O que pensa FABIO ALPEROWITCH, o gestor de investimentos que inventou o ESG no Brasil

Fabio Alperowitch || Crédito: Divulgação

Para Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, gestora pioneira no Brasil em investimentos sustentáveis, as novas gerações irão atropelar as empresas sem responsabilidade social. Referência no mercado financeiro e conselheiro de diversas entidades do terceiro setor, ele defende a importância do tema ESG, mas ressalta que o combate à desigualdade e ao racismo deve ganhar maior protagonismo na agenda do país

Interessado por finanças desde adolescente, estudante de administração da FGV e estagiário em uma multinacional, Fabio Alperowitch tinha 20 anos quando, em 1993, sem capital próprio, uniu-se a um colega de escola e trabalho, Mauricio Levi, coletou US$ 10 mil com outros funcionários da firma e fundou a Fama Investimentos. Gestora hoje responsável por ativos de R$ 2,6 bilhões, 80% dos quais de investidores internacionais, a Fama só apoia empresas com valores ambientais, de sustentabilidade e de governança, o tal ESG, desde os tempos em que os dois sócios tinham de buscar informações em bibliotecas e arquivos de jornais.

“Como poderia colocar meu dinheiro e o de meus clientes em empresas sem ética, que tratam mal outras pessoas, com produtos nocivos aos seres humanos, que sonegam imposto? ”, argumenta Alperowitch. Há quase três décadas, ao anunciar seus planos à família, teve de ouvir uma palestra “de três horas” do pai, advertindo contra os perigos do mercado financeiro. Hoje, ele é referência no mercado, convidado frequente para falar sobre investimentos responsáveis.

Nesta entrevista, Alperowitch ressalta a importância das questões ambientais e de igualdade de gênero para os projetos de desenvolvimento de um país, ou das empresas, mas, sem temer a polêmica, argumenta que a ênfase nessas questões é “importada”, e defende que, em um país como o Brasil, o combate à desigualdade social e ao racismo deve ganhar maior protagonismo.

PODER: AINDA HÁ MUITA GENTE QUERENDO APENAS DAR UM “VERNIZ” AMBIENTAL A SEUS NEGÓCIOS, O CHAMADO GREENWASHING, COM MAIS PROPAGANDA DO QUE COMPROMISSO REAL?
FABIO ALPEROWITCH: Ainda que as pessoas errem, achem que empresas estão fazendo greenwashing quando há um compromisso genuíno, o simples fato de pararem para pensar e refletir se as companhias estão ou não comprometidas com o social e o planeta já é um ponto muito favorável. Mas nem chegamos a esse ponto ainda: as pessoas nem percebem que existe greenwashing. A capacidade de crítica, até de profissionais do mercado, não evita que aceitem qualquer coisa como verdade. E há uma sutileza, o greenwashing nunca é mentira, sempre tem verdade, é uma distorção de fatos, uma verdade parcial às vezes omitindo fatos.

PODER: PODE DAR UM EXEMPLO?
FA: Uma marca de roupa lança dois produtos: uma camiseta feita com algodão sustentável e um tênis de plástico recolhido dos oceanos. É superbacana, um produto legal. Mas quanto por cento da receita da empresa esses produtos representam? Ela, de fato, está comprometida com sustentabilidade? Outras questões são relevantes ou o fato de ela ter lançado esses produtos é insignificante perto de tudo que faz? Outro exemplo: um banco anuncia que será “carbono neutro” (não colaborará na geração de gases que aumentam o aquecimento global). Claro que é positivo. Mas se o banco quer ser amigo do clima, tem de parar de investir em empresas de óleo e gás, em carvão, em setores controversos.

PODER: MUDAR O FOCO?
FA: A principal atividade do banco não é conceder crédito, investir? Se não faz mudança estrutural, é greenwashing. Diferente de uma fraude no balanço, o greenwashing é complicado porque é feito de meias verdades, quase uma ilusão de ótica. Te faz olhar para um lado enquanto faz o que não deve do outro.

