Por Daniel Goldberg*
Ilustração Freepik
Março de 2020. Boris Johnson, recém-eleito primeiro-ministro do Reino Unido, vai à televisão dizer: “Preciso ser sincero com vocês. Muitas, muitas famílias ainda irão perder entes queridos antes da sua hora”. O governo entendeu cedo o tamanho do problema – e sabia que os lockdowns seriam necessários. Ainda assim, o medo da “fadiga comportamental” fez com que o governo tentasse evitar o uso “prematuro” de quarentenas e recomendasse que apenas os vulneráveis ficassem em casa. Pouco tempo depois, mudou radicalmente de posição e colocou o Reino Unido em lockdown: “É vital atrasar a infecção (…) de forma simples, se muita gente ficar doente ao mesmo tempo, o sistema de saúde (NHS) não será capaz de lidar com os casos”.
No fim de 2020, diante da dificuldade de acelerar o programa de vacinação, o governo britânico provocou nova polêmica ao anunciar uma mudança na política da segunda dose: em vez de esperar três semanas (criando a necessidade de reservar uma segunda dose para cada vacinado), um espaçamento de até três meses – essencialmente dobrando a velocidade de cobertura. Essa abordagem, muito criticada por alguns, terminou validada por diversos estudos – uma simulação estimou ao menos 26 vidas salvas para cada 100 mil habitantes. Agora, de forma mais ousada, o Reino Unido estuda o “mix and match”, permitindo a combinação da primeira dose de uma vacina, por exemplo AstraZeneca, com a segunda dose de outra, como a da Pfizer.
A despeito de tantas reviravoltas na política de vacinação, Boris Johnson recuperou boa parte de sua popularidade e seu partido conquistou uma bela vitória nas urnas no mês passado nas eleições locais e regionais.
Por aqui, continuamos com o debate terrivelmente politizado, um governo federal contra lockdowns de todo tipo, uma CPI focada no uso da cloroquina e com o Ministério Público afirmando que vai “investigar a compra de remédios sem eficácia”.
Por que no Brasil é tão difícil ver governantes mudando de política quando as evidências mudam? Por que começamos tão próximos ao Reino Unido e terminamos tão distantes? Nas bandas de cá, mudar de ideia não é apenas letal politicamente, é perigoso juridicamente. Se um novo gestor tenta mudar a política no Ministério da Saúde, quase consigo escutar o consultor jurídico dizendo: “Se você anunciar que a evidência demonstra que a política anterior estava errada, vai ter que se explicar para o TCU, CGU, MP…”.
Isso nos traz de volta à calamidade da crise sanitária nacional. A explicação de que “o governo é negacionista e não segue a ciência” não basta para entender o tamanho do nosso buraco. Por aqui, continuamos a não compreender a natureza do serviço público. O Brasil não consegue gerar sequer um Boris Johnson. Nossa política não admite a mudança de opinião. Nosso público não gosta de incertezas. Nossos órgãos de controle não gostam de erros. Como resultado, vivemos em um mundo de fantasia em que riscos não existem. E como riscos não existem, não é necessário geri-los. O resultado está aí.
*Daniel Goldberg é gestor e sócio da Farallon Latin America e foi secretário de direito econômico do Ministério da Justiça