Tasso Jereisatti – O Caminho do meio

Incentivado a entrar na disputa em 2022, senador Tasso Jereissati ganha apelido de “Biden brasileiro” na construção de uma terceira via frente a polarização entre esquerda e direita

Tasso Jereissati || Crédito: Gerdan Wesley/Agência Senado

Por Dado Abreu e Paulo Vieira

O retorno de Lula ao tabuleiro político, com a anulação da sentença que o tornou ficha suja no Supremo Tribunal Federal esquentou as discussões nos partidos que querem uma terceira via à provável polarização entre PT e o presidente Jair Bolsonaro. Neste contexto, o senador e ex-governador Tasso Jereissati (PSDB-CE), voz ativa há tempos na oposição, despontou como um possível nome de centro – enquanto a concorrência não veste a carapuça – nas eleições presidenciais em 2022. “Devemos nos concentrar no candidato que tenha as melhores chances de ganhar e que seja um bom presidente para o país”, afirmou ele, que vem sendo chamado pelos colegas de “Biden brasileiro” em referência ao presidente americano e à idade avançada. Contrário à abertura, neste momento, de processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro, para ele o principal responsável pela maior tragédia da história do Brasil, Jereissati não descarta tal possibilidade, mas advoga em favor da CPI da Covid-19 como forma de mostrar os desmandos do Executivo, ao menos na condução da crise sanitária. Nesta entrevista, concedida a PODER por videoconferência, o senador tucano fala sobre antagonismos em períodos extremos, analisa as possibilidades eleitorais, reconhece os erros do PSDB e repudia os saudosos da ditadura. “Achei que isso tinha morrido no Brasil.”

PODER: ASSIM COMO OCORREU NOS GOVERNOS LULA E DILMA, O SENHOR É HOJE REFERÊNCIA DA OPOSIÇÃO NO SENADO. QUAL A DIFERENÇA EM SER ANTAGONISTA AO PT E ATUALMENTE COM BOLSONARO?
TASSO JEREISSATI:
Nos dois primeiros anos do Lula eu não considero que tenha sido um ferrenho opositor, pelo contrário. Em alguns pontos nós discordávamos, mas principalmente na política econômica tivemos uma atuação de apoio, sobretudo na época em que o [Antonio] Palocci era o ministro da Fazenda e tinha como seu formulador de política econômica o Marcos Lisboa. Como oposição, acho que contribuí bastante para o governo naquele momento. E devo dizer que foi um bom primeiro governo. A nossa diferença coincidiu com a queda do Palocci, à medida que uma série de escândalos foram aparecendo e ele foi trocado pelo Guido Mantega. Daí veio o mensalão e a distância foi só aumentando, gradativamente, até que no governo Dilma nossas posições já eram totalmente opostas. Não apenas por uma condução econômica desastrosa, mas também toda uma cadeia de corrupção montada.

PODER: E COM RELAÇÃO AO GOVERNO BOLSONARO?
TJ:
Hoje é um momento de diferença quase integral. Particularmente não tinha expectativas neste governo, o Bolsonaro que nós acompanhávamos como deputado, com seu comportamento e suas opiniões, se confirmou como presidente e tornou-se um dos governos mais desastrosos da história “As redes sociais trouxeram à tona algo que não tinha aparecido no Brasil, o extremismo de direta” do Brasil, em todos os sentidos. Fui do PSDB a minha vida inteira e sempre me dei bem com as maiores lideranças do PT. Discordávamos, discutíamos, mas nunca nasceu ódio. Já hoje vemos essa questão com as redes sociais, e o ódio dos extremos se manifestando através delas.

Tasso Jereissati || Crédito: Moreira Mariz/Agência Senado

 

PODER: O SENHOR ERA CONTRA O IMPEACHMENT DE BOLSONARO. MUDOU DE OPINIÃO?
TJ:
Continuo contra o impeachment, mas receio que isso possa não ser descartado. Se ele [Bolsonaro] continuar radicalizando, atrapalhando, além de não fazer nada, aí não terá como. Mas eu espero não chegar lá.

PODER: O SENADO TEM TIDO PAPEL DE PROTAGONISTA NO COMBATE À PANDEMIA, ARTICULANDO COM GOVERNADORES, FORMANDO COMITÊ. QUAL A SUA AVALIAÇÃO SOBRE ISSO?
TJ:
Com Bolsonaro na Presidência não virá nada do Executivo. E se não vem nada do Executivo, que evidentemente era de se esperar que fosse o responsável por uma grande coordenação nacional, como é no mundo inteiro, então há uma legítima tentativa dos presidentes da Câmara e do Senado, especialmente do presidente Rodrigo Pacheco, de ocupar esse espaço. Contudo, tenho pouca esperança de que isso dê resultado, porque é uma construção esquisita do quadro institucional, não vejo como o Congresso instituir um abrangente plano de combate à pandemia sem uma participação concreta do Executivo. Seria algo excepcional.

PODER: O QUE PODEMOS ESPERAR DA CPI?
TJ:
Não temos tempo a perder, cada dia que passa são 3 mil óbitos, 4 mil óbitos. Precisamos de uma atitude de controle e a CPI vem não apenas para apurar os culpados, mas também para controlar as medidas do Executivo, do presidente principalmente, que por vezes parece estar fora de controle. Cito também o exemplo do ex-ministro [Eduardo] Pazuello, que em março, em audiência no Senado, falou em 40 milhões de doses de vacina quando nós tivemos algo em torno de 22 milhões. Ele estava claramente mentindo, cada hora falando uma coisa. Em uma CPI você não mente e tudo bem. Você está sob juramento, se mentir terá sanções sérias, pode até ser preso. E também não vai como convidado, é obrigado. Por isso, acredito que a CPI muda o controle que nós temos, não só sobre o presidente como dos seus ministros.