PODER: QUEM FORAM SEUS PRIMEIROS INVESTIDORES?
FA: Nós trabalhávamos em uma multinacional, com pessoas do departamento financeiro, e cada um deu um pouco de dinheiro. Fazendo uma analogia bem tosca para o mundo atual, deve ser mais ou menos como um jovem dizendo: “Quero investir no mundo cripto [moedas virtuais baseadas em blockchain], comprar bitcoin, vender dodgecoin, NFT…”. As pessoas mais velhas não têm ideia do que seja, não sabem fazer isso sozinhas e falam: “toma um dinheiro aí, se der certo deu, se não der…”.

PODER: QUAL FOI A LÓGICA AO MONTAR A PRIMEIRA CARTEIRA DE INVESTIMENTOS?
FA: Lembro que tinha essa questão de ética muito forte. Mas era um mundo muito diferente. Não existia internet, o acesso a informação era muito restrito. Hoje, se você é cliente de um banco recebe relatório; na época esses relatórios eram escassos e nós não operávamos em nenhuma corretora que tivesse relatório, éramos pequenos demais. Íamos à biblioteca e ficávamos lendo edições anteriores da Gazeta Mercantil, íamos nos supermercados entrevistar pessoas… Os investimentos sempre foram muito qualitativos.

PODER: O QUE DEFINE UMA EMPRESA DE QUALIDADE?
FA: É muito subjetivo. Gostamos de empresas que tenham consistência. Errar faz parte, todos erram, mas que tenham consistência em todos os sentidos: crescimento, margem, posicionamento, ética e uma cultura corporativa que esteja voltada aos stakeholders e não só aos acionistas. As melhores companhias são as que não olham só para seu umbigo, mas para a boa relação com fornecedores e clientes, colaboradores, a comunidade do entorno, o poder público. Essas acabam construindo relações mais duradouras e se tornam menos vulneráveis.

PODER: EMPRESAS E CONSUMIDORES AMEAÇAM CRIAR RESTRIÇÕES A PRODUTOS BRASILEIROS QUE NÃO ATENDEM A ESSES PRINCÍPIOS. VOCÊ ACHA QUE SÃO AMEAÇAS REAIS?
FA: O raciocínio anterior era: “a responsabilidade da matéria-prima é do meu fornecedor, a do uso é do meu cliente e só é minha responsabilidade a manufatura do produto até eu colocar ele na gôndola”. Essa lógica tem sido desafiada cada vez mais e algumas empresas já perceberam, sabem que é uma responsabilidade grande monitorar fornecedores. Vale para questões de pegada de carbono, questões sociais, como saber se a matéria-prima advém de trabalho análogo ao de escravo ou infantil, por exemplo. Para as companhias que não entendem isso, quem entenderá é o mercado consumidor. Nos mercados europeus, a preocupação hoje é o desmatamento, mas haverá outras preocupações em outros mercados.

PODER: AS EMPRESAS AINDA ESTÃO MUITO PREOCUPADAS COM RESULTADOS E APENAS UMA MINORIA PARECE ATENTA A ISSO?
FA: São minoria, mas tem crescido rápido. Durante 40 anos, nós, a sociedade civil, empurramos com a barriga um problema alertado pelos cientistas, a questão da mudança climática. Chegou em um ponto que não é mais mudança, é emergência climática. Se nos próximos anos algo bem radical não for feito, comprometerá a vida do planeta. E essa consciência bateu em governos, reguladores, algumas empresas, consumidores, investidores. Vemos uma mobilização grande em busca de regulação de mercado, transparência. Foi muito rápido, de dois a três anos para cá muita coisa mudou. Um segundo ponto importante é a mudança geracional. Essa geração Z consome de um jeito diferente. Tem valores muito fortes sobre, por exemplo, crueldade animal, racismo, homofobia, pegada de carbono. As empresas que não entenderem isso terão dificuldade de atrair e reter talentos. Não podemos esquecer também que essa geração tem ainda pouco poder discricionário de consumo. À medida em que o tempo avança, ela ocupará postos de liderança, participará do debate público, será consumidora, investidora. A mudança vai ser rápida e as empresas que acharem que vão vender para o mesmo público que vendem há 30 anos serão atropeladas.

PODER: EM QUANTO TEMPO ESSA PRESSÃO SERÁ INCONTORNÁVEL?
FA: Em breve. Dois anos atrás, e isso é ontem, quando eu queria me informar sobre meio ambiente, tinha de buscar publicações especializadas. Nós falávamos sobre economia e a questão da sustentabilidade passava reto. Hoje, não tem um dia em que não sejamos impactados por artigos, colunas, matérias. Paralelamente, temos a mudança para um capitalismo mais de stakeholder, que obviamente não se dá de maneira uniforme, e temos essa mudança geracional, que ajuda nesse debate.

