outras grandes empresas.

Jeff Galak, professor associado de marketing da Tepper School of Business da Carnegie Mellon University, em entrevista recente disse que há dois cenários prováveis: no primeiro, algumas empresas manterão a tendência da roupa casual e um novo normal vai nascer. No segundo, pode haver um forte desejo de retornar ao “normal” pré-pandêmico. Por mais que calças de moletom e camisetas possam ser maravilhosas quando se trabalha em casa, voltar a um traje de trabalho pode ser um lembrete psicológico de que estamos superando o caos em que o planeta esteve submerso. “O que provavelmente acontecerá é que as empresas irão divergir a esse respeito e isso provará ser outro diferencial entre elas. Alguns ansiarão por um retorno ao mundo como era e outros forjarão uma nova realidade.”

Há quem acredite que um código de vestimenta mais casual, pelo menos em um primeiro momento, pode ser importante para que os funcionários, que chegam depois de meses de home office, sejam capazes de “respirar um pouco” e a transição para o trabalho presencial possa ser mais tranquila.

Se a empresa optar por uma flexibilização do dress code, é fundamental que seja feita uma comunicação clara com os colaboradores sobre como devem se vestir no ambiente de trabalho. Acreditar que todos têm o mesmo entendimento do que é adequado ou não pode gerar saias justas. Cabe à companhia expor que limites não devem ser cruzados. Nesse caso, vale usar e abusar dos canais de comunicação internos para falar de boas práticas ao se vestir e o que não será aceito.

SEM RIGIDEZ

Antes mesmo do surgimento da Covid-19, o Itaú já havia decidido deixar de lado as regras antiquadas e criou a campanha Vou Como Sou. Os 86  mil colaboradores do banco, incluindo a turma das agências, foram liberados de formalidades. Outro banco que também adotou um novo estilo recentemente foi o BMG. “Oficializamos o novo dress code no início de 2020, antes da pandemia, porém já estávamos ‘plantando a ideia’ e promovendo flexibilizações desde 2019”, explica Alexandre Winandy, diretor de digital e marketing do BMG. “O motivo é que estamos em um processo de transformação muito acelerado e optamos por trabalhar os fundamentos antes de sairmos comunicando. Então, iniciamos essa mudança no dress code incentivando nossos executivos a aparecerem de camiseta, bermuda, chinelo, até formalizarmos uma nova política no começo de 2020 com um grande boom de comunicação interna”. Segundo Winandy, a intenção era que todos se sentissem à vontade para se vestir como quiserem – sem julgamentos. Então foi crucial ter a liderança mostrando que ela mesma estava se vestindo de forma mais descontraída. “Fizemos uma campanha para evitar piadinhas ou ações que pudessem levar ao constrangimento, pedimos para os ‘embaixadores’ se vestirem com roupas inusitadas, publicamos fotos de ‘look do dia’ na internet.”

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Quais os benefícios dessa mudança? “Vemos resultados positivos em diversas dimensões: colaboradores mais felizes e engajados, redução da percepção de hierarquia, diminuição de barreira entre áreas, maior ousadia nas ações do dia a dia. Fazendo um balanço, conseguimos listar apenas pontos positivos”, comemora o diretor de marketing do BMG, deixando claro que o banco optou pelo “no dress code”: “Tem apenas uma regra… se você for com camiseta de time de futebol, não pode ter evidente o logo da concorrência. Tirando isso, pode tudo: camisetas de clube sem patrocínio, gorro, chinelo… Não fazemos nenhum tipo de ‘curadoria’”, finaliza.