PODER: BOLSONARO TEM SE COLOCADO COMO CANDIDATO À REELEIÇÃO E LULA RETOMOU OS DIREITOS POLÍTICOS. O QUE FALTA PARA O CENTRO DEFINIR SEU CANDIDATO?
TJ:
Primeiro é preciso decidir o projeto de centro. O que os presidenciáveis planejam e quais os pontos que podem os unir. Com certeza enfrentar os extremismos, tanto de direita quanto de esquerda, será um desses pontos. E o que mais? O que se propõe que seja diferente desses extremos? Isso ainda está começando a ser costurado.

PODER: DE OLHO EM UMA FRENTE AMPLA O PSDB ABRIRIA MÃO DE TER UM CANDIDATO?
TJ:
Eu não posso falar pelo PSDB, mas minha opinião é que devemos encontrar um candidato que tenha as melhores chances de ganhar e que seja um bom presidente para o país. E aí quem quer ser apoiado tem que se propor a apoiar quando se vai para uma negociação. Quando defendo uma união, não acho que deva ser só dentro do PSDB. Está na hora de pensar, pelo menos, em um governo de transição, que volte para a normalidade da vida partidária brasileira.

PODER: DESDE A DERROTA DE AÉCIO NEVES NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2014 O PSDB DEIXOU DE SER PROTAGONISTA NO CENÁRIO POLÍTICO. TER CONTESTADO AQUELA VOTAÇÃO FOI UM ERRO?
TJ:
Sim. Acredito que começamos a errar a partir daquele momento, quando passamos a fazer o que a nossa oposição fazia, desafiando as instituições. Temos que reconhecer, e vieram uma série de erros depois disso. O que eu tenho tentado fazer agora é um mea-culpa e retomar nossos princípios e nossas origens.

PODER: QUAL O IMPACTO POLÍTICO DO RETORNO DO EX-PRESIDENTE LULA AO JOGO?
TJ:
É uma grande liderança de esquerda, já foi presidente duas vezes. Teve um primeiro governo bom e um segundo governo ruim. A meu ver, fortalece o PT, e apesar do tom do discurso atual, acho que fortalece uma esquerda mais moderada.

PODER: SEU ESTADO, O CEARÁ, É UM DOS POUCOS NO BRASIL COM UMA POLÍTICA EDUCACIONAL, DIGAMOS, BEM-SUCEDIDA. TE PREOCUPA O LEGADO DESSA PANDEMIA, COM RELAÇÃO AO DÉFICIT EDUCACIONAL E A DISCREPÂNCIA ENTRE QUEM PODE E QUEM NÃO PODE ESTUDAR A DISTÂNCIA?
TJ:
Tem um problema mais profundo que decorre das nossas desigualdades sociais. Essas discrepâncias já existiam e evidentemente com a pandemia tendem a aumentar. Mas é um ciclo vicioso, porque a discrepância começa não só com renda, mas também com educação. Outro ponto que não podemos esquecer é que não tivemos nenhum ministro da Educação, neste governo, que se impôs, que trouxe uma proposta clara para educação pública. Não nos esqueçamos que até pouco tempo era o desastrado do Abraham Weintraub. Estamos vivendo com esse governo um desastre em todos os setores, com raras e honrosas exceções como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

PODER: O SENHOR É UM DOS POUCOS REPRESENTANTES NO CONGRESSO DA SUA GERAÇÃO. O PRÓPRIO PRESIDENTE DO SENADO, RODRIGO PACHECO, TEM POUCO MAIS DE SETE ANOS DE VIDA PÚBLICA. MUDOU MUITO A FORMA DE FAZER POLÍTICA?
TJ:
Mudou, estamos vivendo um período de retrocesso com a destruição da vida partidária. Veja o que aconteceu nas eleições na Câmara e no Senado. Foi uma captura de votos individual, passando por cima de partidos, sem negociação, uma trituração partidária. Não existe um parlamento democrático sem partidos que tenham e defendam os seus programas, as suas ideologias. A consequência é essa bagunça, com uma crise a cada dois anos. Por isso, no extremo, advogo pelo parlamentarismo. Dentro das condições brasileiras, com reforma eleitoral e política.

PODER: DESDE A ELEIÇÃO DE DONALD TRUMP NÓS VIMOS UM NOVO MODO DE FAZER POLÍTICA EM QUE OS FINS JUSTIFICAM CADA VEZ MAIS OS MEIOS. MÁQUINAS DE ÓDIO, FAKE NEWS. COMO LIDAR COM ESSE NOVO MODO?
TJ:
As redes sociais são um fenômeno novo. Elas se transformaram em uma linha de transmissão de ódio e intolerância e, no Brasil, trouxe à tona algo que não tinha aparecido com tanta clareza, o extremismo de direita. Depois do período militar isso parecia algo morto, mas agora vemos essa saudade da ditadura, inclusive de membros do governo e dos próprios filhos do presidente. Pensei que no Brasil isso não existia mais.