PODER: AS EMPRESAS TÊM AVANÇADO MAIS NA QUESTÃO DA DIVERSIDADE DO QUE NA AMBIENTAL?
FA: A pauta ESG vem importada da Europa, e a valor de face. Se o ESG fosse nascido no Brasil, provavelmente estaríamos dando mais valor para a inequidade social e racial. Como é importado, os temas predominantes acabam sendo a mudança climática, na área ambiental, e empoderamento feminino, na área social. Mas a realidade brasileira tem muitos outros problemas, precisamos ter um pouco de visão crítica e tratar dos problemas que também são nossos.

PODER: DE QUE FORMA?
FA: Não diminuo a importância do debate climático, nem da equidade de gênero, mas temos de incluir outras questões fundamentais: somos um dos países mais racistas do mundo, com 56% de negros, e cadê essas pessoas nos cargos de liderança, na convivência nos bairros mais chiques? Brasil é o que mais mata transexuais, extremamente homofóbico, tem a sétima maior desigualdade social do mundo. No G20 é o que mais mata em acidentes de trabalho. São questões nossas, não europeias. Não adianta as empresas entenderem os problemas do mundo através das lentes estrangeiras.

PODER: QUAIS COMPROMISSOS DEVEM SER ASSUMIDOS PELAS EMPRESAS?
FA: Quando o presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, diz que vamos acabar com desmatamento ilegal até 2030…tinha de acabar hoje. Se é 2030, quais os passos a serem adotados, quais metas de curto prazo? Jogar meta lá para frente sem dizer como cumprir é dizer que não é importante. Empresas fazem o mesmo, Bolsonaro não é nada original. Várias prometem uma agenda de clima para 2050, para tirar pressão do mercado investidor e consumidor. Provavelmente, vai chegar em 2049, quando o dono não vai estar lá, o board não estará, e não cumpriram as promessas. Não é compromisso, é enganação. O mercado consumidor e o investidor ainda não conseguem separar quem engana e quem leva a sério.

“O mercado consumidor e o investidor ainda não conseguem separar quem engana e quem leva a sério”

 

PODER: NO MÊS PASSADO O MINISTRO DO MEIO AMBIENTE, RICARDO SALLES, FOI ALVO DE UMA OPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL SUSPEITO DE ACOBERTAR MADEIREIROS ILEGAIS, ENQUANTO O LEGISLATIVO APROVOU UMA LEI SOBRE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL CRITICADA PELOS AMBIENTALISTAS. QUE SINAL ISSO DÁ AO PAÍS?
FA: Está muito claro como o governo pensa. Até a década de 1980, a Amazônia era vista como inimiga, entrave ao desenvolvimento, homem versus a natureza. Este governo tem um pouco dessa cabeça. Não é questão do ministro, da pessoa, é do modelo. Não fosse o Ricardo Salles haveria um João da Silva. Hoje, esse debate está nas manchetes, tem pressão de investidor, o presidente da maior potência mundial cobrando mudanças. Deu tempo para reflexões, e, se não houve mudança, é porque não existe vontade. E não é restrito ao Executivo. A Câmara aprovou esse projeto 3729, uma questão muito séria: travestido de desburocratização, acaba na prática com licenciamento ambiental, passam a ser gigantes as chances de desastres ambientais.

PODER: VOCÊ É OTIMISTA EM RELAÇÃO A ESSA AGENDA MAIS RESPONSÁVEL?
FA: Ainda há caos no curto prazo. Empresas enganam, consumidores não exigem, poderes Executivo e Legislativo jogam contra. Mas, quando olho dez anos para frente, vejo uma luz forte no fim do túnel. A questão geracional é importante, a nova geração será a catalisadora de grandes mudanças nos mercados de trabalho, de consumo e de investimentos. Claro que tem greenwashing, mas há legitimidade nas agendas. Empresas que estão incorporando a pauta de sustentabilidade são empresas dominantes, que acabam seguidas pelos pares. É um processo que não é rápido, mas, olhando mais à frente, a percepção é positiva.

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